Edição LIII (Terça Livre, Revista Esmeril 30, e mais)

 Tempo de Leitura LIII

(Opinião, artigos e cultura para pessoas livres)


Resumo semanal de conteúdo com artigos selecionados, de foco na área cultural (mas não necessariamente apenas), publicados na Revista Esmeril e outras publicações de outras fontes à minha escolha. Nenhum texto aqui pertence a mim (exceto onde menciono), todos são de autoria dos citados abaixo, porém, tudo que eu postar aqui reflete naturalmente a minha opinião pessoal sobre o mundo.


ACOMPANHE
   


REVISTA ESMERIL 30

Morte antes do fim (Vitor Marcolin)

Uma ‘ilha’ cercada de intenções suspeitas e emoções baratas (Antonio Fernando Borges)




Onde quer ir primeiro?



LEITURA RECOMENDADA

Minhas redes:
     

26 de Abril de 2022
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👆 Com a palavra, Terça Livre!




ALLAN DOS SANTOS: Allandossantos.com || Gettr || Clouthub || Bom Perfil.

ÍTALO LORENZON: Ligando os Pontos || Canal Reserva || Telegram || Gettr || Twitter || Instagram.

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CARLOS DIAS: Portal Factum || Expressão Brasil || YouTube || Twitter.

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PAULO FIGUEIREDO: Conexão América || ConservaTalk || Telegram || Gettr || Twitter.

JOSÉ CARLOS SEPÚLVEDA: YouTube || Ligando os Pontos || PHVox || Gettr || Twitter || Facebook.

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MEMÓRIA TERÇA LIVRE
(matérias de edições antigas da revista que ainda são atuais)

Hoje voltaremos no tempo para a edição 22 da Revista Terça Livre, de 10 de Dezembro de 2019.

Infelizmente não é mais possível acessá-la porque o site TL TV saiu do ar, portanto agora uso do meu acervo de pdfs para publicar artigos da revista. Porém, a área de cursos do Terça Livre se encontra disponível novamente através da plataforma do Canal Hipócritas.



COMPORTAMENTO

👆 Pensar é Gratis (Ainda)
(por Carlos Maltz)



Boa de comunicação essa senhora Ângela Merkel. Não é à toa que, vinda da Alemanha, tornou-se uma liderança consistente na U.E. O tom de voz é áspero, porém contido. Transmite firmeza e respeito. Talvez lembre um pouco Margaret Thatcher. Uma Margaret Thatcher de vermelho. Seria estudado? Ou espontâneo? Alguém aí ainda se lembra do que queria dizer a palavra: “espontâneo”? Meu velho judeu interno, com sua ironia implacável e infalível, pergunta: seria ela uma versão “light”, para Android, de outros conterrâneos seus do passado, hábeis também na condução emocional das multidões? Velho rancoroso. Mando-o calar a boca e sigo com o vídeo.


Ela diz que a liberdade de expressão tem o seu preço. Unanimidade. Ouvem-se os aplausos entusiasmados que o óbvio costuma despertar nas plateias. Segue como quem não esperava a reação óbvia ao óbvio. Surfa no óbvio e já introduz um assunto não tão óbvio. E nem tão unânime: A LIBERDADE DE EXPRESSÃO TEM OS SEUS LIMITES. O tom aumenta. Agora ela gesticula freneticamente com o braço direito. A plateia embarca na onda do entusiasmo indignado. Aplausos fortes. A LIBERDADE TERMINA ONDE COMEÇA O “DISCURSO DE ÓDIO”. Que começa aonde a DIGNIDADE DE OUTRAS PESSOAS É VIOLADA. Aplausos mais fortes. Ela entra mais fundo: ESTA CASA (parlamento europeu) DEVE SE OPOR AOS DISCURSOS EXTREMISTAS. Se não fizermos isso, NOSSA SOCIEDADE NÃO SOBREVIVERÁ.


Aplausos orgásticos. Vejo meu sorriso plácido refletido da tela do
Samsung. Estou satisfeito e feliz por ser uma pessoa do bem, ouvindo um discurso obviamente do bem. Uma pessoa que apoia causas do bem e odeia o ódio, como as pessoas do bem desses dias costumam fazer. Mas meu velho judeu interno não me dá sossego. Ele pergunta com aquela ingenuidade desconcertante dos velhos rabinos: e quem vai definir o que é “discurso de ódio”?


