Edição XL (Terça Livre, Revista A Verdade 72, Revista Esmeril 27, Opinião e mais)

Tempo de Leitura XL
(Opinião, artigos e cultura para pessoas livres)


Resumo semanal de conteúdo com artigos selecionados, de foco na área cultural (mas não necessariamente apenas), publicados na Revista A Verdade, na Revista Esmeril e outras publicações de outras fontes à minha escolha. Nenhum texto aqui pertence a mim (exceto onde menciono), todos são de autoria dos citados abaixo, porém, tudo que eu postar aqui reflete naturalmente a minha opinião pessoal sobre o mundo.


ACOMPANHE
 



REVISTA A VERDADE 72

O que justifica matar uma pessoa? (Carlos Adriano Ferraz)

A nebulosidade das pesquisas eleitorais (Gustavo Victorino)





REVISTA ESMERIL 27

Altas horas (Vitor Marcolin)

Geração mimimi: por que, desde Rousseau, as palavras ‘machucam’ (Antonio Fernando Borges)



Onde quer ir primeiro?



LEITURA RECOMENDADA

Minhas redes:
     

18 de Janeiro de 2022
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👆 Com a palavra, Terça Livre!




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MEMÓRIA TERÇA LIVRE
(matérias de edições antigas da revista que ainda são atuais)


Hoje voltaremos no tempo para a edição 9 da Revista Terça Livre, de 10 de Setembro de 2019.

Infelizmente não é mais possível acessá-la porque o site TL TV saiu do ar, portanto agora uso do meu acervo de pdfs para publicar artigos da revista. Porém, a área de cursos do Terça Livre se encontra disponível novamente através da plataforma do Canal Hipócritas.



GEOPOLÍTICA


👆 Análise de um diálogo encontrado na Internet
(por Carlos Maltz)


Começa o diálogo com o entrevistado já respondendo. Ele está dizendo:
As pessoas votaram, você entende? Elas vão ter que seguir com isso, com esse voto que foi o vencedor. De repente é... Tipo... Ah, nós não gostamos desse voto... COMO ASSIM? Você não gostou desse voto? Você tem que votar, esse foi o voto vencedor... Vamos seguir com ele...

O entrevistado demonstra uma atitude de surpresa e alguma indignação. Percebe-se que é uma pessoa que tem personalidade forte e opiniões próprias. Percebe-se que é alguém que tem coragem pra pensar por sua conta e está baseando sua fala em acontecimentos da realidade.

Mesmo uma pessoa que tivesse chegado nesse exato momento de algum outro planeta poderia perceber essas coisas. O entrevistado parece ser uma pessoa com alguma idade, mas pelos óculos escuros e pela argola pendurada na orelha poder-se-ia dizer que é alguém que aparenta ou quer aparentar menos idade do que realmente tem.

Entra o entrevistador. Sotaque britânico inconfundível. A arrogância dos que já foram donos do mundo está embutida, é indisfarçável. Pela voz poderíamos supor que é uma pessoa mais jovem do que o entrevistado. Sua pergunta vem de um lugar mais alto. Não mais alto fisicamente, mais alto moralmente. A pergunta já traz em si a repreensão pela resposta que ainda não veio, mas é previsível. O entrevistador se julga no lugar de julgar o entrevistado moralmente pela resposta que ele dará. A pergunta:

Você votou dessa maneira?

O entrevistado é macaco velho. Sente que está sendo colocado contra a parede e habilmente responde afirmativamente batendo de frente com o julgamento e a sentença moral que veio colada na pergunta, mas faz, com uma expressão teatral que ironiza a pretensa densidade e seriedade da pergunta. Uma piadinha na sequência pra quebrar o clima inquisitório imposto pelo entrevistador. Ele responde:

Sim, Eu votei pelo BREXIT sim, votei por cair fora... Mas... Não conte ao Bob Geldorf... (risos)

Bob Geldorf, pra quem não sabe, era o cantor de uma banda punk inglesa dos anos 1980, que ganhou notoriedade mundial ao organizar o festival “Live Aid”. Não sei o que faz da vida atualmente, mas imagino que
deva ser alguma espécie de símbolo dos artistas progressistas que se julgam no lugar de salvadores da humanidade e juízes do comportamento “correto” dos outros. Vem outra pergunta.

Por que você votou dessa maneira?

O tom de voz é inquisitório. O entrevistador não tem a menor dúvida de que se encontra moralmente em uma posição que lhe permite questionar o entrevistado como se ele fosse um prisioneiro de um campo de
concentração. Poderia, tranquilamente ter partido da mãe terrível do personagem de Roger Waters em “The Wall”. Roger Waters, pra quem não sabe, é outro grande ícone do que é “correto” em termos do comportamento de um artista hoje. Vive atualmente fazendo shows e ditando regras de como e onde os artistas devem e podem se apresentar. E se metendo na vida política de países que ele conhece de orelhada. O personagem de Waters, aliás, foi representado no filme, pra quem não sabe, por Bob Geldorf.

O entrevistado responde. Percebe-se que é alguém de outra época. Alguém que não está acostumado a ser colocado contra a parede porque pensa de forma diferente do entrevistador. Alguém que também tem a sua arrogância britânica embutida. Alguém que também já foi um dia, um dono do mundo. Alguém que viveu em uma época em que as pessoas tinham ainda o direito de pensarem o que bem entenderem. Ele diz:

Bem, eu acho que é um bom movimento... Acho que é um bom movimento as pessoas serem donas do seu próprio país, estarem no controle do seu próprio país... É um movimento positivo...

