Edição LXXXI (Terça Livre, Revista Esmeril 44, opinião e mais)
REVISTA ESMERIL 44
- O discipulado da vulgaridade (Israel Simões)
- Corações em chamas (Leônidas Pellegrini)
Vimos que esse movimento, que também pode ser analisado como uma corrente filosófica-religiosa ou espiritualista de doutrina incerta e confusa, costuma acomodar variados princípios herdados de tradições antigas “aprimoradas” por excentricidades modernas e misturadas com crendices bizarras e superstições descartadas ao longo da História. Ou ainda desdobramentos de interpretações pseudocientíficas do Iluminismo.
Alexandre Costa
Site: www.escritoralexandrecosta.com.br
Canal: www.youtube.com/c/AlexandreCosta
Ainda a Palhaçada Total
Olavo de Carvalho
Jornal do Brasil, 26 de janeiro de 2006
Alguns militares ditos “nacionalistas de direita” andam loucos da vida comigo porque tenho provas da cumplicidade de pelo menos um deles com o Foro de São Paulo. Distribuem mensagens furiosas pela internet , despejam em cima de mim todo o estoque de carimbos difamatórios clássicos da propaganda comunista e ainda acham que são muito diferentes dos comunistas.
No artigo anterior, por engano, elevei um deles de coronel a general. Tremenda injustiça. Deveria tê-lo rebaixado a sargento, se não houvesse otimismo demais em presumir que seria aprovado num teste de português para suboficial. O homem escreve em lulês, fiel à taxa média de dois solecismos por linha. Alguns de seus cúmplices chegam a transcendê-lo nessa performance. Em seguida batem no peito ostentando patriotismo.
O primeiro e mais essencial componente de uma identidade nacional é o idioma – um idioma que esses cavalheiros não conhecem nem respeitam. Patriotismo sem amor à língua pátria é o mesmo que sexo diet.
Os outros dois pilares da honra nacional — a lição é de Charles de Gaulle — são a alta cultura e a religião. Sem o domínio do idioma não há acesso à alta cultura. Aqueles senhores não ouviriam dez minutos de Villa-Lobos nem leriam cinco páginas de Os Sertões sem cair no sono. Não sei se têm religião, mas sem o filtro cultural e lingüistico a religião se dissolve no universal e já não tem nada a ver com a pátria.
O que lhes sobra, e que eles ingenuamente tomam por patriotismo, é um ciumento apego corporativo às riquezas do território. Um cão que faça pipi em cinco árvores tem o mesmo sentimento, um dos mais baixos que se pode imaginar. Em versão humana, não é patriotismo, é mercantilismo. Confundem pátria com patrimônio, e imaginam que é deles. Daí sua obsessão paranóica com a “cobiça internacional”. Não que essa cobiça inexista. Contrabandistas, ladrões, terroristas e narcotraficantes usam e abusam do espaço nacional, transformam-no em casa de mãe Joana. Mas, quando sugerimos que esses patriotas deveriam enfrentá-los, eles fogem esbaforidos, camuflando a covardia em orgulho superior: “Não somos policiais”. Têm razão: não são nem isso. Não são rigorosamente nada.
Esquivando-se a um confronto com os reais inimigos da pátria, exibem extraordinária valentia contra os imaginários. Alardeiam que George W. Bush planeja invadir o Brasil e já cantam vitórias nas futuras Batalhas de Itararé, quando reduzirão a picadinho marines que jamais estarão lá.
Se pelo menos nessa loucura fossem sérios, mereceriam o respeito devido aos doentes mentais. Seriam reencarnações de Policarpo Quaresma, teriam o mérito do ridículo sincero. Mas não chegam a tanto. Se chegassem, tentariam deter a invasão antes que ela se materializasse. O meio para isso é fácil e óbvio. A grande mídia americana e o Partido Democrata odeiam George W. Bush como se fosse a peste. Vivem procurando alguma coisa, qualquer coisa que possam dizer contra ele. Por que aqueles patriotas não vêm aqui e fazem sua denúncia em voz alta? Oficiais da reserva de um grande país latino-americano, revelando planos secretos de invasão ianque, fariam mais sucesso que show da Madonna. Virariam especial da CBS , manchete do Washington Post . Ted Kennedy e Nancy Pelosi lamberiam seus pés de gratidão. Seria o sonhado impeachment , dado de bandeja pela generosidade brasileira. Para os nossos heróis, seria o auge da glória militar segundo Sun-Tzu: destruir o adversário antes do combate.