Uma pergunta simples: quem vai definir o que é discurso de ódio? Quem vai determinar o que pode e o que não pode ser dito? Quem vai controlar isso? Como vai controlar isso? O controlador do ódio alheio não odeia? É uma pessoa “neutra”? Um anjo de Luz que paira acima do palco mundano das paixões? E quem controla o controlador?


Lembrei-me de um filme das antigas: “A vida dos outros”. A história se passa em 1984, na antiga Alemanha Oriental, cinco anos antes da queda do muro de Berlim. O personagem principal é um espião da “Stasi”, a polícia secreta daquele país que rezava pela cartilha de Moscou. Ambiente sombrio. Ruas 
desertas, apartamentos feios, carros feios, pessoas cinza-chumbo. Tensas. Medindo
cada palavra pronunciada por saber que qualquer um poderia ser um espião da polícia do estado disfarçado. Todos espiam. Todos estão sendo espionados. Qualquer coisa pode ser usada contra você. Milhares de pessoas ganham a vida espionando o que outras pessoas estão fazendo de suas vidas. Gente fugindo aos montes pro lado de lá do muro. Gente morrendo aos montes, tentando fugir.


Os governantes, corruptos e corruptores, como os integrantes de governos que governam sem oposição costumam ser, são semideuses que podem fazer o que bem
entendem e decidem o destino das pessoas. Só “sobe na vida” quem cai nas graças ou nos gostos de algum deles. Uma palavra “errada” pode ser fatal. Não é fácil fugir. O suicídio é uma saída considerada por muitos. Não existem mais pessoas em quem se possa 
confiar totalmente. Irmão delatando irmão. Pelo próprio bem do delatado, é claro. O Estado-Deus estimulava os próprios filhos a denunciarem a infidelidade ideológica dos pais.


A Guerra Fria congela os corações. A paranoia paira no ar.


Nosso personagem, que no começo do filme acredita piamente no paraíso socialista na terra, realizando seu trabalho de espionar a vida de um casal de artistas suspeitos de “traição aos ideais revolucionários do proletariado”, vai se dando conta de que o drama humano que ele investiga minuciosa e burocraticamente como um funcionário qualquer é muito maior e mais complexo do que a ideia utópica que ele acredita estar defendendo. Na verdade, ele está sendo usado em uma armação feita por um alto mandatário do partido único, que tem interesse sexual na atriz, e quer arrumar alguma “prova incriminadora” pra se livrar 
do marido dela, um escritor, que também é uma pessoa que acredita piamente na ideia do paraíso socialista, lugar onde as pessoas são puras e estão livres da ganância, da injustiça e da maldade. Que ficaram todas do lado de lá do muro.


Mas as certezas do nosso espião-padrão vão desmoronando simultaneamente ao desmoronamento do muro que a República DEMOCRÁTICA alemã construiu para impedir que seus cidadãos fugissem para o inferno capitalista. Um detalhe interessante: Ângela Merkel é um caso raro. Seu pai, um socialista de Hamburgo, foi um dos poucos que emigraram do lado ocidental para o paraíso. Ela cresceu na Alemanha Oriental. Foi uma líder estudantil na juventude.


Curiosamente, enquanto escrevo este texto, vou acompanhando aqui no
Samsung uma conversa no Twitter. Parece que algumas pessoas foram censuradas e tiveram suas contas apagadas por algo que o “passarinho azul” (vermelho segundo alguns) teria considerado: “discurso de ódio”. As coisas voam nestes dias, não é mesmo?


Em uma das mensagens que li, a escritora Danuza Leão tristemente comunica aos seus leitores que, em função do patrulhamento que vinha sofrendo por não pensar e escrever de forma “correta”, ela decidiu não escrever mais. Vai se retirar para seu mundo interno. O mundo de seus pensamentos. Único lugar, neste momento, em que ela vê a
possibilidade de continuar sendo fiel a si mesma sem que isso se torne um motivo para que seus ex-amigos levem-na à fogueira.