Fim do vídeo. O entrevistado era Ringo Starr. Baterista dos Beatles. Pra quem não sabe. E o entrevistador era alguém da BBC. Empresa de comunicações públicas da Inglaterra, que está boicotando Ringo pro ele ter votado e defendido abertamente o seu voto pró BREXIT.

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SOCIEDADE



👆 O que justifica matar uma pessoa?
(por Carlos Adriano Ferraz)


Se tomarmos como referência a ciência quando discutimos o tema do aborto, devemos colocar, de largada, a seguinte questão: o que é morto em um aborto?

Além dessa questão, coloquemos alguns questionamentos morais que dela decorrem inescapavelmente:

- É legítimo assassinarmos alguém (uma pessoa humana) em seus primeiros momentos de vida?

- Algumas vidas valem mais do que outras?

Com efeito, a questão do aborto é uma das mais perenes da bioética. Não apenas isso, ela importa na medida em que estamos discutindo sobre se estamos legitimados ou não a colocar fim a uma vida humana individual. Dessa forma, parece-me de uma leviandade torpe simplesmente alegar que o aborto é uma questão de “saúde reprodutiva”, sem uma discussão prévia sobre o que está em jogo nessa ação.

Assim, perguntemo-nos: o que está em jogo em um aborto?

Primeiramente, cabe reiterar que a discussão sobre o aborto envolve a seguinte questão: “é legítimo assassinarmos uma forma de vida humana e individual em seus primeiros momentos de desenvolvimento?” Embora essa seja uma questão fundamental nessa disputa, ela simplesmente não é colocada pelos defensores do aborto. Mas, se formos nos pautar pela honestidade moral e intelectual, a devemos, sim, colocar.

E, como a questão é evocar a ciência, vamos a ela para responder à indagação atinente ao que está em jogo no aborto, ou, sobre o que é morto em um aborto.

Assim, em uma importante pesquisa publicada na ‘Nature Cell Biology’ (2016), intitulada “Self-organization of the human embryo in the absence of maternal tissues”, encontramos que, desde o momento em que espermatozoide (pertencente ao homem) e óvulo (pertencente à mulher) se unem, temos um ‘indivíduo humano vivo’ agindo teleologicamente com vistas à manutenção de sua vida (já não pertencente nem ao homem nem à mulher). E esse indivíduo, essa pessoa, é uma realidade material no contexto de uma continuidade física (não estamos falando de alma aqui). Diferentemente das células que fazem parte de outro organismo, ele é autodirigido, um organismo único, distinto tanto do pai quanto da mãe. Ele tem um metabolismo, cresce, reage a estímulos e gera entidades semelhantes a si próprio (ele possui recursos internos que lhe permitem se desenvolver ativamente rumo aos estágios seguintes até a vida pós-parto). Dito de outra maneira, ele não é um mero agregado de células. Por essa razão, mesmo um ateu combatente como o finado Christopher Hitchens (no livro “God is not Great”) argumenta contra o aborto (sim, não é preciso ser religioso para ser contra o aborto, o que quebra mais um dos mitos criados pelos “ungidos”). Nas palavras de Hitchens, “enquanto um materialista, penso que foi demonstrado que um embrião é um corpo, uma entidade separada, e não meramente (como alguns realmente costumavam argumentar) uma excrescência sobre ou dentro do corpo feminino”. Como isso foi “demonstrado”? Ora, seja pela “comovente visão provida pela ultrassonografia”, seja “pelo nascimento de nenéns prematuros cujo peso seria similar ao de uma pena, os quais alcançaram viabilidade fora do útero”. Mas, além da ultrassonografia, caberia citar a embriologia e seus avanços. Em outros termos, a ciência tem nos mostrado que, desde a concepção, temos um ser humano vivo individual, o qual, mesmo em situações muitas vezes de altíssimo risco, prospera, nasce e se desenvolve (seguindo, em linhas gerais, esse percurso: embrião⤑feto⤑neném⤑criança⤑adolescente⤑adulto⤑idoso).

Assim, não há discussão quanto a isso de um ponto de vista científico.

A questão, aqui, é simplesmente moral: o que justifica matar uma pessoa? Se assumirmos a ideia de “dignidade da pessoa humana”, como justificarmos que algumas pessoas não são tão pessoas quanto outras? Uma das grandes conquistas liberais (e ocidentais) foi justamente apontar para a importância do indivíduo e da liberdade individual. A sua dignidade (e liberdade) não lhe é atribuída como se fosse um adereço: ela lhe é inerente. Imaginem se alguém (ou algum grupo) assumisse a função de determinar quem é pessoa e tem (ou não) dignidade. Que aconteceria? A história nos oferece exemplos. Em 1939 Adolf Hitler assinou o Aktion T4, um decreto que exortava os médicos e psiquiatras alemães a promoverem a “morte misericordiosa” de doentes incuráveis, deficientes mentais e físicos, idosos senis, etc. Centenas de milhares de pessoas foram mortas. Eram, de acordo com Hitler, menos pessoas que os demais. O mesmo pressuposto foi usado contra judeus, escravos, etc. Aliás, sempre que se quis exterminar um grupo se retirou desse grupo sua “pessoalidade” (para se lhes retirar, consequentemente, a dignidade, a individualidade, a liberdade e, muitas vezes, como ocorre no caso do aborto, a vida). Não à toa se costuma falar em embriões e fetos como “material biológico”. É-lhes usurpada a humanidade para que eles possam ser exterminados. Mas a questão é muito clara diante dos fatos e da ciência: a embriologia nos mostra que o embrião/feto está vivo, que ele é um indivíduo e que ele é, obviamente, humano. Simplesmente não podemos rejeitar esse fato: ele é um ‘ser humano individual vivo’ (Como diria Jerôme Lejeune, pai da genética moderna, “logo que os 23 cromossomos paternos trazidos pelo espermatozoide e os 23 cromossomos maternos trazidos pelo óvulo se unem, toda a informação necessária e suficiente para a constituição genética do novo ser humano se encontra reunida”). Sua dignidade está associada de forma intrínseca a essa humanidade. Qualquer tentativa de lhe “atribuir”, a partir de fora (da vontade de algum sujeito ou grupo, por exemplo), humanidade e dignidade, implicará em se recorrer a alguém que decida quem é pessoa e possui dignidade, em se estabelecer critérios que definam quem tem dignidade, tal como ocorreu no Aktion T4 assinado por Adolf Hitler.

