Edição LXXVII (Terça Livre, Revista Esmeril 42 e mais)
REVISTA ESMERIL 42
- Design Inteligente (Vitor Marcolin)
- À direita (Leônidas Pellegrini)
Alexandre Costa
Site: www.escritoralexandrecosta.com.br
Canal: www.youtube.com/c/AlexandreCosta
Sem uma visão mais ampla do mundo e limitado pela própria experiência de vida que nunca é suficiente para enfrentar os desafios que a vida nos dá, o brasileiro médio alimentou a cabecinha oca com TV Globo e uma meia dúzia de retóricas baratas do estilo Leandro Karnal.
Opina para justificar e fortalecer a autoimagem jurando que isso é consumo de conhecimento, mas não faz outra coisa que fortalecer o egoísmo e a vaidade de sua própria ignorância. É incapaz de saborear a alegria de aprender. Tudo sabe e raramente confessa o importante “não sei”. É atrofiado mentalmente achando-se o Pelé da sabedoria.
Diante de uma leitura, seja para ampliar o conhecimento de alguma coisa ou para ampliar o conhecimento em si, o consumidor de sabedoria não pode buscar a si próprio. Precisa ler seja quem for para aprender.
Só não entende a importância da literatura quem baseia a própria vida em clichês de filmes e seriados de TV. Isso precisa mudar.
A sensação de que o mundo todo está no mesmo titanic cultural é uma farsa. Há pessoas sérias nos países desenvolvidos. Não pense que a diferença entre Zimbábue e Suíça é a neve. Se todo o dinheiro suíço fosse despejado no Zimbábue, em poucos anos o país voltaria ao estado de miséria.
Se por um lado é verdade que aberrações existem em todos os países, também é verdade que a diminuição das pessoas culturalmente elevadas é a via que pavimenta a mentalidade revolucionária. Onde há tiranos e revolucionários, há uma horda de pessoas de espírito mesquinho.
Moraes, Temer, Dirceu e Lula só existem pois eles possuem admiradores. Não importa se esses admiradores são beneficiados pela censura, eles são admiradores. É a quantidade de canalha por metro quadrado que nós precisamos conter.
Precisamos de mais brasileiros com ambição por conhecimento, e conhecimento profundo. Precisamos juntar os brasileiros que têm ambição por sabedoria. Depende de nós.
Sarrafo grosso no lombo dos oponentes — enquanto ninguém está olhando
As sumidades científicas dos nossos dias dirigem, sem nenhum constrangimento, olhares fulminantes de desprezo àqueles que ousam dizer-se contrários à narrativa consagrada. Mas não só. Por via da pressão psicológica, da chantagem e, em alguns casos, da perseguição pura e simples, os darwinistas calam os seus oponentes numa desavergonhada demonstração de autoritarismo. O que houve com o debate “democrático” de ideias?
É engraçado: pregam a “democracia” no âmbito das discussões, mas, tão logo têm a oportunidade – quando nenhum potencial delator está olhando –, descem o sarrafo nos oponentes. Tudo, evidentemente, em nome da idoneidade moral dos homens de razão; tudo em nome da manutenção da honestidade intelectual dos respeitáveis cientistas. Quem perde é o público, as pessoas comuns que não dispõem dos meios – e da paciência — para investigar o funcionamento da realidade material e, ipso facto, são obrigadas a seguir os ensinamentos dos “profissionais da área”.
Se as pessoas comuns tivessem acesso a um ambiente de discussão verdadeiramente livre e equilibrado, no qual os debatedores tivessem não outro interesse senão a busca pela verdade, as coisas seriam diferentes. Positivamente diferentes. Mas não. Narrativas como a do Design Inteligente são enxotadas da mesa de debates como se fossem ratazanas intrusas que se pusessem a caminhar sobre a mesa do jantar. Quanta covardia!