Uns anos atrás, criei uma
hashtag#PensarÉGrátisAinda. Eu a usava sempre que escrevia e publicava algum pensamento de minha autoria. Algumas pessoas me chamaram de doido e paranoico. Controle dos pensamentos? Isso é coisa de ficção científica – elas diziam. Aqui é o Brasil, uma loucura dessas nunca vai acontecer por aqui.


Já vi esse filme – disse o velho judeu.


Carlos Maltz. @carlosmaltz

Maltzonline@gmail.com

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REVISTA ESMERIL - Ed. 30, de 25/03/2022 (Uma publicação cultural digital e mensal de Bruna Torlay. Assinar a revista

Era 1876. Afrânio era um jornalista que trabalhava na Gazeta de Notícias, na Côrte. Entre os seus colegas de pena, ele gabava-se do seu russo; Afrânio e D. Pedro II talvez fossem os únicos brasileiros que dominavam o idioma cirílico. Desde o início daquele ano, Afrânio ouvia rumores na redação sobre uma nova viagem que o imperador D. Pedro II planeava fazer. Quatro anos antes, os jornais relataram com entusiasmo — e Afrânio fora um dos entusiasmados redatores — as andanças do monarca brasileiro pelo Oriente Médio.

Era curioso, o imperador fazia questão de dizer que viajava como um particular, como um cidadão do seu país; Sua Majestade, quando do check-in em algum hotel três estrelas, assinava sempre “Pedro d’Alcântara”. As cerimônias eram-lhe detestáveis, a pompa & circunstância “caceteava“, como ele mesmo deixara claro em seus diários.

Os jornais estrangeiros, mesmo avisados do caráter particular da visita do nobre Bragança sul-americano, anunciavam, sem sucesso em evitar o tom burlesco: “Sua Majestade, o Imperador do Brasil, viaja como um cidadão comum; Sua Majestade está hospedado no Hotel tal, andar tal, quarto tal“. Era cômico, mas para Pedro II devia ser trágico. Afrânio imaginou que, se o imperador decidisse viajar novamente naquele ano, as coisas não seriam diferentes.

Em março as suspeitas foram confirmadas: D. Pedro II, em companhia da Imperatriz Tereza Christina e de uma pequena comitiva de meia-dúzia de pessoas, sairia para mais uma viagem internacional. A Princesa Isabel ficaria como Regente do Império durante a ausência do pai. “Sua Majestade padece da doença da mala“, dizia uma manchete redigida pelo próprio Afrânio na Gazeta de Notícias.

Partiu a modesta comitiva. A primeira paragem foi em Nova York. Valendo-se dos serviços de telégrafo que, graças ao Barão de Mauá, já deixavam a Côrte do Rio de Janeiro a par das últimas que se passavam nas principais cidades do mundo, Afrânio soube da estranhamente calorosa recepção que os nova-iorquinos deram ao imperador do Brasil. Afrânio esforçava-se para se manter alerta quanto às movimentações do imperador no estrangeiro.

Infelizmente, no entanto, o pobre Afrânio adoecera. A redação da Gazeta de Notícias dera-lhe uma licença para se tratar da tuberculose. Em casa, ele passa a acompanhar a peregrinação da comitiva imperial pelos jornais, pelas penas de outros. Afrânio fica encantado quando lê sobre a Exposição Universal da Philadelphia, cuja abertura ficara a cargo do monarca brasileiro.

Os meses passam-se e Afrânio não tem melhora. Preso à poltrona da sala de leitura, passa os dias entre as manchetes dos jornais e os livros. Curiosamente, o redator licenciado passou a ler Dostoiévski assim que largou sobre a mesa a Gazeta que anunciava a chegada de D. Pedro II à Russia. As manchetes de setembro de 1876 falavam sobre a recepção que a Academia de Ciências da Universidade de São Petersburgo dera ao monarca brasileiro.

Quando Afrânio cobria a primeira viagem do imperador ao exterior, em 1872, ganhou de presente de um padre seu amigo um livro em russo: Biesy, a narrativa era uma recriação de um assassinato que ocorrera na Rússia anos antes. Afrânio estudara russo com um padre ortodoxo que viera para o Brasil a fim de prospectar a fertilidade do solo para as sementes de uma fé ligeiramente diferente da professada pelos habitantes da Terra de Santa Cruz.