Decisões favoráveis ao aborto por parte da ‘Organização Mundial da Saúde’ (OMS) e do judiciário mandam essa inconveniente mensagem: algumas pessoas são menos pessoas do que outras. Não possuindo dignidade, ou humanidade, elas podem, sim, ser extirpadas como se fossem abscessos.

Sem falar que esses critérios poderão afetar os que já nasceram, como já colocado por Paul Ramsey, o qual demonstra que os argumentos assentados em favor do aborto poderão ser usados, por exemplo, para o infanticídio. Afinal, segundo ele, o infanticídio “causal e logicamente se segue da prática muito difundida do aborto legalizado, escolhido”. Sem falar em outras consequências que surgem na ladeira escorregadia da permissão do aborto, como o possível extermínio de doentes mentais, etc. Sim, há aqui uma perigosa ladeira escorregadia para outras decisões tão malignas quanto a do aborto.

Portanto, o que temos na defesa do aborto é mais uma tentativa de impor, de forma totalitária, um dos dogmas promovidos pelos “intelectuais”, pelos “ungidos”, a saber, o dogma de que o aborto é justificável de forma inquestionável (que é uma questão de “saúde pública”). Dito de outra forma, eles apresentam um slogan, “aborto legal, seguro e gratuito”, e abortam o conhecimento e os fatos em torno da questão central (“o que justifica matarmos uma pessoa em seus primeiros momentos de vida?”). Ao fim abortam inclusive, e sobretudo, os fatos, a ciência e o bom senso. Trata-se de um crime de lesa humanidade, especialmente se considerarmos que esses milhões de mortes causadas anualmente pelo aborto são assassinatos de pessoas, de indivíduos em seus primeiros momentos de vida, aos quais é simplesmente negada a humanidade, a dignidade e a vida mesma.

Assim, perguntemo-nos: a forma de vida morta em um aborto tem o mesmo estatuto moral que nós (enquanto pessoas) possuímos? Se não possui, que critérios podem ser utilizados para distinguir a forma de vida morta intencionalmente em um aborto de formas de vida já nascidas? Por que ela é menos pessoa do que nós? Não são todas as pessoas “iguais” diante da lei? Por que não é dada a elas a proteção da lei?

O fato é que, segundo a ciência, ao realizar um aborto não se está, por exemplo, extraindo um rim para doação. O status moral do embrião/feto não é o mesmo do de um órgão, uma vez que no primeiro caso estamos falando de uma pessoa. Somos autônomos para doar um rim, mas não temos autonomia para matar alguém. Portanto, como podem instituições como OMS autorizarem tal ação?

A história nos mostra que muitas vezes genocídios ocorreram porque algumas nações simplesmente retiraram de certas populações sua humanidade, sua pessoalidade. Não estaríamos, então, diante de outro genocídio, o qual é promovido justamente por instituições que deveriam proteger todas as vidas, todas as pessoas, assegurando-lhes um dos direitos humanos mais fundamentais, a saber, o direito à vida?

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OPINIÃO

👆 A nebulosidade das pesquisas eleitorais
(por Gustavo Victorino)






No Brasil da virada do século, as pesquisas eleitorais ganharam uma dimensão bastante distorcida do que se entende por pesquisa de opinião pública e/ou mercado.

Antes da virada do século, o famoso caso Proconsult envolvendo o candidato Leonel Brizola então em confronto aberto com o grupo Globo, as pesquisas passaram a adicionar ao seu caráter informativo o perigoso componente condicionante de catapultar ou sublimar números reais, mas desinteressantes para segmentos políticos e até econômicos.

Nessa esteira e ao longo de tempo, tais pesquisas passaram a ser utilizadas como ferramenta eleitoral e praticamente acabaram com o seu perfil de consulta popular ou enquete de opinião pública.

Pequenos institutos começaram a surgir pelo crescimento do nicho mercadológico que avançou sobre candidatos e partidos criando um negócio interessante e rentável.

O conceito de credibilidade aos poucos foi sublimado e mesmo tentando aproximar os números da realidade às vésperas das eleições, a população foi perdendo o crédito e a primeira vítima acabou sendo a maior empresa de pesquisa eleitoral do Brasil até então, o Ibope.

Acumulando erros e sem credibilidade, a empresa soçobrou e decidiu manter apenas as pesquisas de audiência midiática e opinião pública e encerrando o Ibope Pesquisas Eleitorais.

Sem o mesmo pudor, mas com o mesmo descrédito, institutos nanicos nascidos do dia para a noite e catapultados por instituições financeiras passaram a ocupar os espaços da mídia militante se transformando em verdadeiros geradores de conteúdo para a esquerda brasileira.

