Edição LXXVII (Terça Livre, Revista Esmeril 42 e mais)

Tempo de Leitura LXXVII

(Opinião, artigos e cultura para pessoas livres)


Resumo semanal de conteúdo com artigos selecionados, de foco nas áreas majoritariamente cultural e comportamental, publicados na Revista Esmeril e outras publicações de outras fontes à minha escolha. Nenhum texto aqui pertence a mim (exceto onde menciono), todos são de autoria dos citados abaixo, porém, tudo que eu postar aqui reflete naturalmente a minha opinião pessoal sobre o mundo.


ACOMPANHE
    


ANTES DE MAIS NADA, ESSA É A BANDEIRA QUE EU DEFENDO:
ESSE É O PAÍS QUE EU QUERO!

REVISTA ESMERIL 42

Design Inteligente (Vitor Marcolin)

À direita (Leônidas Pellegrini)





Onde quer ir primeiro?



LEITURA RECOMENDADA


Minhas redes:
    


27 de Março de 2023
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👆 MEMÓRIA: REVISTA TERÇA LIVRE
(matérias de edições antigas da revista que ainda são atuais)


Hoje voltaremos no tempo para a edição 46 da Revista Terça Livre, de 26 de Maio de 2020.

O novo site do Terça Livre está de volta, e com ele, todos os cursos e todas as edições da Revista Terça Livre desde o seu início. acessem:
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Escolham um plano e tenham acesso a todo o conteúdo. Os valores estão em dólares.



COMPORTAMENTO


👆 TEORIA DA CONSPIRAÇÃO OU REVELAÇÃO? – PARTE 5
(por Alexandre Costa)


Dentre as múltiplas capacidades humanas, podemos destacar algumas que se sobrepõem às outras devido ao seu aspecto unificador e estruturante, e que permitem a união e ordenação de todas as características humanas. Ao mesmo tempo em que as eleva a um patamar superior, formando o conjunto de sentidos coerente e dando significado à própria existência. São as chamadas virtudes.

No artigo anterior, vimos como o ocultismo trabalha na corrosão dos princípios cristãos e na criação de um ambiente anticristão com o intuito de substituir gradualmente os paradigmas atuais para facilitar a implantação de valores adequados à nova civilização que pretendem estabelecer. Agora veremos que ele também funciona como um enfraquecedor das virtudes.

Considerando o ocultismo como toda forma de mística ou pseudoespiritualismo que se contrapõe à essência das religiões tradicionais, podemos afirmar sem muita chance de errar que esse elemento desagregador que se disfarça e se camufla de incontáveis maneiras quase sempre está na raiz dos ataques às virtudes humanas.

Seja de forma aberta, como costuma acontecer com os elementos dispersos e até mesmo incoerentes da Nova Era, seja na clandestinidade das crenças mais obscuras, não é difícil perceber que, por trás das iniciativas que visam a enfraquecer ou subjugar as capacidades virtuosas, sempre existe um aspecto de falso espiritualismo alimentando esse processo.

Como as virtudes humanas são as ferramentas mais poderosas na luta cotidiana contra os vícios e fraquezas dos homens e que, portanto, correspondem ao mais perfeito instrumento contra os instintos animalescos que carregamos em nossa constituição, destruir, enfraquecer ou distorcer esse conjunto de “armas” que dispomos contra nossa porção “selvagem” passa a ser um objetivo estratégico muito importante no arsenal do nosso inimigo.

Os pecados, as fraquezas e os vícios que estão presentes na vida de todas as pessoas só podem ser vencidos quando as virtudes estão fortalecidas, atentas e ativas. E a formação de uma personalidade autêntica e espontânea depende da coesão e da plena consciência deste “escudo”. Uma personalidade frágil ou dispersa costuma ser alvo fácil para manipulações de todo tipo, principalmente por aquelas que se utilizam de apelos à moral ou aos princípios de uma falsa ordem religiosa ou espiritual.

Para que possamos combater ou pelo menos resistir às tendências errôneas que nos afligem, Deus nos brindou com virtudes específicas e poderosas. Mas que apesar de inerentes à nossa essência, precisam ser constantemente treinadas e aplicadas, a fim de que não sejam esquecidas ou fragilizadas, da mesma forma que um músculo não utilizado pode atrofiar.