Os jornais falavam com orgulho das calorosas recepções que Pedro II — a contragosto — recebia nas terras do Czar. Proeminências das artes e das ciências acotovelavam-se nos salões para cumprimentar o monarca dos trópicos. Numa entusiasmada reportagem, Afrânio, enquanto se recuperava de mais uma dolorosa crise de tuberculose, lera sobre o encontro do imperador com o inventor da tabela periódica dos elementos químicos, o russo Dimitri Mendeleiev.

Conhecida era a fama da erudição de Pedro II. Os jornais estrangeiros relataram como, durante uma palestra na Academia de Ciências da Universidade de São Petersburgo, o imperador brasileiro não hesitara em corrigir o palestrante que cometera uma gafe relativa a um tema de geografia. Lendo Biesy, que poderia ser vertido para o português como Os demônios ou Os possessos, e outros dos romances de Dostoiévski emprestados do padre amigo, Afrânio passou a conjecturar semelhanças e diferenças entre a longínqua Rússia e o Império do Brasil.

Afrânio concentrou-se na temática social. Ele sabia que o povo brasileiro, especialmente os seus conterrâneos da Côrte, amava o imperador. Mas, e na Rússia? O povo daquela terra longínqua amava o seu Czar? Haveria, desde as planícies siberianas, muito para além dos Monteis Urais, às praias dos mares Negro e Cáspio devoção ao monarca? Afrânio sabia que o amor que um povo devotava ao seu rei estava em função do senso de dever e de sacrifício que o soberano devotava ao seu povo.

Há três anos, quando Pedro II regressava de sua primeira viagem ao exterior, os jornais de todo o Império informaram aos leitores despreocupados sobre as resoluções da primeira convenção republicana do país, que se realizara na cidade paulista de Itu. Na redação da Gazeta, Afrânio, que compunha a minoria monarquista, ficara alarmado; ele temia pelo fim do regime monárquico no Brasil.

Até quando pôde ele manteve-se fiel às leituras das manchetes que narravam as visitas do imperador aos museus, aos teatros, às instituições científicas. Ao correr os olhos sobre um parágrafo qualquer, Afrânio sorria consigo imaginando que o trecho poderia ter sido escrito de outra forma, à sua maneira. Em setembro de 1877, os repórteres da Gazeta de Notícias tiveram uma oportunidade de ouro: cobrir o desembarque da comitiva imperial no porto. Era o regresso do imperador.

Os amigos do Afrânio, depois de acotovelarem-se com os repórteres dos jornais de todo o Império no Paço, deixaram o local satisfeitos. Na manhã seguinte teriam notícias frescas para publicar sobre o término daquela saga imperial que percorrera três continentes. Antes de voltarem para a redação da Gazeta, porém, os companheiros do Afrânio deixaram flores sobre o túmulo do amigo no Cemitério da Penitência, no bairro do caju.


Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2022

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Esmeril, conteúdo gratuito de 06 de Abril



ESMERIL NEWS | LITERATURA





👆 Uma ‘ilha’ cercada de intenções suspeitas e emoções baratas
(por Antonio Fernando Borges - 06/04/2022)


A palavra Utopia foi criada no século XV por Thomas More, mas a ideia de “mundo perfeito” remonta ao século V a.C., com a “República” de Platão, e desde então tem ajudado a tornar as coisas cada vez piores

Não é preciso ser São Tomás de Aquino ou Aristóteles, nem mesmo um aprendiz de profeta. Todo advogado, publicitário ou técnico de futebol também sabe que a realidade não segue os padrões das ciências exatas – sobretudo em matéria de futuro, que só a Deus pertence. E, no entanto, apesar de tantas evidências, existe sempre um Kant ou Descartes rascunhando um mapa do perfeito amanhã, o famigerado Mundo Melhor que atende por um nome já antigo: Utopia.