Notadamente voltadas a um processo de condicionamento, tais pesquisas divulgam dados que contraditam assustadoramente as ruas e o cotidiano do país.

Modulados ao interesse do mercado financeiro que quer a volta da orgia financeira e dos juros astronômicos patrocinados por mais de duas décadas da esquerda no poder, esses institutos tentam validar números que de tão absurdos, começam a virar piada pelo país.

Assim como as chamadas agências de checagem, vinculadas a grupos de comunicação oportunistas e ávidos pela volta dos patrocínios milionários, esses institutos afundam no próprio descrédito e trazem exclusivamente a preocupação com a possibilidade de uma fraude eleitoral que validaria seus números absurdos. Eles seriam o pretexto para avalizar uma eleição nebulosa e cercada de suspeitas. Um desses institutos chegou a ser criado e registrado 2 dias antes de divulgar sua primeira pesquisa. No mínimo risível...

É hora do TSE entrar em campo e olhar o cenário que se abre de forma preocupante, sem com isso insistir nas ameaças aos conservadores e enxergar que o problema pode ser bem maior do que simples suspeitas sobre um sistema eleitoral frágil como o brasileiro.

É possível enganar a poucos por muito tempo, enganar a muitos por pouco tempo, enganar alguns por algum tempo... Mas é impossível enganar a todos o tempo todo!

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REVISTA ESMERIL - Ed. 26, de 25/12/2021 (Uma publicação cultural digital e mensal de Bruna Torlay. Assinar a revista


CRÔNICA


👆 Altas horas



(por Vitor Marcolin)

Crônica paulistana

À saída da Estação da Luz, um sujeito, abordando-me tão logo alcancei a calçada, pergunta-me se eu poderia ajudá-lo. Acredito que haja nesta vida momentos nos quais a polidez, os bons costumes, a etiqueta e a própria civilidade perdem o sentido de ser e tudo quanto nos resta é o abandono ao caos do fio que, tensionado para além do limite de seu coeficiente de elasticidade, torna-se fisicamente incapaz de resistir à tenção e rompe-se. No trem eu vira, em uma rede social qualquer, alguém escrever — num estilo insuportavelmente pedante — uma reprimenda aos palavrões. Isso me deixou perturbado. Saí do comboio enraivecido como o diabo.

Como, num país como o nosso — numa época como a nossa — alguém preocupar-se-ia com o palavreado que faz referência a esta ou àquela região anatômica do corpo humano, ou ao suposto ofício da mãe de sei lá quem? Eu não sou nenhum apologista dos palavrões, a bem da verdade raramente faço uso deles; mas sempre os tive como uma válvula de escape indispensável para o equilíbrio das pressões do cotidiano — mormente nesses caldeirões dignos do Tártaro aos quais chamamos de centros urbanos.

Nunca fora tão fácil meter-se na vida alheia. Sentados no banco do trem ou na satisfatória solidão dos nossos banheiros somos alvos permanentes — e cada vez mais fáceis — do juízo alheio. Percebi, aliás estou percebendo, que isso destrói qualquer manifestação de amor ao próximo. Sim, porque o mundo do falatório é um mundo oco, vazio, desprovido de substância; um mundo no qual o único interesse que o outro desperta advém daquela especulação rasteira, daquele gosto maligno de saber de sua vida sem genuína preocupação.

O amor ao próximo pressupõe uma preocupação verdadeira com a sua condição existencial real. Daí a impossibilidade de sua manifestação entre a maledicência. O amor torna-se rarefeito na exata medida em que tudo o que nos interessa no outro é aquilo que, em sua natureza, é acidental. Coloquei a mão no bolso e apalpei a carteira no exato momento em que a lembrança de que não mais carrego dinheiro em espécie acudiu-me à memória. Droga! Nenhuma moeda. Talvez ele aceite Pix. Ouvi dizer que hoje em dia os mendigos aceitam as singelas expressões de caridade via Pix.

A bem da verdade, o homem não parecia um mendigo; não queria dinheiro. Para meu deleite, a tarde estava magnífica; as cores do entardecer, como que animando o antigo prédio da Luz e a torre relativamente próxima da Sorocabana, pareciam purificar aquele ambiente tão decadente. As sombras já bastante oblíquas projetadas pelo edifício, no entanto, sepultavam os mendigos abrigados nas barracas cuja sustentação era a própria amurada da estação. Só não percebi a beleza da tarde antes, assim que desci à calçada, porque aquele sujeito roubara-me a atenção.

Mas agora eu via. Bastava elevar ligeiramente o olhar para ver. As grandes cidades do Ocidente são o ambiente nos quais o indivíduo, ainda que nunca seja capaz de verbalizar, vive infinitas experiências estéticas. Acima daquela fealdade, muito acima, jazia o céu; para além da velha torre do relógio a Eternidade falava. Pensei em xingar, em tomar uma atitude que, do ponto de vista do pecado original, seria radical. Mas era tarde. A beleza me conquistara. Eu me rendi e ganhei.

Olhei para o homem que interpelava-me na calçada da Luz e perguntei como eu poderia ajudá-lo. Ele fez sinal para que eu o seguisse até o outro lado da rua, de fronte para o Parque da Luz. Quando aceitei segui-lo decidi que não levaria comigo nenhuma desconfiança. De onde estávamos era possível contemplar todo o esplendor da estação centenária. — “Muito bem, meu amigo, o que você quer? Se for dinheiro, eu não tenho aqui, mas posso sacar uma nota de vinte”. — “Eu não quero dinheiro, amigo”, — ele respondeu.