Ela dispensa apresentações: Madonna, o símbolo feminino da revolução sexual dos anos 80, dona de diversos hits de sucesso da música pop, que lançou moda com seu sutiã de cone e lingeries combinadas com crucifixos, agora resolveu despirocar de vez. Como se não bastasse um transtorno dismórfico para lá de incômodo, abusando dos filtros e harmonizações faciais, a cantora norte-americana virou uma espécie de mentora dos novos artistas que desejam arrebentar a porta do armário.
Britney Spears, Miley Cirus, Lil Nas X e, mais recentemente, Sam Smith, todos parecem ter sido abençoados pela Rainha do Pop antes de saírem por aí mostrando línguas, bundas, genitálias e chifres. A própria conta de Madonna no Instagram adotou uma estética de dark web, exibindo cenas bizarras de festas íntimas, orgias e rituais explicitamente satânicos.
O caso de Smith é o que mais chama a atenção. O cantor britânico apresentou, por anos, um pop com influências do blues e soul, elegante, adulto e um tanto sensível. Passou algum tempo no limbo, assumiu-se gay, depois não-binário e então retornou ao cenário musical, no ano passado. Agora estava gordo, platinado, exibindo os mamilos, com um guarda-roupa de colans brilhantes e sungas fio dental.
Seu primeiro single da nova fase foi Unholy (Profano), um dueto com a cantora trans Kim Petras, onde fala de um marido que larga esposa e os filhos em casa para frequentar um clube de strip. A dupla fez uma apresentação no Grammy para lá de polêmica, com Smith vestido de capeta e os dançarinos emulando demônios. Foi Madonna quem os introduziu no palco.
(O episódio foi tema do artigo As pelúcias do diabo, nesta coluna: https://revistaesmeril.com.br/israel-simoes-as-pelucias-do-diabo/)
Agora Sam e Madonna se juntam no feat VULGAR, um pop eletrônico que me deixou intrigado ao ouvi-lo na semana passada. A voz dos cantores aparece carregada de distorções, sintetizadores, entremeada por sons tribais, uma melodia indiana e muita, muita percussão. A batida martela de modo vibrante sobre uma mesma base harmônica, como um corpo que repete o mesmo movimento várias vezes (trata-se de um recurso sonoro bastante erótico, extensamente explorado na música pop moderna…). O ar sombrio do single faz jus à letra, que intercala palavrões, obscenidades e frases de afirmação do tipo “Speak, bitch, and say our fucking names” (Fala, vadia, e diga a p* dos nossos nomes).
Estamos falando de música que não apenas descreve, mas sensorialmente simula sexo. Literalmente os compassos sequenciam aberturas melódicas, batidas repetidas de acordes menores, um crescente de intensidade sonora até o estouro do clímax, quando explode em sons mais abertos e exultantes. Exatamente os quatro estágios da resposta sexual: excitação, platô, orgasmo e resolução. Inconscientemente, estes recursos sensíveis servem de estímulo a um estado de êxtase, desses que os jovens experimentam em boates e shows em estádios. Eles já foram bastante explorados por Lady Gaga, Beyoncé, Rihanna e a própria Madonna, mas VULGAR parece o exemplo perfeito do que é a produção cultural americana destes tempos: uma apologia ao vazio de uma cópula animalesca.
O que Sam e Madonna nos oferecem é a trilha sonora da dança pela dança de um indivíduo autômato, masturbatório, deus de si mesmo, desamarrado de qualquer orientação moral ou lógica. Em um dos comentários mais curtidos no primeiro vídeo do single divulgado no YouTube, um jovem afirma: “vontade de sair correndo pela rua…música perfeita”. Outro seguidor define o lançamento como “irreverente, raro, caótico”.
Parece que a estética dos nossos dias está menos preocupada com dilemas éticos, políticos ou místicos. Esqueça as letras reflexivas dos Beatles ou as confissões de pecados do Queen, a rebeldia pop contemporânea é sensual e sem drama, como um encontro amoroso que não sabe o nome do parceiro no dia seguinte. Nossos filhos estão sendo atraídos menos por uma agenda de engajamento em pautas sociais do que por uma alienação prazerosa da realidade, doses de alucinação, que vão se esgotando até desembocar na ideação suicida.