Nascemos com várias tendências ao erro. E são infinitas as
possibilidades de cair em algum deles. Durante toda nossa vida, em cada segundo dela, somos tentados a errar de incontáveis maneiras. Mas como Deus é bom e quer sempre o nosso bem, Ele nos brindou com virtudes adequadas a cada necessidade.

Os Sete Pecados Capitais funcionam como um resumo de todos os nossos erros. Bem interpretados, eles compõem uma espécie de catálogo de todas as possibilidades de errar que enfrentaremos ao longo da nossa existência.

Gula, Luxúria, Avareza, Inveja, Preguiça, Ira e Vaidade. Decupando cada um desses inimigos identificaremos todos os obstáculos que encontraremos em nosso caminho, todos os empecilhos na busca da criação de uma personalidade coesa e pronta para o desafio da vida, com motivação, meio e finalidade adequadas aos objetivos do Criador.

Como forma de combater cada um desses sete, recebemos uma virtude específica, que quando bem aplicada funciona como uma arma poderosa. Para a gula, a Temperança; para a luxúria, a Castidade; para a avareza, a Caridade; para a inveja, a Solidariedade; para a preguiça, a Disponibilidade; para a ira, a Paciência; e para a vaidade, a Humildade.

No próximo artigo desta série veremos como o ocultismo trabalha para corroer cada uma destas virtudes com o objetivo de desestabilizar a nossa personalidade, facilitar a manipulação das mentalidades e transformar a nossa essência de forma a criar um “novo homem”, perfeitamente adequado a essa nova civilização que estão tentando implantar.


Alexandre Costa

Site: www.escritoralexandrecosta.com.br 

Canal: www.youtube.com/c/AlexandreCosta


Autor de “Introdução à Nova Ordem Mundial”, “Bem-vindo ao Hospício”, “O Brasil e a Nova Ordem Mundial”, “Fazendo Livros” e “O Novato”.

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Terça Livre via Substack - 21 de Março de 2023









COMPORTAMENTO
















👆 Ambição por conhecimento

(por Allan dos Santos - 21/03/23)

Se o brasileiro fosse comparado em termos de nutrição, o leitor médio é um desnutrido magrelo que não sabe como engordar. Consome lixo e defeca um lixo ainda pior quando opina.

Não consome livros e quando lê é sempre uma leitura de péssima qualidade. Desconhece os bons escritores brasileiros e não sabe mencionar qualquer valor nutricional em Camões, Shakespeare, Dostoiévski etc.

Sem uma visão mais ampla do mundo e limitado pela própria experiência de vida que nunca é suficiente para enfrentar os desafios que a vida nos dá, o brasileiro médio alimentou a cabecinha oca com TV Globo e uma meia dúzia de retóricas baratas do estilo Leandro Karnal.


Opina para justificar e fortalecer a autoimagem jurando que isso é consumo de conhecimento, mas não faz  outra coisa que fortalecer o egoísmo e a vaidade de sua própria ignorância. É incapaz de saborear a alegria de aprender. Tudo sabe e raramente confessa o importante “não sei”. É atrofiado mentalmente achando-se o Pelé da sabedoria.


Diante de uma leitura, seja para ampliar o conhecimento de alguma coisa ou para ampliar o conhecimento em si, o consumidor de sabedoria não pode buscar a si próprio. Precisa ler seja quem for para aprender.


Só não entende a importância da literatura quem baseia a própria vida em clichês de filmes e seriados de TV. Isso precisa mudar.


A sensação de que o mundo todo está no mesmo titanic cultural é uma farsa. Há pessoas sérias nos países desenvolvidos. Não pense que a diferença entre Zimbábue e Suíça é a neve. Se todo o dinheiro suíço fosse despejado no Zimbábue, em poucos anos o país voltaria ao estado de miséria.


Se por um lado é verdade que aberrações existem em todos os países, também é verdade que a diminuição das pessoas culturalmente elevadas é a via que pavimenta a mentalidade revolucionária. Onde há tiranos e revolucionários, há uma horda de pessoas de espírito mesquinho.


Moraes, Temer, Dirceu e Lula só existem pois eles possuem admiradores. Não importa se esses admiradores são beneficiados pela censura, eles são admiradores. É a quantidade de canalha por metro quadrado que nós precisamos conter.