— “Sabe o que é? É que eu não tenho o hábito de usar relógio e o meu celular está sem carga. Você poderia me dizer que horas são?”. Nesse momento eu desatei a imaginar os lugares mais baixos onde eu poderia sugerir — literalmente aos gritos — que sua mãe trabalhasse. — “Como é?” –, respondi com uma calma que surpreendeu a mim mesmo. — “Você me atrasa na porta da estação, me faz atravessar a rua só para me perguntar as horas?”. — “Eu sei que é estranho” –, ele respondeu, — “mas é que eu não sei ver as horas no relógio analógico”.

— “E daí? Meu amigo, olha aqui, eu não uso relógio, consulto as horas no celular. Olha, se quiser saber que horas são, eu falo agora”. O homem fez uma expressão de tristeza, de abatimento; parecia estar arrependido. — “Moço” — disse ele — “desculpe pela confusão, desculpe por ter tomado o seu tempo. Eu só queria saber que horas eram ali, ó, no relógio da estação”.

Esmeril Editora e Cultura. Todos os direitos reservados. 2021

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Esmeril, conteúdo gratuito de 14 de Janeiro



ESMERIL NEWS | LITERATURA






👆 Geração mimimi: por que, desde Rousseau, as palavras ‘machucam’
(por Antonio Fernando Borges - 14/01/2022)


O homem que abandonou cinco filhos e traiu suas amantes e amigos acabou se tornando um modelo de moralidade: eis, em breve síntese, toda a tragédia contemporânea

A revista Time recém-elegeu como “Atleta do Ano” de 2021 uma ginasta que desistiu de participar das Olimpíadas em nome da manutenção de sua saúde mental. Definitivamente, o medo e o estresse são o novo heroísmo. 

Na verdade, ao longo dos séculos, a covardia tem assumido nomes variados. Este é apenas o mais recente. A extrema-imprensa aplaude, os mimizentos de plantão se regozijam – e, se ainda cabe usar a vetusta figura de linguagem, o velho-menino Jean-Jacques Rousseau certamente anda resmungando e “revirando no túmulo”. Deveria bater palmas, ao ver suas ideias fora-de-ordem ocuparem o centro da cena. Mas o segredo de um sem-noção mimado é mesmo fingir que nunca está satisfeito.

Na Biblioteca de Borges, nas prateleiras dedicadas às origens e fundamentos de toda insanidade moderna, o espaço ocupado pelo “filósofo” Rousseau (ênfase nas aspas) é imenso, mas infinitamente desproporcional à sua contribuição efetiva para os mistérios deste mundo, ou do outro. Na verdade, Jean-Jacques funciona sobretudo como um legítimo contraexemplo: com suas ideias miúdas de que todos os males da Humanidade têm raízes em valores como Razão, Civilização e Propriedade Privada, ele é o incontestável precursor da mentalidade revolucionária da esquerda – que o enaltece como um dos principais baluartes do Iluminismo e do Romantismo. Não há como negar estes tópicos. Difícil é defender que eles sejam bons. 

Rousseau deixou um punhado de obras, com destaque para Do Contrato Social, Da Origem e Fundamentos da Desigualdade entre os Homens e Émile ou Sobre a Educação – mas elas podem perfeitamente ser resumidas numa ideia simplória (“O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”) com uma consequência perigosa (“É preciso criar uma nova sociedade”). Mais um caso da interminável série Aquilo Deu Nisso, a nos legar, não ideias, mas um padrão de comportamento.

Natural da Suíça, país que legou ao Universo pouco mais do que o relógio-cuco e a ideia ordinária de “neutralidade política”, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) encontrava na própria biografia os ingredientes e temperos do seu receituário de lamúrias e “desventuras”: órfão com apenas nove dias (a mãe morreu de infecção pós-parto), foi criado pelo pai, Isaac, de quem precisou se afastar aos dez anos; na adolescência, estudou numa rígida escola religiosa – o que ele computava como um ponto negativo, e não elemento para uma boa formação. 

Em suas Confissões (que estão a anos-luz de distância da sinceridade confessional de um Santo Agostinho) Rousseau se dedica sobretudo a inventar justificativas para seus atos e decisões – quase todos insanos e reprováveis, mas para os quais havia sempre um responsável, que não era ele. Sua opção de vagar pelo mundo, por exemplo, ele a atribui ao fato de ter encontrado os portões de Genebra fechados, certa noite quando voltou mais tarde de um passeio… E não foi diferente, com todo o resto. 

(Outro exemplos: tornou-se amante de uma rica senhora, que sustentou seus estudos de música e filosofia mas, quando ela caiu em desgraça financeira e política, trocou-a por uma companheira mais jovem e mais abonada, com quem fugiu para Paris; teve cinco filhos com a nova amante – mas entregou todos eles para adoção num orfanato.)

Mentiroso contumaz, frequentador habitual dos leitos das esposas de seus benfeitores (de quem falava mal publicamente), Rousseau se dava ao luxo de jurar que, em toda a Europa não havia ninguém melhor do que ele – e, quando enumerava suas altas qualidades morais, derramava lágrimas de comoção. Que tenha se tornado um modelo de moralidade e um dos “Pais da Educação Moderna” é muito mais do que simples ironia ou licença poética: constitui um grave sintoma da patologia moral contemporânea. 