Ninguém suporta uma vida orbitando em torno de um oco existencial colorido.
Na geração do TikTok, a revolução se converteu da marcha pelas ruas em dancinhas ininterruptas, como quem gira em círculos até cair tonto, exausto e abobalhado. Nem precisa frequentar uma agremiação universitária: as salas de aula do ensino fundamental já mostram os efeitos destruidores desta arquitetura psíquica minimalista e infinitamente abaixo da condição humana. As crianças e os adolescentes estão exibindo um nível de idiotia que, há poucos anos, seria diagnosticado como retardo mental, graças a músicas como VULGAR e tantas outras feitas sob encomenda para viralizar.
No Brasil, a cantora Anitta é a maior representante deste estilo musical descartável, mas até o sertanejo vem se rendendo à fórmula viciante da composição moderna. E se você pensa estar livre desta influência perniciosa por frequentar uma igreja, não se engane: a música cristã contemporânea também está permeada dos mesmos elementos alucinantes que levaram Sam Smith a migrar de uma personalidade madura aos trejeitos infantilóides de um adolescente sexualmente confuso. Tudo isso sob a justificativa de levar a mensagem ao povo, alcançar as gentes.
É exatamente este o sentido da vulgaridade na vida humana, seja na dimensão artística, política, intelectual ou eclesial: a abdicação dos traços de nobreza e distinção para favorecer as formas democráticas, que priorizam o denominador comum da sensorialidade rasteira até nos fundir à natureza de bichos soltos na selva, devorando-se uns aos outros, disputando território. Como canta a “Madame X” em um dos versos de VULGAR: “Garoto, fique de joelhos, porque sou a Madonna”.
O resultado deste ministério feminista, que por hora batizo de Discipulado da Vulgaridade, é a fabricação de homens livres da religião e escravos de outros homens.
Direitos de imagem: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Madonna_Rebel_Heart_2015_%28cropped%29_-_scripture.jpg.
Baseado nas experiências místicas de Santa Margarida Maria Alacoque
Como fazia sempre às quintas à noite, Irmã Maria dirigiu-se à Capela do Santíssimo e lá se pôs a adorá-Lo. Tinha especial amizade com Jesus havia tempos a pequena monja, e naquelas três horas semanais, sofria com Ele as angústias do Getsêmani. E, como em tantas dessas ocasiões, aquela foi uma noite de “visita”.
Segundos antes de Ele chegar, Irmã Maria já havia sentido Sua aproximação. Seu coração acelerou, como costumava acontecer, mas daquela vez ela sentiu uma emoção nova, era como se seu peito queimasse. Então, ali estava Nosso Senhor, túnica branca e manto vermelho, braços abertos, a sorrir-lhe. Convidada por aquele sorriso, ela pousou sua cabeça em Seu divino peito e, por um longo tempo, pôs-se a sentir as maravilhas de Seu amor, os segredos insondáveis de Seu Sagrado Coração.
O tempo que Irmã Maria passou ali foi indefinido. Horas, minutos ou segundos, a ela lhe parecia que estava na Eternidade. Aquele calor que ali abrasava seu coração, a monja o sentia milhares de vezes mais intenso no peito do Divino Mestre. Em determinado momento, Ele falou-lhe:
– O meu Divino Coração está tão abrasado de amor para com os homens, e, em particular, para contigo, que, já não podendo conter em Si as chamas de Sua ardente caridade, precisa derramá-las por teu meio, e manifestar-se-lhes para os enriquecer de Seus preciosos tesouros, os quais contêm as graças santificantes e as graças salutares indispensáveis para os apartar de um abismo de perdições.
A monja não pôde conter sua surpresa. Embasbacada, respondeu, baixando a cabeça:
– Senhor, por que eu? Por que tal missão, por meio de mim? Eu, Tua tão indigna serva, não sou merecedora!
Ele então a olhou com carinho:
– Escolhi-te a ti, como abismo de indignidade e ignorância, para a realização deste grande desígnio, para que tudo seja feito por mim.
Ela novamente curvou-se, submetendo-se à vontade de Deus, e quando O olhou, viu que Seu Coração estava exposto, a pulsar fora do peito, ardendo numa admirável chama que brilhava mais que a luz do sol, cercado e machucado por espinhos, com uma chaga aberta a sangrar, e, sobre ele, uma cruz. Jesus então pediu à Sua querida filha:
– Dá-me teu coração.