Precisamos de mais brasileiros com ambição por conhecimento, e conhecimento profundo. Precisamos juntar os brasileiros que têm ambição por sabedoria. Depende de nós.


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REVISTA ESMERIL - Ed. 42, de 16/03/2023 (Uma publicação cultural digital e mensal de Bruna Torlay. Assinar a revista


COLUNAS SEMANAIS

👆 Design Inteligente
(por Vitor Marcolin - 23/03/2023)

Sarrafo grosso no lombo dos oponentes — enquanto ninguém está olhando 


Saiba o leitor que existe uma alternativa à teoria da evolução: o Design Inteligente. Trata-se de uma interpretação muito mais elegante sobre o mistério da vida do que a velha e decrépita narrativa do “somos frutos do acaso e da necessidade”. A narrativa darwinista é tão brega quanto a retórica socialista. Pior. É arrogante. É autoritária. Vide a proposta do darwinismo social. Mas há uma faceta engraçada desta discussão, engraçada porque incoerente. 

As sumidades científicas dos nossos dias dirigem, sem nenhum constrangimento, olhares fulminantes de desprezo àqueles que ousam dizer-se contrários à narrativa consagrada. Mas não só. Por via da pressão psicológica, da chantagem e, em alguns casos, da perseguição pura e simples, os darwinistas calam os seus oponentes numa desavergonhada demonstração de autoritarismo. O que houve com o debate “democrático” de ideias? 

É engraçado: pregam a “democracia” no âmbito das discussões, mas, tão logo têm a oportunidade – quando nenhum potencial delator está olhando –, descem o sarrafo nos oponentes. Tudo, evidentemente, em nome da idoneidade moral dos homens de razão; tudo em nome da manutenção da honestidade intelectual dos respeitáveis cientistas. Quem perde é o público, as pessoas comuns que não dispõem dos meios – e da paciência — para investigar o funcionamento da realidade material e, ipso facto, são obrigadas a seguir os ensinamentos dos “profissionais da área”.  

Se as pessoas comuns tivessem acesso a um ambiente de discussão verdadeiramente livre e equilibrado, no qual os debatedores tivessem não outro interesse senão a busca pela verdade, as coisas seriam diferentes. Positivamente diferentes. Mas não. Narrativas como a do Design Inteligente são enxotadas da mesa de debates como se fossem ratazanas intrusas que se pusessem a caminhar sobre a mesa do jantar. Quanta covardia!  

Mas perceba, leitor, que a vantagem objetiva desta teoria é que ela apresenta para o homem comum uma interpretação que casa perfeitamente com o senso comum. Não só. O Design Inteligente está perfeitamente de acordo com a dimensão religiosa, transcendente da vida. É, portanto, uma visão não apenas mais abrangente e completa da existência, mas mais verdadeira também; ela abarca, numa única narrativa, a integralidade do indivíduo humano. O homem comum não tem mais aquela sensação de estar sendo enganado, ludibriado pelos entendedores cuja compreensão da vida não vai além da sua dimensão meramente material.

Do nada, nada procede.

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CONTEÚDO LIBERADO




👆 À direita
(por Leônidas Pellegrini - 26/03/2023)

Inspirado na história de São Dimas, o bom ladrão


Já era o terceiro dia em que os malfeitores Gestas e Dimas suportavam o tormento da cruz. O primeiro, boquejando muito e sempre, maldizendo a própria sorte, seus algozes e Deus, queixando-se das dores e blasfemando, e a intervalos cada vez mais curtos, não obstante o quase sufocamento que a crucifixão causava. O outro, quase sempre calado, rememorava sua vida toda até o presente suplício, várias e várias vezes, tentando entender como e por que se enveredara por caminhos tão sombrios, sinceramente arrependido de seus erros.

É claro, as feridas do látego nas costas, grudando e desgrudando do madeiro, os insetos pousando sobre aquelas chagas abertas, as dores musculares em todo o corpo, cada vez mais intensas, os pulmões que iam se enchendo de líquido e a cada vez mais insuportável falta de ar o atrapalhavam (isso sem falar nas reclamações ininterruptas de seu companheiro à esquerda), e ele precisava começar de novo, e de novo, a cada vez que as memórias se atrapalhavam. Mas a cada recomeço sua concentração parecia melhorar, e os detalhes no filme que se projetava em sua mente iam ficando mais nítidos, com novas cenas esquecidas, fatos para os quais ele havia dado pouca importância no decorrer da vida e que agora pareciam recobrir-se de nova luz.