A facilidade com que os “apóstolos do futuro” legitimam as injustiças, a opressão e o genocídio nas sociedades que eles próprios ajudaram a criar, em contraste com sua indignação diante de simples ideias e símbolos abstratos das sociedades que eles se empenham em destruir – tudo isso faz parte do legado de Jean-Jacques Rousseau, que  semeou a ideia de que as palavras machucam muito mais do que, por exemplo, uma guilhotina. A alemã Hannah Arendt acertou na mosca ao dizer que a ambição das ideologias revolucionárias não é – nunca foi! – criar uma sociedade melhor, e sim mudar a natureza humana, transformando as pessoas numa legião de Rousseaus, campeões olímpicos na categoria Cinismo.

Odeio mais as frases ruins do que as más ações

— Jean-Jacques Rosseau, o pai da (i)moralidade moderna

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Brasil Sem Medo - 14 de Dezembro





CRISTIANISMO

👆De joelhos diante de Deus
(por Paulo Briguet)

Apresentador Marcos Mion dá um comovente testemunho de fé para pais e filhos
Chego em casa depois de minhas curtas férias (que ainda voltarei a descrever em duas partes, não me esqueci), ligo o computador e a primeira que imagem que vejo é a de um homem ajoelhado diante de Deus, dentro de uma igreja. Ao lado dele, estão uma mulher e um jovem, filho do casal, ambos também em atitude de oração. Surpreendo-me ao saber que o homem de joelhos é Marcos Mion, um famoso apresentador de TV. E o que está escrito na legenda da foto me surpreende mais ainda:

“É muito importante que um filho veja seu pai ajoelhado perante Deus.

Ajoelhar é uma atitude de fé por excelência.

Para uma criança, seu pai é um símbolo de força, virilidade, segurança, poder – e vê-lo prostrar-se, no maior ato de humildade e entrega que é ficar de joelhos perante Deus, é uma lição incontestável que Deus está acima de seu pai em todos os aspectos.

Um dia nossos filhos entendem que nós somos apenas humanos aprendendo junto com eles, cheios de dúvidas, passíveis de erros (muitos) e sempre assustados com tantas responsabilidades e decisões cruciais para tomar”.

Nessas poucas frases iniciais, Mion exalta a natureza essencial da oração, o valor da humildade e as virtudes de paternidade ― três coisas que têm sido negadas e muitas vezes hostilizadas pelo mundo moderno. Apenas isso, esse nadar contra a corrente hegemônica, já seria louvável e digno de nota. Mas logo em seguida o apresentador vai mais longe:

“Quando o pai e a mãe perdem o posto de super-heróis incontestáveis, detentores de toda sabedoria, e se tornam apenas pessoas comuns, é o momento que o filho começa a procurar outro tipo de liderança.

Muitas vezes é em quem parece questionar o sistema ao qual ele se submeteu tanto tempo e isso, na maioria das vezes, não tem final feliz. Abre-se a porta para más companhias, descompromisso, comportamentos duvidosos e, o pior de tudo, drogas. Que entram como uma forma rápida e fácil do adolescente achar que é dono de seus atos e que, com os efeitos, entendeu a vida, se libertou. Tragédia”.

Em dois parágrafos, ele aborda um dos problemas centrais na vida das famílias ― a transição da infância para a adolescência/juventude ― e os dois fantasmas que assolam a relação entre pais e filhos durante essa fase: o espírito de contestação e as drogas. Com uma coragem inaudita entre as personalidades midiáticas, Mion toca em assunto tabu entre as classes pensantes: a escala de transgressão que começa na contestação da autoridade de familiar e termina com a escravidão do vício.

Todos os pais e todos os filhos terão, em alguma medida, de atravessar o vale das sombras. E nessa hora Mion demonstra estar ciente de quem é o guia mais seguro para a jornada:

“Por isso o que eu faço é deixar claro para meus filhos que quando eles perceberem que tem algo que eu não consigo ou posso resolver, que quando chegar a hora, eles sempre vão ter Deus.

Deus vai resolver tudo que eu não consigo. Deus vai tirar todas as dúvidas e medos que eu não puder. E o mais importante: Ele vai fazer isso pra sempre na vida das minhas crianças, eu estando aqui ou não.

Se houver uma forma, seja qual for, eu vou achar e vou acompanhar a vida dos meus filhos pra sempre, mas se não der, Deus estará lá. Sempre. E eles sabem que este canal está aberto.

Eles sabem que o ‘pai forte, inabalável, que resolve tudo e parece ter todas as respostas” sempre se ajoelhou humildemente perante Deus, ou seja, Jesus Cristo é o caminho. Não existe outro.

Se você é um pai que se preocupa com os seus, dê a eles Jesus Cristo. Pois quando vc não estiver ou não conseguir, seus filhos não vão procurar drogas ou caminhos errados, eles vão procurar Ele! #Fé"

A última lembrança que tenho de Marcos Mion é de um programa que ele apresentava na MTV, há mais de 20 anos (muito engraçado, por sinal). Não sei quais foram os rumos que ele tomou depois. Ignoro suas opções políticas, sua vida pessoal ou suas realizações profissionais. Mas de uma coisa eu sei: ele encontrou o Caminho.

Parabéns, Mion.

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Allan dos Santos
 - 12 de Janeiro




CULTURA / COMUNISMO




👆 Nem tão técnicos assim
(12/01/2022)


Mesmo durante o Estado Novo (1937-1945) os comunistas mantiveram sob a direção de Prestes, oficial do Exército, algumas publicações importantes que dedicavam grande espaço ao problema da cultura nacional. A revista Seiva da Bahia foi uma das primeiras publicações de esquerda criadas após a proibição do Partido Comunista em 1937. Nasceu em 1938 e foi criação dos comunistas João Falcão, Rui Facó, Armênio Guedes, Diógenes Arruda e Jacob Gorender. 