Ela aquiesceu. Ele então retirou-lhe o órgão do peito e o colocou dentro do Seu. Maravilhada, com uma ferida aberta em seu lado, a monja pôde ver seu ínfimo coração a pulsar como um minúsculo átomo, dentro daquela fornalha ardente. Jesus então o devolveu em chamas ao peito da filha amada, e disse:
– Eis aqui, minha dileta esposa, um precioso penhor do meu amor, que no teu peito encerra um pequena centelha das mais vivas chamas dele, para te servir de coração e te consumir até o último momento, e cujo ardor não se extinguirá, nem poderá encontrar senão um pequeno refrigério numa sangria, cujo sangue eu marcarei de tal modo com minha cruz, que essa operação te há de trazer mais humilhação e sofrimento do que alívio. E como sinal de que esta grande graça que acabo de te conceder não é fruto da imaginação, e que é fundamento de todas as coisas que ainda tenho a te conceder, a ferida aberta em teu lado, ainda que esteja fechada, doerá para sempre; e, se até agora não tomaste senão o nome de minha escrava, eu te dou o de discípula dileta do meu Coração.
No Catecismo da Igreja Católica, o amor é definido como “desejar o bem do próximo” (§1766). Essa forma de compreender o amor é complementada pela definição da virtude teológica do amor (ou caridade): “A caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas por Ele mesmo, e ao próximo como a nós mesmos, por amor de Deus” (§1822). A definição de amor dada pela Igreja, que somos obrigados a aceitar como definição e expressão plena e verdadeira de amor, não se entende como uma “afirmação” do pecado e da natureza pecaminosa de alguém. O amor não é definido como a mera aceitação ou inclusão de outros.
De acordo com a doutrina infalível de Cristo, o amor significa amar a Deus e desejar que outros amem a Deus. Portanto, temos de saber algo sobre Deus (que é a Verdade, a Sabedoria e o Amor). Deus é o Autor da Lei Moral, à qual temos de nos conformar — com a ajuda dos sacramentos e dos ensinamentos da Igreja. Deus é também o Bem Supremo, como o Catecismo deixa claro, pois temos de “amar a Deus sobre todas as coisas”. Amar as coisas e deixar Deus de lado, fazendo delas o objeto precioso dos nossos afetos, significa cair no pecado ou — dito de forma mais apropriada — na idolatria. Em seguida, a confusão cria raízes e passa a reinar de forma soberana.
Cristo reitera que Deus é o Bem Supremo e a satisfação dos anseios do nosso coração quando sintetiza toda a Lei no amor a Deus (e ao próximo, embora Deus venha em primeiro lugar). Isso também é revelado por Cristo em linguagem mais hiperbólica quando Ele diz que quem quiser ser seu discípulo deverá abandonar seus pais e irmãos, isto é, se a nossa família é tolerante com o pecado, temos de abandonar essa fossa que nos puxa para o inferno e acolher a nossa família celestial numa peregrinação que nos unirá a Deus.
Hoje, uma parte do problema relacionado ao amor cristão é o implícito universalismo que se espalhou de forma descontrolada em toda a Igreja e na psique cristã. [N.T.: Universalismo é a crença segundo a qual todos os homens se salvarão no final, independentemente do que façam ou deixem de fazer.] A aceitação total e implícita do universalismo ou o desejo esperançoso dele causa danos à compreensão cristã do amor porque não há mais sentido em desejar o bem do próximo se não há nada que as pessoas possam fazer para prejudicar o destino eterno de suas almas. Pois, como diz o Catecismo, amar significa “desejar o bem do próximo”.
Amar o próximo significa desejar que ele ou ela se aproxime de Deus. Naturalmente, isso só pode ter eficácia se existir um inferno eterno e o castigo que aguarda as almas pérfidas e pecaminosas que escolheram outros bens em lugar do Bem Supremo. Se a pessoa desfrutará de Deus de qualquer maneira, não pode haver a obrigação de “desejar o bem do próximo”. Dessa forma, é impossível amar (levando-se em conta qualquer compreensão séria desse termo).