Uma dessas lembranças remetia à sua primeira infância, e era a que mais se imprimia em seu pensamento. Acontecera quando ele ainda nem engatinhava, em uma estrada incerta em sua memória. Sua família viajava para algum lugar distante, no Oriente, e cruzara com outra que tomava caminho parecido. Havia na outra família um menino mais ou menos da mesma idade que a sua, pouca coisa mais novo, e enquanto as duas mães conversavam, ele e o outro pequeno haviam travado contato. O outro bebê o havia tocado de leve com sua pequenina mão, e aquilo causou-lhe uma alegria indescritível. Em sua linguagem de bebê, ele começou a gargalhar, e o outro o acompanhou, causando enorme deleite nas duas mães e em outros passantes aquelas gargalhadas gostosas dos bebezinhos. E então cada família seguiu seu caminho, e o pequeno Dimas rumaria para as trilhas perversas que o fariam chegar até ali, naquela cruz.

A lembrança daquele seu primeiro amigo ficaria amortecida, quase esquecida, até aquele momento, quando voltava cada vez mais viva. Dimas ia lembrando, inclusive, de cada detalhe do rosto daquele bebê, e sobretudo de seu sorriso, que o fazia também sorrir apesar das dores excruciantes. Por que lembrava-se tanto daquele fato, e em especial daquele sorriso? Não sabia, mas gostava, porque era o único alívio de que dispunha, e se apegava a ele.

Estava em um daqueles momentos em que as lembranças se atrapalhavam, e já tentando reordenar seus pensamentos, quando foi interrompido por alaridos que vinham da estrada. Um novo condenado vinha carregando seu madeiro e, fato estranho, acompanhado de uma multidão que vinha com choros e lamentos. Quando o prisioneiro se aproximou, Dimas espantou-se com seu estado: ele usava um manto vermelho, vinha com feriadas cruentas por todo o corpo, completamente ensanguentado, o rosto desfigurado, e com uma coroa de espinhos cravada em sua cabeça. Ficou pensando que mal teria feito aquele homem para tamanho rigor em sua punição, enquanto observava os que o acompanhavam mais de perto. Um jovem muito triste, e algumas mulheres, uma das quais parecia ser sua mãe, desfeita em prantos. Teve pena da mulher, sentiu seu coração pequeno, oprimido, ao vê-la naquele estado, e também por lembrar das tristezas que dera para sua própria mãe, morta havia pouco, desgostosa pelo filho tão degenerado e perdido. Também se apiedou do condenado, que agora tinha suas mãos e seus pés perfurados por enormes pregos. Até mesmo o tagarela Gestas emudecera enquanto observava aquela crucifixão especialmente violenta. E foi enquanto erguiam a cruz do novo companheiro que, a um grito de angústia daquela mulher que sofria tanto, clamando o nome do filho, que os dois malfeitores descobriam enfim que era o desfigurado: Jesus.

Ambos já haviam escutado as muitas histórias que se contavam sobre um tal pregador nazareno que fazia muitos milagres, e que, diziam, era o enviado de Deus e Seu próprio Filho encarnado, mas nunca o tinham visto. Gestas não dava importância às histórias, para ele devia ser mais um de tantos magos charlatães que já conhecera, alguns aos quais já se associara mais de uma vez. Mas Dimas escutava todas as histórias com espanto e reverência, e em seu coração sentia mesmo uma grande vontade de um dia conhecer o tal nazareno. Pois bem, agora Ele estava ali ao seu lado, bem no meio entre ele e Gestas, que voltara a reclamar, xingar e blasfemar, urrando de dor a cada xingamento ou blasfêmia. Dimas, por sua vez, guardava o mais profundo silêncio, esgotado de dor e cansaço, olhando com o rabo do olho aquele homem que, ele sabia, era santo e não merecia estar ali. Mas foi então que, quando o encarniçado malfeitor da esquerda, já exausto, sentiu que suas forças chegavam ao fim, resolveu escarnecer de Jesus, perguntando-lhe em tom de troça e cheio de ódio, por que afinal, sendo Ele o Messias, não salvava si próprio, o silencioso Dimas perdeu a paciência e bradou:

– Cala-te, homem! Cala-te já e de uma vez por todas! Não temes a Deus nunca, nem na hora de teu maior suplício? Nós recebemos o que merecíamos, porque somos maus e covardes, perversos, mas este ao nosso lado nada fez de mal! Cala-te!