Nela foi publicada a Mensagem à inteligência da América que convocava “todos os intelectuais do continente para união e a confraternização em defesa da cultura e do progresso da humanidade”. Na Bahia existia a secção mais ativa do PC do Brasil na ocasião, a “repressão” havia atingido duramente o partido no Rio, em São Paulo e Pernambuco. A revista foi fechada em 1943, após a publicação de uma entrevista com o general Manoel Rabelo, presidente da Sociedade Amigos da América, inimigo mortal do general direitista Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra de Vargas.

O general Manoel Rebelo colaborou com outros militares COMUNISTAS para o domínio cultural, planejado na década de 1930. Domínio esse que hoje é visível para qualquer pessoa com dois miolos em pleno funcionamento, mas que só floresceu de fato na década de 1960-70, durante o Regime Militar.

Augusto Buonicore, membro do Partido Comunista, relata esse plano em seu texto “Comunistas, Cultura e Intelectuais entre os anos de 1940 e 1950“. Onde inicia citando um texto de 1946 do terrorista Pedro Pomar:


“(...) nosso partido surge na vida de nossa Pátria como a expressão das forças mais jovens da liberdade e da cultura e para as quais dirigem-se a ciência, a literatura e a arte de vanguarda, no constante combate que trava para o progresso e o aperfeiçoamento da civilização”.


Um leitor atento de nosso site sabe que esse foi o período em que a orientação de Moscou era DOMINAR A CULTURA, como bem fez Alan Lomax nos EUA, e José Ramos Tinhorão dez anos depois no Brasil.

Pergunto: quais militares e ocupantes de cargos públicos sabem disso hoje no Brasil? Será que os generais de hoje são como Manoel Rebelo ou como Eurico Gaspar Dutra?

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👆 PALAVRA DE OLAVO DE CARVALHO! (agora não mais pelo FoiceBookistão, mas pelo Telegram)

(TdL: neste fim-de-semana, o professor foi diagnosticado com o vírus chinês. Orem por ele! A boa notícia é que ele já está se recuperando. Verdadeiramente o professor Olavo faz juz ao nome que tem: sobrevivente.)

03/01/2022:
"Na viagem da Flórida para Richmond, notei que nenhum homem usava sapatos, só tênis.  Hoje reparei que na seção "Men's shoes" da Amazon é tudo tênis ou sapatinho infantil com cara de tênis. Se isso não é engenharia social, eu sou o Borroso."

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04/01/2022:
""Deus deu ao homem um cérebro e um pênis, mas não lhe deu sangue suficiente para fazer os dois funcionarem ao mesmo tempo." (George Orwell)"

"Leio livros franceses desde os onze anos, mas quando tento ler o Louis-Ferdinand Céline só me fodo. É linguagem de bêbado, que nem outro bêbado entende."

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👆OPINIÃO DO AUTOR

Onde está o nosso Pierce Egan?
(por Ricardo Pagliaro Thomaz)
14 de Janeiro de 2022

Em 1820, o escritor, jornalista e cronista inglês Pierce Egan escreveu uma série de livros que retratavam a vida e os costumes da sociedade inglesa burlesca. Essa sua obra incluia livros como "Boxiana", "Real Life in London", e uma de suas mais célebres: "Life in London: or, The Day and Night Scenes of Jerry Hawthorn, Esq., and his elegant friend, Corinthian Tom, accompanied by Bob Logic, the Oxonian, in their Rambles and Sprees through the Metropolis". Nome bem grande, né? Porém, preste atenção no que vai sair daí! Preste atenção!

É uma leitura bem leve, e pra quem quiser está a venda na livraria Kindle por 3 dólares, aproximadamente. As analogias, aproximações e ironias do autor são bem divertidas, e usam daquele humor característico de figuras famosas da literatura como Machado de Assis, assim como muitas referências populares da alta cultura. Comecei a ler esse ano porque estava tentando explicar algo para minha esposa durante as últimas semanas, e estou me divertindo bastante, porque você vai lendo e construindo a linha de pensamento na sua cabeça, e daí em um ponto, percebe por exemplo, que as frases usadas para, digamos, o autor descrever uma escalada para o sucesso, como essa daqui:

"Ah, I who can tell how hard it is to climb
 The steep where Fame's proud temple shines afar!"

Em tradução livre (porque não existe tradução em português):

"Ah, eu que posso dizer como é difícil subir
 O degrau onde o templo orgulhoso da Fama brilha ao longe!"

Fazem você começar a imaginar um bêbado tentando subir um lance de escadas, e de repente, você se afoga nas gargalhadas! Isso porque você mais ao longe vê o autor descrevendo a vida noturna burlesca dos personagens da história, e é daí dessas sutilezas que vem o riso. Os níveis de sátira e sarcasmo dessa obra são tão absurdos, que você, um cara do século XX, começa a imaginar na sua cabeça tudo na forma de desenho animado. Imagine só!

Essa obra do escritor inglês fez um enorme, absoluto sucesso em sua época, muito pela razão de que conversava diretamente com seu público-alvo. Com o sucesso retumbante e a falta de direitos autorais de sua época, a obra foi extensivamente transformada em peças de teatro e teve até mesmo outros escritores copiando a estrutura dela, até mesmo no próprio título, trocando somente os nomes. E foi assim que Egan ganhou sua fama como escritor e cronista da sociedade inglesa em um formato satírico e debochado que conquistou o coração das pessoas da época.

Mas eu já me detive o bastante na obra de Egan. Passemos adiante para o que houve depois dela, que é o que importa.