O Catecismo afirma dogmaticamente a existência do inferno (cf. §1033-1037). Embora alguém possa fazer jogos de palavras, como qualquer bom sofista, e dizer que a Igreja jamais condenou alguém oficialmente ao inferno (porque esta não é a missão da Igreja), o peso da Sagrada Escritura e da Tradição não apenas declara a existência do inferno, mas também diz que ele está cheio. São Paulo e São João apresentam uma longa lista de pecados que os cristãos podem cometer e que os podem impedir de entrar no céu. Cristo também diz que muitos se aproximarão dele no dia do Juízo, mas Ele os repelirá. A longa história de comentários e reflexões da Igreja confirma a realidade do inferno e a condenação que está reservada aos maus.
Dada a realidade do pecado e do inferno (algo que os progressistas negam ou tentam ofuscar), o imperativo de amar torna-se ainda mais urgente. Lobos que se passam por católicos oferecem uma falsificação satânica do amor, a qual leva os pecadores para o inferno ao mesmo tempo que os beija e abraça ao longo do caminho, fazendo com que se sintam “amados” no percurso até a dor e a tristeza eternas. De acordo com o Catecismo, isso não é o verdadeiro amor.
Aqueles que se posicionam contra o amor falsificado que domina a mente moderna e a teologia contemporânea são os que realmente amam o próximo. Somos aqueles que não desejam ver almas devastadas, em prantos, feridas e que clamam por orientação sendo levadas, por uma crueldade insensível, para a condenação. Porém, é justamente isso o que os lobos estão fazendo — em nome do “amor”, levam cruelmente à condenação as almas que precisam ser curadas.
Tradicionalmente, a Igreja Católica entende que Satanás é o grande corruptor, mas, como não é Deus, não pode criar, curar nem salvar. Em vez disso, ele só pode deformar.
Satanás faz uma paródia de Deus e corrompe o que Ele criou; corrompe, portanto, a forma como entendemos o amor. Os que afirmam que o amor é tudo, exceto desejar o bem do próximo, não passam de membros conscientes ou inconscientes da tropa de choque de Satanás. Quem diz, ao contrário, que amor significa levar o pecador a Deus pelo bem dele (assim como Cristo levou pecadores a Deus por meio da determinação: “Não pequeis mais”), esses são os verdadeiros expoentes do amor.
Num mundo saturado com a linguagem do amor, a verdade sagrada deve peneirar a erva daninha nesta época terrível. O fracasso nesse campo levaria ao triunfo da crueldade e à condenação de muitos. A maioria das pessoas que falam sobre amor não sabem o que ele é. Se a Igreja deve ser um hospital de campanha, ela também deve voltar à realidade do que é o verdadeiro amor, o verdadeiro remédio da alma, pois nenhuma cura fica completa sem a santificação da alma e a sua união com Deus por meio de Cristo. Sim, devemos cuidar dos pecadores, mas também temos de desejar que eles deixem o pecado; devemos conduzi-los a Deus para que possam receber a verdadeira cura e o amor de que necessitam.
__________________________
Falso amor à justiça: Brasil-Mentira I
(Publicado originalmente no Diário do Comércio, em 9 de Abril de 2009, disponível no site do professor)
Este é o primeiro de uma série de cinco artigos com o tema Brasil-Mentira.
Nação nenhuma tem o monopólio da imoralidade, mas algumas foram dotadas com uma quota extra que as torna exemplos de escolha numa investigação de filosofia moral. Ao incluir o Brasil entre elas, não tenho em vista as famosas taxas nominais de corrupção, onde, ao contrário, as comparações com outros países têm até um efeito consolador sobre as almas dos nossos compatriotas. Refiro-me a fenômenos de outra ordem, mais difíceis embora não impossíveis de quantificar. Já observei mais de uma vez que a nossa literatura de ficção, escassa em personagens de grandeza excepcional, santos, heróis ou monstros, é rica em figuras de minúsculos farsantes, mentirosos, fingidores compulsivos e semiloucos de vários matizes, que se abrigam numa esfera de irrealidade, fugindo da própria consciência. Com uma ou duas exceções, os personagens do maior e mais significativo dos nossos romancistas são todos assim. Também o são os de Lima Barreto , Raul Pompéia, Marques Rebelo, Annibal M. Machado e tantos outros, sendo até covardia lembrar a figura de Macunaíma, na qual os brasileiros se reconhecem tão facilmente, e cuja veracidade sociológica é atestada por um milhão de piadas populares que mostram os nossos conterrâneos em traços bem parecidos com os dele.