E, voltando-se para Jesus, disse:

– Senhor, lembra-te de mim quando entrares no Teu Reino!

E Jesus respondeu-lhe:

– Em verdade te digo: hoje mesmo estarás comigo no Paraíso.

E assim se deu. Tempos depois, quando já nenhum dos três respirava neste mundo, Dimas via-se no Céu, sem feridas ou dores, sem falta de ar ou qualquer sofrimento, sentindo uma alegria imensa, infinita, e reconhecendo, enfim, no rosto adulto e não mais desfigurado de Jesus, que vinha abraçá-lo, aquele mesmo sorriso que tantas vezes rememorara antes do fim, o sorriso do seu primeiro amigo de infância.

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Padre Paulo Ricardo - 21 de Março de 2023

LITERATURA

👆“A Divina Comédia” em poucas palavras
(por Joseph Pearce)


O maior poema jamais escrito é também profundamente católico em seu núcleo teológico e filosófico. Seu autor, Dante Alighieri, era discípulo ávido de Santo Tomás e compôs sua obra-prima como um “lembrete da morte”, para ele próprio e todos que o lessem.



A Divina Comédia é, indiscutivelmente, o maior poema jamais escrito. É também profundamente católico em seu núcleo teológico e filosófico. Seu autor, Dante Alighieri, passou mais de dez anos escrevendo-o, e só o finalizou um ano antes de morrer, em 1321 (ou seja, pouco mais de 700 anos atrás) [i].

Dante foi um ávido discípulo do Doutor Angélico, Santo Tomás de Aquino, o maior de todos os teólogos e filósofos católicos. Não surpreende, portanto, que a presença teológica e filosófica de Santo Tomás anime o poema do começo ao fim.

O poema é narrado em primeira pessoa pelo próprio Dante, que aparece, por assim dizer, como personagem de sua própria obra imaginativa. Ela serve como um memento mori, um lembrete da morte, levando o poeta e seus leitores a contemplar os Novíssimos: morte, juízo, Céu e Inferno. 

Comédia começa, simbolicamente, na Quinta-feira Santa, noite em que Cristo sofreu a agonia no Horto, com o poeta preso em um bosque escuro, no meio do que hoje se pode chamar de crise da meia-idade. Ele não consegue escapar por causa de sua escravidão a hábitos pecaminosos e é resgatado pelo fantasma de Virgílio, enviado por intercessão da Santíssima Virgem, de Santa Luzia (padroeira dos cegos) e de sua querida Beatriz. Num sentido importante, Beatriz, a mulher que Dante amou e cuja morte precoce o devastou, é o teste espiritual decisivo através do qual se pode medir o progresso de Dante. Sua ascensão espiritual é acompanhada pela purificação de seu amor a ela.

           “Dante e Virgílio no Inferno”, por William-Adolphe Bouguereau.

Virgílio leva Dante às profundezas do Inferno na manhã da Sexta-feira Santa, permitindo-lhe ver as terríveis consequências do pecado não arrependido. À medida que descem cada vez mais fundo, passando pelos círculos do Inferno em que são punidos cada um dos sete pecados capitais, Dante ganha um conhecimento mais profundo do mal que é o pecado, terminando finalmente no próprio poço do Inferno, na presença de Satanás em pessoa, que está miseravelmente preso num mar de gelo, voraz e insaciavelmente faminto, devorando por toda a eternidade as almas condenadas dos piores dos soberbos traidores. Simbolicamente, Dante coloca Satã no centro da Terra, o mais “baixo” que alguém pode cair, lembrando-nos talvez da piada de Chesterton de que os anjos podem voar porque não se levam a sério, enquanto o diabo cai por força da própria gravidade.

Tendo atingido o fundo do poço, Virgílio e Dante sobem em direção à luz distante, emergindo no sopé do Monte Purgatório na manhã do Domingo de Páscoa. Como o próprio Senhor e por seu poder, eles ressuscitam dos mortos para a terra dos vivos.