Mas perceba, leitor, que a vantagem objetiva desta teoria é que ela apresenta para o homem comum uma interpretação que casa perfeitamente com o senso comum. Não só. O Design Inteligente está perfeitamente de acordo com a dimensão religiosa, transcendente da vida. É, portanto, uma visão não apenas mais abrangente e completa da existência, mas mais verdadeira também; ela abarca, numa única narrativa, a integralidade do indivíduo humano. O homem comum não tem mais aquela sensação de estar sendo enganado, ludibriado pelos entendedores cuja compreensão da vida não vai além da sua dimensão meramente material.
Do nada, nada procede.
Inspirado na história de São Dimas, o bom ladrão
É claro, as feridas do látego nas costas, grudando e desgrudando do madeiro, os insetos pousando sobre aquelas chagas abertas, as dores musculares em todo o corpo, cada vez mais intensas, os pulmões que iam se enchendo de líquido e a cada vez mais insuportável falta de ar o atrapalhavam (isso sem falar nas reclamações ininterruptas de seu companheiro à esquerda), e ele precisava começar de novo, e de novo, a cada vez que as memórias se atrapalhavam. Mas a cada recomeço sua concentração parecia melhorar, e os detalhes no filme que se projetava em sua mente iam ficando mais nítidos, com novas cenas esquecidas, fatos para os quais ele havia dado pouca importância no decorrer da vida e que agora pareciam recobrir-se de nova luz.
Uma dessas lembranças remetia à sua primeira infância, e era a que mais se imprimia em seu pensamento. Acontecera quando ele ainda nem engatinhava, em uma estrada incerta em sua memória. Sua família viajava para algum lugar distante, no Oriente, e cruzara com outra que tomava caminho parecido. Havia na outra família um menino mais ou menos da mesma idade que a sua, pouca coisa mais novo, e enquanto as duas mães conversavam, ele e o outro pequeno haviam travado contato. O outro bebê o havia tocado de leve com sua pequenina mão, e aquilo causou-lhe uma alegria indescritível. Em sua linguagem de bebê, ele começou a gargalhar, e o outro o acompanhou, causando enorme deleite nas duas mães e em outros passantes aquelas gargalhadas gostosas dos bebezinhos. E então cada família seguiu seu caminho, e o pequeno Dimas rumaria para as trilhas perversas que o fariam chegar até ali, naquela cruz.
A lembrança daquele seu primeiro amigo ficaria amortecida, quase esquecida, até aquele momento, quando voltava cada vez mais viva. Dimas ia lembrando, inclusive, de cada detalhe do rosto daquele bebê, e sobretudo de seu sorriso, que o fazia também sorrir apesar das dores excruciantes. Por que lembrava-se tanto daquele fato, e em especial daquele sorriso? Não sabia, mas gostava, porque era o único alívio de que dispunha, e se apegava a ele.
Estava em um daqueles momentos em que as lembranças se atrapalhavam, e já tentando reordenar seus pensamentos, quando foi interrompido por alaridos que vinham da estrada. Um novo condenado vinha carregando seu madeiro e, fato estranho, acompanhado de uma multidão que vinha com choros e lamentos. Quando o prisioneiro se aproximou, Dimas espantou-se com seu estado: ele usava um manto vermelho, vinha com feriadas cruentas por todo o corpo, completamente ensanguentado, o rosto desfigurado, e com uma coroa de espinhos cravada em sua cabeça. Ficou pensando que mal teria feito aquele homem para tamanho rigor em sua punição, enquanto observava os que o acompanhavam mais de perto. Um jovem muito triste, e algumas mulheres, uma das quais parecia ser sua mãe, desfeita em prantos. Teve pena da mulher, sentiu seu coração pequeno, oprimido, ao vê-la naquele estado, e também por lembrar das tristezas que dera para sua própria mãe, morta havia pouco, desgostosa pelo filho tão degenerado e perdido. Também se apiedou do condenado, que agora tinha suas mãos e seus pés perfurados por enormes pregos. Até mesmo o tagarela Gestas emudecera enquanto observava aquela crucifixão especialmente violenta. E foi enquanto erguiam a cruz do novo companheiro que, a um grito de angústia daquela mulher que sofria tanto, clamando o nome do filho, que os dois malfeitores descobriam enfim que era o desfigurado: Jesus.