Uma vaga consciência de que há algo de errado com os padrões de moralidade da nossa gente perpassa as conversas familiares, as crônicas de jornal, os espetáculos de cinema e teatro, as novelas de TV, etc., e alimenta algumas discussões de mais alto nível, como aquelas que aparecem em livros de Paulo Prado, Mário Vieira de Melo, J. O. de Meira Penna, Roberto da Matta, Ângelo Monteiro. O que aí se destaca não é a propensão à criminalidade propriamente dita, mas uma tendência quase incoercível a preferir antes o fingimento do que a sinceridade, antes a aparência artificialmente construída do que a realidade conhecida. É como se o brasileiro não acertasse jamais falar com a sua própria voz, sentindo-se antes compelido, por um intenso desejo de aprovação – também ele camuflado –, a imitar o tom das conveniências momentâneas.
Desde os tempos de Lima Barreto, não se atenuou nem um pouco o vício nacional de sacrificar a ambições mesquinhas, se não à busca obsessiva de segurança contra perigos imaginários, os impulsos mais altos do espírito humano, condenando-os, não raro, como tentações pecaminosas, provas de vaidade, cobiça, pedantismo ou desprezo pelos semelhantes. As vocações intelectuais e artísticas são aí especialmente sacrificadas, não só quando se vêem esmagadas pela pressão e pela chacota do ambiente, mas até mesmo quando se realizam, porque o fazem num sentido oportunístico e farsesco, o único possível nessas condições, que as transforma em caricaturas de si mesmas.
Nas últimas décadas, porém, essa deformidade moral crônica foi se acentuando de tal modo que começa a assumir as feições de uma sociopatia alarmante, disseminada sobretudo entre as classes cultas com mais acesso aos meios de difusão. As opiniões dessa gente vão se afastando dia a dia de todo padrão universal de veracidade e moralidade, ao ponto de constituirem já um sistema ético peculiar, válido só no território nacional, fechado e hostil às exigências da consciência humana em geral, inacessível a toda cobrança superior de idoneidade e racionalidade.
O mais característico desse novo sistema é que seus criadores e representantes não têm a mais mínima idéia de quanto suas falas, atitudes e julgamentos são imorais, maliciosos e alheios àquele mínimo de franqueza que uma alma deve ter ao falar consigo mesma para que, quando fala com os outros, se reconheça nela a voz de uma “consciência”, um espírito alerta, uma presença viva. Falar numa linguagem de estereótipos, com um automatismo sufocante, parece que se tornou obrigatório.
O fator que mais contribuiu para isso foi decerto a tomada dos meios de comunicação, do sistema educacional, das instituições de cultura e dos altos postos da política por uma geração marcada pelo sentimento de vitimização, acompanhado, inevitavelmente, da crença na sua bondade intrínseca e na recusa completa, radical, absoluta, de encarar seus supostos inimigos como sujeitos humanos portadores de uma consciência moral, capazes de dar razão de seus atos e merecedores de um confronto justo. O sentimento de impecância essencial, que está hoje disseminado em todas as classes falantes deste país, predispõe a um discurso de acusação indignada que encobre os mais óbvios pecados próprios sob a impressão – artificiosamente reiterada ao ponto de tornar-se uma carapaça invulnerável – de estar sempre discursando em nome de valores sublimes sufocados pelo mundo mau, quando, na verdade, o que torna o mundo mau é acima de tudo o número excessivo de pessoas imbuídas desse mesmo sentimento.
Um dos sintomas mais alarmantes dessa patologia é a fúria justiceira com que as autoridades e seus acólitos, os “formadores de opinião”, investem contra delitos menores, sobretudo de ordem financeira, ao mesmo tempo que toleram, como detalhe irrisório, a taxa anual de 50 mil homicídios que faz do Brasil a nação mais cruel e assassina do mundo. Quando um magistrado exclama que 94 anos de cadeia são punição branda para a sonegação fiscal e delitos correlatos, ao mesmo tempo que assassinos em série, seqüestradores e traficantes de drogas são protegidos pela leniência das leis e ainda celebrados como vítimas da sociedade má, está claro que uma nova classe falante subiu ao primeiro plano da cena pública, intoxicada de uma tal dose de rancor invejoso contra a “burguesia”, que não hesita em conceber traficantes multibilionários como pobres vítimas do capitalismo, fazendo deles aliados na epopéia revolucionária da “justiça social” que pretende implantar.
Comentários
Postar um comentário