Dante lembra-nos que o Purgatório é a antecâmara do Céu, o lugar de purificação dos já salvos, colocando na sua entrada o portão de São Pedro. Guardado por um anjo — não por São Pedro, que está com o Senhor no Paraíso —, o portão é acessado através de três degraus ascendentes. O primeiro é feito de mármore branco, polido com tal brilho que Dante pode ver nele seu próprio reflexo, significando a confissão. O segundo é preto e rachado tanto no sentido longitudinal quanto no transversal, fazendo as rachaduras se cruzarem e formarem uma cruz, que significa a contrição. O terceiro é vermelho como sangue, significando a satisfação.

O simbolismo continua quando o anjo faz a marca de sete Ps na fronte de Dante, significando os sete pecados capitais (o P vem de peccatum, “pecado” em latim). Cada um desses Ps é removido à medida que Dante sobe pelas várias partes da montanha em que são expurgados cada um dos sete pecados capitais. Finalmente, no cume do Monte Purgatório, Dante se vê no paraíso terrestre, o Éden pré-lapsário, o lugar da inocência primordial em que não há mancha de pecado. É aqui que Dante finalmente encontra Beatriz, e é aqui que Virgílio se despede, sendo incapaz de levar Dante ao Paraíso. 

“Dante e Beatriz”, por Ary Scheffer.

Beatriz conduz Dante pelos céus, simbolizados pelos planetas e as estrelas, onde ele encontra muitos santos. Santo Tomás de Aquino surge como porta-voz dos sábios, cantando louvores a São Francisco e à sua Senhora Pobreza, e São Boaventura se apresenta para louvar São Domingos. Assim, fazendo um dominicano louvar São Francisco, e um franciscano louvar São Domingos, Dante despreza delicadamente as tensões de sua época entre as Ordens dominicana e franciscana. No Céu — ele está nos dizendo —, todas essas diferenças mundanas serão transfiguradas pelo amor perfeito.

Subindo cada vez mais, Dante encontra os Apóstolos e é examinado por São Pedro na virtude da fé, por São Tiago na virtude da esperança e por São João na virtude do amor. Seu amor por Beatriz é purificado numa consumação celestial, com um amando o outro ao mesmo tempo que são consumidos mutuamente no amor de Deus. Indo em direção ao seu clímax celestial, Dante finalmente contempla a beleza da Santíssima Virgem e é transportado pela oração de louvor que São Bernardo faz a ela. O êxtase do poeta é levado à plenitude na própria visão beatífica, brilhando em esplendor trino e encarnado, culminando nos versos finais do poema em tributo ao amor que move as estrelas.

Maurice Baring, um dos homens mais cultos do século passado, resumiu assim o brilho da conclusão extática que Dante deu à Divina Comédia

Escalando os círculos do Paraíso, estamos conscientes o tempo todo de uma ascensão não só na qualidade da substância, mas também na da forma. É um longo e perpétuo crescendo, aumentando em beleza até a consumação final na última linha. Alguém uma vez definiu um artista... como alguém que sabe como arrematar as coisas. Se esta definição for verdadeira — e eu penso que é —, então Dante foi o maior artista que já existiu. Seu canto final é o melhor, porque se relaciona com o começo ao mesmo tempo que o completa.

Ecoando Baring, T. S. Eliot comentou que admirava tanto o brilho de Dante que sentia não haver nada a fazer em sua presença senão apontar para ele e permanecer em silêncio. Assim o maior poeta do século XX presta homenagem ao maior poeta de todos os tempos. Nada mais precisa ser dito.

Notas

  1. Este texto foi originalmente publicado em 19 de junho de 2021, na Crisis Magazine. Na ocasião, o autor apresentou A Divina Comédia como uma obra-prima a celebrar “no 700.º aniversário da morte de seu ilustre compositor”.
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👆 OLAVO DE CARVALHO

A Igreja humilhada (II)
(Publicado originalmente no Diário do Comércio, em 29 de Julho de 2015, disponível no site do professor)


Condenar a cosmologia medieval porque em alguns pontos ela não coincide com os “fatos observáveis do mundo físico” é tão estúpido quanto condenar um desenho por não haver correspondência biunívoca entre os traços a lápis e as moléculas que compõem o objeto retratado.