Ambos já haviam escutado as muitas histórias que se contavam sobre um tal pregador nazareno que fazia muitos milagres, e que, diziam, era o enviado de Deus e Seu próprio Filho encarnado, mas nunca o tinham visto. Gestas não dava importância às histórias, para ele devia ser mais um de tantos magos charlatães que já conhecera, alguns aos quais já se associara mais de uma vez. Mas Dimas escutava todas as histórias com espanto e reverência, e em seu coração sentia mesmo uma grande vontade de um dia conhecer o tal nazareno. Pois bem, agora Ele estava ali ao seu lado, bem no meio entre ele e Gestas, que voltara a reclamar, xingar e blasfemar, urrando de dor a cada xingamento ou blasfêmia. Dimas, por sua vez, guardava o mais profundo silêncio, esgotado de dor e cansaço, olhando com o rabo do olho aquele homem que, ele sabia, era santo e não merecia estar ali. Mas foi então que, quando o encarniçado malfeitor da esquerda, já exausto, sentiu que suas forças chegavam ao fim, resolveu escarnecer de Jesus, perguntando-lhe em tom de troça e cheio de ódio, por que afinal, sendo Ele o Messias, não salvava si próprio, o silencioso Dimas perdeu a paciência e bradou:
– Cala-te, homem! Cala-te já e de uma vez por todas! Não temes a Deus nunca, nem na hora de teu maior suplício? Nós recebemos o que merecíamos, porque somos maus e covardes, perversos, mas este ao nosso lado nada fez de mal! Cala-te!
E, voltando-se para Jesus, disse:
– Senhor, lembra-te de mim quando entrares no Teu Reino!
E Jesus respondeu-lhe:
– Em verdade te digo: hoje mesmo estarás comigo no Paraíso.
Dante foi um ávido discípulo do Doutor Angélico, Santo Tomás de Aquino, o maior de todos os teólogos e filósofos católicos. Não surpreende, portanto, que a presença teológica e filosófica de Santo Tomás anime o poema do começo ao fim.
O poema é narrado em primeira pessoa pelo próprio Dante, que aparece, por assim dizer, como personagem de sua própria obra imaginativa. Ela serve como um memento mori, um lembrete da morte, levando o poeta e seus leitores a contemplar os Novíssimos: morte, juízo, Céu e Inferno.
A Comédia começa, simbolicamente, na Quinta-feira Santa, noite em que Cristo sofreu a agonia no Horto, com o poeta preso em um bosque escuro, no meio do que hoje se pode chamar de crise da meia-idade. Ele não consegue escapar por causa de sua escravidão a hábitos pecaminosos e é resgatado pelo fantasma de Virgílio, enviado por intercessão da Santíssima Virgem, de Santa Luzia (padroeira dos cegos) e de sua querida Beatriz. Num sentido importante, Beatriz, a mulher que Dante amou e cuja morte precoce o devastou, é o teste espiritual decisivo através do qual se pode medir o progresso de Dante. Sua ascensão espiritual é acompanhada pela purificação de seu amor a ela.
Virgílio leva Dante às profundezas do Inferno na manhã da Sexta-feira Santa, permitindo-lhe ver as terríveis consequências do pecado não arrependido. À medida que descem cada vez mais fundo, passando pelos círculos do Inferno em que são punidos cada um dos sete pecados capitais, Dante ganha um conhecimento mais profundo do mal que é o pecado, terminando finalmente no próprio poço do Inferno, na presença de Satanás em pessoa, que está miseravelmente preso num mar de gelo, voraz e insaciavelmente faminto, devorando por toda a eternidade as almas condenadas dos piores dos soberbos traidores. Simbolicamente, Dante coloca Satã no centro da Terra, o mais “baixo” que alguém pode cair, lembrando-nos talvez da piada de Chesterton de que os anjos podem voar porque não se levam a sério, enquanto o diabo cai por força da própria gravidade.