Uma das adaptações de teatro do livro se chamava "Tom and Jerry: Life in London". Peça escrita inclusive pelo próprio Egan se usando dos nomes dos protagonistas, Jerry Hawthorn e Corinthian Tom, para tentar recuperar um pouco o domínio sobre seu próprio trabalho, já que outros o copiavam. Mas vejam só a repercussão disso a seguir.

Conta-se que em 1743, quando a Jamaica ainda estava sob o domínio inglês desde 1655, houve uma carta falando de um motim de soldados americanos, mas dizendo que marines e "Tommy Atkins" se portaram esplendidamente bem. Haviam soldados ingleses que não podiam assinar o nome de alistamento na tropa, portanto, se identificavam somente com esse nome, "Tommy Atkins". Portanto, havia uma horda de Tommies por lá. Talvez seja daí o nome do personagem Corinthian Tom, mas tem mais.

Veio a 1ª Guerra Mundial, 1914. Duas das nações que estavam na trincheira dessa batalha eram os ingleses e os alemães. Se quiserem uma referência de filme, eu recomendo o filme "1917", do diretor Sam Mendes. Durante a primeira guerra, os ingleses eram conhecidos com o apelido de "tommies", pelas razões já descritas, e os alemães apareciam com o apelido de "jerries", suspeita-se que para usarem uma espécie de diminutivo do nome "german", ou alemães. Mas há também toda a carga cultural adquirida com o tempo. Senão pensemos: duas nações brigando na trincheira, soldados que tiveram pais e antepassados influenciados por uma peça de teatro, influenciada por um famoso livro de crônicas satíricas da vida inglesa, contendo DOIS PERSONAGENS chamados TOM e JERRY.


Não demorou muito, após a 1ª guerra mundial, para aparecerem diversos artistas trabalhando esse tema*; dois roteiristas e animadores nos anos 1940, William Hanna e Joseph Barbera, e criarem uma dupla de personagens animais, um gato e um rato, brigando entre si, tendo atitudes insanas e violentas como se estivessem constantemente em guerra, e por serem rivais, receberem como nomes, Tom e Jerry, uma referência mais do que escancarada ao que acabamos de ver nos parágrafos anteriores!

"Tom e Jerry" foi um desenho de um sucesso estrondoso, absoluto, influenciando a mente e o coração de crianças, jovens e adultos por gerações e gerações. Eu assisti o desenho extensivamente quando era criança ao ponto de memorizar cada episódio da animação, e hoje eu assisto esse mesmo desenho com minha filha de cinco anos, e rimos, damos muitas gargalhadas e nos divertimos com as estapafúrdias perseguições do gato e do rato.

Agora percebam o seguinte: uma cultura influenciou uma obra literária de grande sucesso. Uma obra literária influenciou pessoas. Pessoas criaram em cima disso uma outra cultura. Essa cultura influenciou comportamentos ao redor de grupos da sociedade. Esses grupos da sociedade influenciaram a criação de uma obra de animação que influenciou pessoas por gerações e gerações e ainda influencia.

Desta feita, eu não posso me furtar de terminar este artigo com a seguinte pergunta:

Onde está o nosso Pierce Egan?


Nada está na realidade política de um país que não esteja antes na sua literatura.
(Hugo Von Hofmannsthal)

* Em 1932 foi também produzida uma animação dos estúdios Van Beuren chamada "Tom and Jerry", estrelando dois encanadores, um alto (Jerry) e um baixo (Tom), querendo justamente fazer uma alusão mais próxima aos personagens da obra de Egan, porém, não ficou tão conhecida.

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👆 HUMOR (agora com meus comentários!)

E o Giorgio Cappelli na True Outstrips de hoje nos traz um som... titânico... róque nacional diqualidade! Participação do Animal na bateria eee... péra, péra... cadê o Beaker??...
(17/01/2022)


Hoje o arrombado do Gadu Ananauê deve estar firme na militância do DCE da escolinha dele, então, vamos deixar aquele #comunaDeMerda com iPhone de lado e vamos de Tom Cavalcante, hoje com o traíra das trinta moedinhas em uma entrevista exclusiva!...
(12/01/2022)


E nessa, o Sal Conservador, prestou uma grande homenagem àquele velho humor brasileiro que todos sabemos: já morreu faz tempo. Saudoso Batoré! Quanta saudade do humor brasileiro! 😢
(11/01/2022)


Xeu ver... rock'n'roll nacional, Tom Cavalcante, Batoré... é... hoje foi pura nostalgia! E já que me bateu a nostalgia, aí vai mais uma do Afonsinho!
(17/07/2018)

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👆 LEITURA RECOMENDADA

Hoje é dia de Olavo de Carvalho! A recomendação a vocês é ler uma das obras mais importantes e recém-publicadas do filósofo e mestre de todos nós! Esta obra reúne material escrito para a obra da vida do professor, o Seminário de Filosofia, mais comumente conhecido por COF. Isto, caríssimo leitor, é um convite a você para também, quem sabe, ingressar no Curso Online de Filosofia e ficar mais inteligente. O livro contém artigos, textos e aulas transcritas do professor em relação aos assuntos abordados no título, e é de grande importância. Você pode lê-la, ingressar direto no COF (60 reais por mês) e se tornar aluno junto comigo, ou talvez ler simplesmente porque você deseja conhecer o pensamento do professor, mas de uma forma ou de outra, você vai conhecer verdades necessárias e duradouras na obra para sua vida e seu desenvolvimento pessoal. Estudem, pois somente assim vamos conseguir recuperar a alta cultura e melhorar de fato nosso país.

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