Nada está na política de um país se não estiver primeiro em sua literatura: antes que circulasse nas ruas e nas veias de tantos exaltados, o ideal utópico passou pela pena de “um homem de família honrada, sem ser célebre”, “um razoável conhecedor das letras”: o inglês Thomas More (1478-1535). Mas a verdade é que a ideia o antecedeu de vários séculos. Por isso, na Biblioteca de Borges, há dezenas de prateleiras ocupadas por livros de ficção que nos acostumamos a incluir na categoria das utopias, ou (como querem alguns) distopias.

Do clássico diálogo A República de Platão (que já no século V a.C. idealizava uma sociedade mais-que-perfeita) aos clássicos contemporâneos como 1984 e A Revolução dos Bichos, de Orwell, Admirável Mundo Novo e A Ilha, de Huxley, O Conto da Aia, de Margaret Atwood, a história da Humanidade passa pela Utopia, o romance-ensaio de More que batizou o fenômeno – e, involuntariamente, sacramentou tanto engano.

Quando entrou para os dicionários como substantivo comum, pela pena do escritor e político inglês, o vocábulo utopia ganhou ares de ideal sagrado e indiscutível – embora os dicionários tragam sempre uma vaga advertência sobre certos “perigos e exageros”:

UTOPIA / substantivo feminino /

  1. Qualquer concepção ou descrição de uma sociedade justa, sem desequilíbrios sociais e econômicos, em que todo o povo usufrui de boas condições de vida;
  2. Ideal impossível de ser realizado; fantasia; quimera”.

Na verdade, ao longo do tempo, as duas definições têm contribuído para empilhar cadáveres e acumular mares de sangue, suor e lágrimas: se a primeira metade do verbete lança o convite tentador para a construção de um mundo mais justo, a segunda destaca o caráter quimérico desse ideal, que mesmo assim (ou talvez justamente por isso) tem sido teimosamente replicado. Neste diálogo de surdos, neste prontuário de equívocos, poucos se dão conta do engano maior – cujo esclarecimento aos menos faria jus à grandeza e à boa fé de Thomas More.

Eis o engano: por citar o livro “de ouvido ou de internet”, a maioria de seus leitores (os que o defendem e os que o detratam) não tem a noção verdadeira dos propósitos do livro – ou mesmo de sua própria estrutura narrativa. E tais “detalhes” fazem toda a diferença. Antes de mais nada, o testemunho entusiasmado da visita à Ilha de Utopia, que constitui a quase totalidade do livro, não é a opinião do autor Thomas More, mas de um amigo, “o notável Rafael Hitlodeu”, cuja existência real os historiadores e especialistas não confirmam nem negam.

O relato glamorizado sobre as finanças, a estrutura política planejada, os costumes um tanto artificiais – tudo faz parte do depoimento de Rafael. Na verdade, More só assume a primeira pessoa narrativa nos últimos parágrafos do livro – e, ao contrário do que se supõem tantos não-leitores, sua intenção é criticar:

“Quando Rafael terminou sua história, várias das leis e costumes dos utopienses descritos por ele me pareceram um tanto absurdos. Seus métodos de fazer guerra, suas cerimônias religiosas e seus costumes sociais são alguns deles. Mas minha principal objeção referia-se à base de todo o sistema, ou seja, sua vida comunal e sua economia sem moeda”.

Em consideração ao cansaço do amigo, que tinha falado durante longas horas, Thomas More se abstém de refutar, aguardando uma ocasião mais propícia – que ele, cautelosamente, delega à imaginação dos leitores.

No fim das contas, o principal problema das utopias/distopias não está nos livros, e sim na realidade a que se referem: invariavelmente, ilhas de ideias perigosas, cercadas de emoções baratas e intenções suspeitas por todos os lados. Fora dos livros, na cartografia real da aventura humana, utopias ou distopias ocupam territórios cada vez maiores, com oceanos de sangue e montanhas de cadáveres. Tentar estabelecer diferenças entre utopia e distopia é um truque barato, de irrelevância “estratosférica”. Afinal, o próprio livro de More descreve, como vimos, uma… distopia.

Que aprendizado podemos tirar de tudo isso? A lição essencial de que a realidade continua dando as cartas, e jamais teremos o pleno controle das coisas do mundo – como sabem advogados, publicitários e técnicos de futebol. E como sabia também o ilustre Thomas More.