Tendo atingido o fundo do poço, Virgílio e Dante sobem em direção à luz distante, emergindo no sopé do Monte Purgatório na manhã do Domingo de Páscoa. Como o próprio Senhor e por seu poder, eles ressuscitam dos mortos para a terra dos vivos.
Dante lembra-nos que o Purgatório é a antecâmara do Céu, o lugar de purificação dos já salvos, colocando na sua entrada o portão de São Pedro. Guardado por um anjo — não por São Pedro, que está com o Senhor no Paraíso —, o portão é acessado através de três degraus ascendentes. O primeiro é feito de mármore branco, polido com tal brilho que Dante pode ver nele seu próprio reflexo, significando a confissão. O segundo é preto e rachado tanto no sentido longitudinal quanto no transversal, fazendo as rachaduras se cruzarem e formarem uma cruz, que significa a contrição. O terceiro é vermelho como sangue, significando a satisfação.
O simbolismo continua quando o anjo faz a marca de sete Ps na fronte de Dante, significando os sete pecados capitais (o P vem de peccatum, “pecado” em latim). Cada um desses Ps é removido à medida que Dante sobe pelas várias partes da montanha em que são expurgados cada um dos sete pecados capitais. Finalmente, no cume do Monte Purgatório, Dante se vê no paraíso terrestre, o Éden pré-lapsário, o lugar da inocência primordial em que não há mancha de pecado. É aqui que Dante finalmente encontra Beatriz, e é aqui que Virgílio se despede, sendo incapaz de levar Dante ao Paraíso.
Beatriz conduz Dante pelos céus, simbolizados pelos planetas e as estrelas, onde ele encontra muitos santos. Santo Tomás de Aquino surge como porta-voz dos sábios, cantando louvores a São Francisco e à sua Senhora Pobreza, e São Boaventura se apresenta para louvar São Domingos. Assim, fazendo um dominicano louvar São Francisco, e um franciscano louvar São Domingos, Dante despreza delicadamente as tensões de sua época entre as Ordens dominicana e franciscana. No Céu — ele está nos dizendo —, todas essas diferenças mundanas serão transfiguradas pelo amor perfeito.
Subindo cada vez mais, Dante encontra os Apóstolos e é examinado por São Pedro na virtude da fé, por São Tiago na virtude da esperança e por São João na virtude do amor. Seu amor por Beatriz é purificado numa consumação celestial, com um amando o outro ao mesmo tempo que são consumidos mutuamente no amor de Deus. Indo em direção ao seu clímax celestial, Dante finalmente contempla a beleza da Santíssima Virgem e é transportado pela oração de louvor que São Bernardo faz a ela. O êxtase do poeta é levado à plenitude na própria visão beatífica, brilhando em esplendor trino e encarnado, culminando nos versos finais do poema em tributo ao amor que move as estrelas.
Maurice Baring, um dos homens mais cultos do século passado, resumiu assim o brilho da conclusão extática que Dante deu à Divina Comédia:
Escalando os círculos do Paraíso, estamos conscientes o tempo todo de uma ascensão não só na qualidade da substância, mas também na da forma. É um longo e perpétuo crescendo, aumentando em beleza até a consumação final na última linha. Alguém uma vez definiu um artista... como alguém que sabe como arrematar as coisas. Se esta definição for verdadeira — e eu penso que é —, então Dante foi o maior artista que já existiu. Seu canto final é o melhor, porque se relaciona com o começo ao mesmo tempo que o completa.
Ecoando Baring, T. S. Eliot comentou que admirava tanto o brilho de Dante que sentia não haver nada a fazer em sua presença senão apontar para ele e permanecer em silêncio. Assim o maior poeta do século XX presta homenagem ao maior poeta de todos os tempos. Nada mais precisa ser dito.
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