Estruturas representativas abrangentes só podem ser compreendidas e julgadas como totalidades. O fisicalismo ingênuo, apegando-se aos detalhes mais visíveis, deixa sempre escapar o essencial. A Física de Aristóteles foi rejeitada no início da modernidade porque dizia que as órbitas dos planetas eram circulares e porque sua explicação da queda dos corpos não coincidia com a de Galileu.


Só no século XX o mundo acadêmico entendeu que, retiradas essas miudezas, o valor da obra persistia intacto justamente porque não era uma “física” no sentido moderno do termo e sim uma metodologia geral das ciências. Quatro séculos de orgulhosas cretinices científicas haviam tornado incompreensível um texto com o qual ainda se pode aprender muita coisa (v. as atas do congresso da Unesco Penser avec Aristote, org. M. A. Sinaceur, Toulouse. Érès, 1991).


Toda a simbólica natural da qual o cristianismo só pode prescindir em prejuízo próprio desapareceu de circulação porque, visto com os olhos do fisicalismo ingênuo, o debate entre geocentrismo e heliocentrismo parecia colocar fora de moda o desenho medieval das sete esferas planetárias, uma concepção cosmo-antropológica enormemente complexa e sutil.


Expelido do universo intelectual respeitável, o simbolismo natural só sobreviveu como fornecedor ocasional de figuras de linguagem com que os poetas sentimentais da modernidade, carentes de toda compreensão espiritual e extasiados na contemplação do próprio umbigo, projetavam nas formas da natureza visível as suas emoçõezinhas. Georges Bernanos escreveu em L’Imposture algumas páginas devastadoras contra esse empobrecimento do imaginário moderno.


Os estudiosos que conservaram o interesse pelo velho tema tornaram-se esquisitões marginalizados não só pela classe universitária como também pela própria intelectualidade católica, mais interessada em fazer boa figura ante o fisicalismo acadêmico do que em defender o patrimônio simbólico da religião.


Uma obra notabilíssima como Le Bestiaire du Christ. La Mystérieuse Emblématique de Jésus-Christ, Bruges, Desclée de Brouwer, 1940), em que o arquiteto Louis Charbonneau-Lassay foi de igreja em igreja copiando e explicando cada símbolo animal de Nosso Senhor Jesus Cristo na arquitetura sacra medieval, passou quase despercebida dos meios católicos (mas, como veremos adiante, foi muito valorizada por autores muçulmanos).


Mesmo escritores que compreendiam a cosmologia medieval só ousavam falar dela em termos de valor estético, ao mesmo tempo que ofereciam as genuflexões de praxe ante a autoridade do fisicalismo acadêmico.


Um exemplo característico foi C. S. Lewis, que montou o edifício das suas Crônicas de Narnia sobre o modelo de uma escalada espiritual pelas sete esferas planetárias mas manteve essa chave simbólica cuidadosamente escondida até que ela fosse descoberta, após a morte do autor, pelo erudito Michael Ward (v. Planet Narnia. The Seven Heavens in the Imagination of C. S. Lewis, Oxford University Press, 2008):


“Seguindo-se à sua conversão — escreve Ward –, Lewis naturalmente considerava as religiões pagãs menos verdadeiras do que o cristianismo, mas, olhando-as sem referência à verdade, sentia que elas possuíam uma beleza superior. A beleza e a verdade podiam e deviam ser distinguidas uma da outra, e ambas da bondade.” (P. 27.)
Não deixa de ser uma ironia que, restaurando na arte justamente aqueles elementos da simbólica pagã que a cultura da Europa medieval havia absorvido e cristianizado, Lewis ao mesmo tempo se opusesse tão frontalmente à doutrina escolástica segundo a qual o belo, o verdadeiro e o bom – Unum, Verum, Bonum, na fórmula de Duns Scot – eram essencialmente a mesma coisa.


A timidez cristã ante os dogmas da modernidade chega a ser obscena.


O filósofo calvinista holandês Herman Dooyeweerd – no mais, um pensador de primeira grandeza — foi um pouco além da timidez.


Alegando que a dialética hegeliana de tese, antítese e síntese só se aplica às coisas relativas, e que tão logo entramos no domínio do absoluto o que vigora é o antagonismo irrecorrível e a necessidade da escolha, ele condena a filosofia escolástica – portanto a cosmologia medieval inteira – por não ter banido completamente os resíduos culturais do paganismo (exigência impossível que, é claro, o próprio calvinismo também não cumpriu).