Mapa de Utopia

“Os erros só deixam de ser perigosos quando é possível corrigi-los livremente”.

— Thomas More, escritor inglês
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Padre Paulo Ricardo - 18 de Abril





FÉ E RAZÃO | DOUTRINA

👆Há coisas que são erradas “sempre e em todo lugar”
(por Mark Brumley)

Há coisas que não são intrinsecamente más: podem ser erradas sob determinadas condições e aceitáveis em outras. Outras, no entanto, como o aborto e a eutanásia, não podem jamais ser objeto de escolha ou de apoio, nem se tornar direito ou bandeira política.


Uma vez que a doutrina social da Igreja diz respeito à dignidade e à vida humanas, à organização adequada da sociedade, todos os tópicos por ela abordados são importantes, mas não é necessário que sejam
 igualmente importantes. Sua importância pode variar conforme os princípios envolvidos, os bens e os prejuízos em jogo, os recursos disponíveis para promover o bem e vencer o mal, e as obrigações e compromissos que as diversas pessoas venham a ter.

Nem todas as ações, nem todas as práticas ou instituições promovem necessariamente os princípios da doutrina social da Igreja do mesmo modo, nem todas as más ações, más práticas ou instituições os violam necessariamente na mesma medida. Por exemplo, o direito à propriedade privada é um aspecto da dignidade da pessoa humana. Se uma gangue de rua picha todas as casas de um bairro, a gangue viola o direito das pessoas à propriedade. Isso está errado. Mas não é tão errado quanto um assassinato perpetrado pela gangue. O direito à propriedade privada não é, em si, tão importante quanto o direito à vida, embora ambos os direitos sejam fundamentais para o desenvolvimento humano.

Às vezes a questão gira em torno da conexão entre os temas. Por exemplo, o Papa São João Paulo II defendeu o que chamava de “inviolabilidade da pessoa humana”. A ideia está relacionada com o princípio da dignidade humana, um dos fundamentos da doutrina social da Igreja. De acordo com João Paulo II, a inviolabilidade da pessoa “tem a sua primeira e fundamental expressão na inviolabilidade da vida humana”. Em outras palavras, para respeitar a dignidade do homem, deve-se antes e sobretudo respeitar seu direito a viver. João Paulo II continua: 

É totalmente falsa e ilusória a comum defesa, que aliás justamente se faz, dos direitos humanos — como por exemplo o direito à saúde, à casa, ao trabalho, à família e à cultura —, se não se defende com a máxima energia o direito à vida, como primeiro e fontal direito, condição de todos os outros direitos da pessoa (Christifideles Laici, 38).

Tire-se o direito à vida, e todos os demais direitos são anulados. Questões diretamente referentes ao direito à vida tendem, portanto, a ser mais importantes do que as referentes a direitos dependentes do direito à vida. Mas o fato de algumas questões serem mais importantes que outras não quer dizer que estas não tenham importância alguma.

Em 2004, o Cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e futuro Papa Bento XVI, enviou um comunicado à Conferência Episcopal dos Estados Unidos delineando os princípios de dignidade para receber a Sagrada Comunhão na Igreja Católica. Referindo-se aos posicionamentos do comungante em matéria de moral e de política, o Cardeal Ratzinger sublinhou que, quando se trata do julgamento consciencioso de um católico, alguns assuntos têm maior peso moral que outros

Nem todas questões morais têm o mesmo peso moral que o aborto ou a eutanásia. Por exemplo, se um católico discordasse do Santo Padre quanto à aplicação da pena capital ou à decisão de declarar uma guerra, ele não seria considerado, por esta razão, indigno de se apresentar para receber a Sagrada Comunhão [i]. Se, por um lado, a Igreja exorta as autoridades civis a buscarem a paz ao invés da guerra e a terem moderação e misericórdia na aplicação das penas aos criminosos, por outro lado ainda se pode permitir o uso de armas para expulsar um agressor ou o recurso à pena capital. Pode haver legítima diversidade de opiniões, mesmo entre os católicos, sobre a decisão de se mover uma guerra ou de se aplicar a pena de morte, mas em nenhum caso pode havê-la sobre o aborto e a eutanásia.

Deixemos de lado, por enquanto, os debates sobre a guerra e a pena de morte. O ponto digno de nota aqui é o princípio do Cardeal Ratzinger de que nem todas as questões têm o peso que o aborto e a eutanásia

Além disso, inúmeros fatores podem estar envolvidos na hora de avaliar a importância de uma questão. Se um vilarejo do outro lado do mundo, numa área remota e de difícil acesso, é afligida por um vírus letal, é claro que se trata de uma situação alarmante. No entanto, por grave que seja a situação, talvez não sejamos capazes de fazer muito, se é que podemos fazer alguma coisa para ajudar. Mas, voltando ao exemplo anterior, talvez possamos intervir na situação da gangue de rua que está pichando o nosso bairro. Talvez nós e nossos vizinhos possamos nos reunir para vigiar a pichação e denunciar os culpados à polícia. Talvez possamos apoiar programas comunitários que direcionem os jovens para atividades mais construtivas.

Com efeito, podemos dar assistência ao vilarejo remoto por meio de orações e de doações, ou pressionando o governo para que o ajudem. Mas, ainda que haja vidas humanas em risco lá longe, é justo que escolhamos empregar nossos recursos para ajudar a comunidade em que vivemos, porque podemos resolver seus problemas com mais prontidão.

O bombardeamento atômico de Nagasaki, um dos casos recentes mais célebres de “atos intrinsecamente maus”. Fotografia de 9 de agosto de 1945, tirada por Charles Levy.

Há aqui um ponto relacionado, mas distinto, quando o assunto é a aplicação da doutrina social da Igreja a diferentes questões: algumas delas envolvem coisas que são por si erradas. São frequentemente o que chamamos de ações intrinsecamente más. Por exemplo, o aborto, a eutanásia, o genocídio, o ataque à população civil em guerras internacionais. O que é intrinsecamente mau jamais pode ser objeto de escolha ou de apoio nem se tornar direito ou bandeira política

Mas há coisas que não são intrinsecamente más. Podem ser erradas sob determinadas condições, e no entanto aceitáveis em outras. Ir à guerra é um exemplo. Discutiremos o ensinamento da Igreja sobre a guerra justa noutra ocasião [ii]. Por ora, basta notar que a justificativa moral de uma guerra depende de uma variedade de fatores, diferentemente do aborto, da eutanásia, do genocídio e do ataque intencional a civis numa guerra, injustificáveis por princípio.

Considere-se por outro lado a diminuição de impostos, que não pode ser nem boa nem má enquanto tal. Há situações em que diminuir impostos pode ser a coisa certa a fazer. Mas há situações em que baixar os impostos pode incapacitar o governo de cumprir suas obrigações para com os cidadãos, entre os quais sempre há os que saem seriamente prejudicados. 

Os católicos devem opor-se a coisas que são erradas sempre e em todo lugar (intrinsecamente más). É impossível apoiar e promovê-las sem cooperar formalmente com elas e, em certo sentido, sem fazer delas nossos próprios males. Mas isso não significa dizer que devamos apoiar, nem que estejamos moralmente obrigados a nos opor, a qualquer coisa que não seja intrinsecamente má. 

O modo de abordar uma questão que envolva o bem ou o mal em função das circunstâncias é matéria de prudência.

Notas

  1. Embora o ensinamento mais recente dos Papas (cf. v.g., a encíclica Evangelium Vitae, do Papa São João Paulo II), com base num juízo prudencial e “em função das circunstâncias” sociais e políticas em que vivemos, seja de repúdio ao recurso da pena capital, o próprio fato de a Igreja o ter considerado, noutros tempos, “como uma resposta adequada à gravidade de alguns delitos e um meio aceitável [...] para a tutela do bem comum” (Catecismo da Igreja Católica § 2267) mostra que a pena de morte não é intrinsecamente má, como o são o aborto e a eutanásia (N.T.).
  2. Cf. a esse respeito Catecismo da Igreja Católica § 2309 (N.T.).
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Allan dos Santos
 - 24 a 25 de Abril




LIBERDADE DE EXPRESSÃO



👆 Deputados trabalham para anistiar Jefferson, Zé Trovão, Allan dos Santos
(por Allan dos Santos - 24/04/2022)


Depois do perdão de Jair Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira, os apoiadores do presidente da República querem salvar também os outros investigados nos inquéritos inconstitucionais dos falaciosos "atos antidemocráticos" e das infundadas "fake news".