Nesse panorama, não estranha que o patrimônio simbólico desprezado e varrido para baixo do tapete fosse rapidamente colhido por intelectuais muçulmanos interessados, sim, numa restauração da cultura cristã tradicional, mas sob o guiamento e controle sutil… de organizações esotéricas islâmicas.


Ninguém, absolutamente ninguém na Europa cristã desde o século XVI dominou e explicou tão magistralmente o simbolismo espiritual cristão e demonstrou tão valentemente o seu valor cognitivo, e não só estético, como o fizeram René Guénon, Frithjof Schuon, Titus Burckhardt, Jean Borella e outros autores meio impropriamente chamados “perenialistas”.


Todos eles membros de tariqas – organizações esotéricas islâmicas –, e empenhados em abrir na dura carapaça do fisicalismo moderno um rombo por onde pudesse se introduzir a influência intelectual islâmica e avolumar-se até à conquista da hegemonia, usando o tradicionalismo cristão como força auxiliar, mais ou menos como Jesus, na versão islâmica do Segundo Advento, será rebaixado a segundo-no-comando dos exércitos do Mahdi.


Autores não diretamente ligados ao esoterismo islâmico que exploraram o mesmo veio, como Matthila Ghyka, Ananda K. Coomaraswamy e Mircea Eliade, sempre foram devedores intelectuais dos “perenialistas”.


Se hoje em dia a velha cosmologia readquire aos poucos o seu estatuto de conhecimento profundo, necessário e respeitável, multiplicando-se em todas as universidades do mundo civilizado os estudos a respeito, não há como deixar de reconhecer que isso foi devido, sobretudo, à obra de Guénon, de Schuon e de seus seguidores.


“A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a chave de abóbada”, profetiza a Bíblia. A profecia ainda não se cumpriu totalmente, mas é óbvio que só a restauração da cosmologia simbólica pode ser a chave de abóbada numa reconstrução da cultura cristã. Apenas, os muçulmanos perceberam isso antes dos intelectuais cristãos e trataram de utilizá-lo em proveito próprio.
Temos uma dívida para com Guénon, Schuon e tutti quanti? É claro que temos. Eles nos devolveram o que era nosso, mesmo fingindo que era deles. Está na hora de praticar com eles aquilo que um velho ditado – islâmico, por sinal – recomenda: “Não perguntes quem sou, mas recebe o que te dou.”


Se o Papa, em vez de fazer isso, prefere esboçar um vago reconhecimento dos direitos de propriedade islâmicos sobre o simbolismo cristão da natureza, é que ele ainda padece daquela timidez auto-humilhante que reluta em afirmar vigorosamente o primado da cristandade nessa área.

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👆 HUMOR

E nas True Outstrips de hoje:

- Mais algumas contradições da canhota! Não, não se trata do "Não, Senhor Comuna Vol. 3!", podem ficar tranquilos!;

- Aí o cidadão quase dá uma bola fora no sentido "vai que tu pode", mas acaba pagando de 'coáche'!

- Depois tentaram a galera do Big Bang pra pegar o mestre, mas perderam o 'big' e só ficaram com o "BANG!" Hehehe!;

- Por fim, abóboras, abobrinhas e comunismos... desculpem o excesso de redundância pleonástica. É só uma experiência pra ver se eu dobro aquela meta em aberto! Hahaha.

Se nada acontecer comigo, a gente se vê de novo em 15 dias!
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- Ah, e quem puder, colabore com as True Outstrips! É você que as mantém funcionando sem dinheiro de Rouanet, Secom, e cia limitada!

(27/03/2023)




E não se esqueçam! VEM AÍ...


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LEITURA RECOMENDADA

Para terminar esse período da Quaresma, hoje minha recomendação vai para um poema épico muito conhecido de Dante Alighieri! Aproveite para formar seu imaginário e uma ótima Sexta-feira Santa e uma excelente Páscoa para todos! Que a luz de Cristo, bem como o peso de sua Cruz santa e redentora esteja sobre todos vocês, pois se Deus permitiu tamanho sofrimento, foi para o bem de todos nós!

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