A deputada Carla Zambelli disse ao SBT que a intenção é perdoar as denúncias contra todos os envolvidos. Ela deve apresentar na próxima segunda-feira uma proposta de anistia ampla.


Entre os beneficiados pela proposta estão o jornalista Allan dos Santos, o ex-deputado Roberto Jefferson e o caminhoneiro Zé Trovão.


A gente está criando um projeto de lei para anistiar todas as pessoas envolvidas. Desde os caminhoneiros, os blogueiros, youtubers, jornalistas, políticos e, principalmente, o Roberto Jefferson. Nossa preocupação é com a saúde dele”, afirmou Zambelli.
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LIBERDADE DE EXPRESSÃO



👆 Projeto que concede anistia a Silveira também enquadra STF por abuso de autoridade
(por Allan dos Santos - 25/04/2022)


O projeto de lei (PL) que pretende conceder anistia ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) e às outras vítimas que foram alvo inconstitucional do STF, como Roberto Jefferson e o jornalista Allan dos Santos, também prevê a punição de membros do Poder Judiciário pelo crime de “abuso de autoridade”.

A determinação está na nova versão do projeto que será apresentado em instantes pela deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e outros 60 parlamentares, como resposta à decisão do STF de condenar arbitrariamente Daniel Silveira a 8 anos e 9 meses de prisão, mais a perda do mandato, por supor sem provas que ele teria participado de atos que atentariam contra a “democracia”.


Segundo a proposta, “será caracterizado como abuso de autoridade, nos termos do art. 27 da Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019, a instauração ou continuidade de procedimento investigatório referente aos fatos caracterizados no caput mediante simulação de investigação pelas espécies típicas previstas no parágrafo primeiro desta lei”.


A proposta assim está escrita: “Consideram-se relacionados os fatos praticados pelas autoridades do Poder Judiciário, inclusive das funções auxiliares e essenciais à Justiça que tenham caracterizado violação ao devido processo legal, abuso de autoridade, ou ofensa à independência do Poder Legislativo e Poder Executivo”.


Apesar de não citar explicitamente o STF, o texto abre margem para que os ministros responsáveis pela condenação de Silveira sejam alvo de procedimentos de investigação pelo crime de abuso de autoridade.


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👆 FRASES DE OLAVO DE CARVALHO

"A liberdade é uma possibilidade concreta de ação não entravada por obstáculos externos."


"'Liberdade de expressão' é entre iguais. O que um adulto diz para uma criança TEM de ser limitado, e mais ainda se a criança, na condição de estudante, é obrigada por lei a ouvi-lo. O oposto é o absurdo dos absurdos: o Estado força a criança a ouvir um adulto dizer o que bem deseje. Isso sim é OPRESSÃO, PREPOTÊNCIA, TIRANIA, ESCRAVIDÃO."


"O brasileiro de hoje em dia é aquele sujeito valente que teme olhares e caretas como se fossem balas de canhão, que enfia o rabo entre as pernas à simples ideia de que falem mal dele, que troca a honra e a liberdade por um olhar de simpatia paternal de quem o despreza."

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👆 HUMOR

E nas True Outstrips de hoje: uma revelação desrevelada, e outra, bem... que tá na boca de todos!
(22/04/2022)
(25/04/2022)


E olha só, Gadu Ananauê, o arrombado vermelhinho caviar socializando seus pertences!
(20/04/2022)

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👆 LEITURA RECOMENDADA

E por falar na tal LIBERDADE, vamos de leitura ficcional hoje. "Ficcional" entre muitas aspas, por assim dizer. É uma leitura óbvia, mas necessária, uma vez que muita gente se esquece disso, então a gente tem que ficar repetindo o óbvio pra ver se entra na cabeça das pessoas. Tome aqui uma leitura de Orwell, sobre a tal LIBERDADE. Leia com muita atenção, e vá tentando identificar os personagens da obra no nosso mundo atual.

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