Edição LXXVI (Terça Livre, Revista Esmeril 41 e mais)

Tempo de Leitura LXXVI

(Opinião, artigos e cultura para pessoas livres)


Resumo semanal de conteúdo com artigos selecionados, de foco nas áreas majoritariamente cultural e comportamental, publicados na Revista Esmeril e outras publicações de outras fontes à minha escolha. Nenhum texto aqui pertence a mim (exceto onde menciono), todos são de autoria dos citados abaixo, porém, tudo que eu postar aqui reflete naturalmente a minha opinião pessoal sobre o mundo.


ACOMPANHE
    


ANTES DE MAIS NADA, ESSA É A BANDEIRA QUE EU DEFENDO:
ESSE É O PAÍS QUE EU QUERO!

REVISTA ESMERIL 41

Fraternité (Vitor Marcolin)

O sorriso mais feliz do mundo (Leônidas Pellegrini)




Onde quer ir primeiro?



LEITURA RECOMENDADA


Minhas redes:
    


12+1 de Março de 2023
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👆 MEMÓRIA: REVISTA TERÇA LIVRE
(matérias de edições antigas da revista que ainda são atuais)


Hoje voltaremos no tempo para a edição 45 da Revista Terça Livre, de 19 de Maio de 2020.



O novo site do Terça Livre está de volta, e com ele, todos os cursos e todas as edições da Revista Terça Livre desde o seu início. acessem:
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CULTURAL


👆 O JACARÉ, O MACACO E O BURRO
(por Laudelino Lima)


Esse breve ensaio foi escrito como trabalho final do curso “A Descoberta do Ensaio”, ministrado pelo professor Rodrigo Gurgel no final do segundo semestre de 2013.
Eu nunca havia lido nem uma única linha de José Ortega y Gasset (vou chamá-lo de Zé) - embora o tivesse na fila de autores a serem descobertos -, até que recebi a missão de destrinchar a seguinte frase do livro “A Rebelião das Massas”, mais especificamente na parte IV, “Prólogo aos franceses”:

“Romper a continuidade com o passado, querer começar de novo, é aspirar a descer e plagiar o orangotango.”

A simples menção do orangotango já me fez conhecer um pouco da personalidade do autor. Nota-se que, embora crítico, era bem humorado. Percebe-se também um leve tom sarcástico ao encerrar a questão, como se estivesse tratando longamente do assunto com um interlocutor teimoso. Temos que concordar que a frase poderia ser traduzida por:

“Se você fizer isso, estará imitando um macaco!”

É, ela pertence à categoria de textos que encerram qualquer assunto. Coisa que não pretendo fazer por aqui. Vamos sim destrinchar cada pedaço dessa frase, porque ao estudá-la, vi que o assunto é muito sério.

O prólogo é um termo originalmente usado na tragédia grega, quando um orador enuncia o tema da peça. Um prólogo aos franceses significaria que, antes da “tragédia”, o autor tinha um recado específico para esse povo. Em um breve período de tempo, os franceses já havia experimentado uma década de Revolução, a ascensão de Robespierre, os Jacobinos, a ditadura do Comitê de Salvação Pública ou Reino de Terror (40 mil execuções), o governo do Diretório, a substituição pelo governo do Consulado, as Guerras Napoleônicas, a Primeira Restauração da Monarquia, a expulsão de Napoleão, o seu regresso para o Governo dos Cem Dias, a Segunda Restauração da Monarquia Francesa, a abdicação definitiva de Napoleão e a Revolução de Julho. Definitivamente, os franceses “começaram de novo” por muitas vezes. E o Zé, ao publicar o livro em 1930, declarou (com razão) que a humanidade vivia seu apogeu:

“Do século V até 1800, a Europa não conseguiu ter uma população superior a 180 milhões. De 1800 a 1914 ascende a mais de 460 milhões. O pulo é único na história humana.”

Zé atribuiu esse salto às novas técnicas e à democracia liberal. Mas, olhando para os lados, as coisas não estavam nada boas. O mundo se recuperava da primeira guerra quando recebeu o impacto da queda da Bolsa de Valores dos Estados Unidos, em 1929. Paralelamente, alguns já percebiam um abraço macabro formado pela águia nazifascista de um lado e o urso marxista do outro. Um no coração da Europa e o outro transbordando da Rússia em direção ao velho continente. O conflito era inevitável. Ambos utilizavam o povo como degrau para alcançar a utopia que fosse mais adequada à centralização de poder nas mãos de seus maestros. Zé olhava esse cenário e conseguia distinguir sua vítima e ao mesmo tempo o agente inconsciente: o Homem.

Embora o fenômeno visto pelo Zé já estivesse em andamento, surgiu na Alemanha algo que estaria acelerando esse processo: a Escola de Frankfurt. Uma espécie de ninho de cobras que chocavam as ideias que envenenariam muitas mentes pelo mundo.

Ainda na Europa, o húngaro Gyorgy Lukacs e o italiano Antonio Gramsci tentavam entender por que o comunismo não decolava no ocidente. Sem contato um com o outro, chegaram à mesma conclusão: existia a tal “Cultura Ocidental”, composta pela família centrada na moral judaico-cristã, no direito romano e na filosofia 
grega. Essa tradição impedia o marxismo de ser aceito no Ocidente. Passaram então a imaginar estratégias que pudessem utilizar para destruir essas poderosas bases. Surgiu o “Marxismo Cultural”: mas como fariam isso? Não foi simples, nem rápido. Criaram um cupim civilizacional que corroeu a ligação do homem do presente com o que melhor se produziu no passado. Esse novo homem surgiu, e o Zé chamou-o de “Massa”. Eu o chamaria de outra coisa, mas vou explicar:

Este homem influenciado dizia que a vida de obrigações e dependências era coisa do passado. Ele tinha apetites infinitos e uma preocupação primária com o seu bem-estar. Possuía opiniões sobre tudo e mesmo sobre assuntos com os quais que nunca gastara uma única caloria para entender. Era-lhe caro dar razão, e esforçava-se para impor seu pensamento. Ele possuía ideias e as considerava perfeitas. Se alguém provasse que eram estúpidas, arvorava que tê-las era um direito e que não ter razão também o era.

Embora pareça estranho diante de uma análise lógica, esse homem
que não queria dar-lhe razão nem fazia questão de tê-la, mostrava-se decidido ao impor suas opiniões. Possuía teorias, mas sofria pela incapacidade de expressá-las. A forma de demonstrar era praticando-as. Pacificamente se ninguém se opusesse, e com violência caso tentassem impedi-lo. Esse homem vivia cercado pelas benesses da evolução humana, conseguidas a muito custo pelos seus antepassados, mas se interessava cada vez menos por seus princípios, ao ponto de não mais percebê-los. Usava-a como se fizesse parte da natureza e acreditava que possuía o direito de tê-las. Era um homem do seu tempo. Era o praticante integral do 
Carpe Diem (Viva o hoje). Encantava-se diante do espelho.

O homem massa, por vezes, não é um ignorante. Pode ser uma pessoa culta - tecnicamente falando - mas que possui uma completa ignorância acerca dos outros elementos que o cercam. O Zé descreve-o novamente no capítulo “Barbárie da especialização”, quando afirma que o homem das ciências de então (1930!) é o protótipo do homem-massa. Cada vez mais se especializa e estreita seu conhecimento em uma única direção. Progressivamente perde cultura. Em contraposição, a padronização da pesquisa e os avanços tecnológicos requerem pessoas cada vez menos especializadas. Eis o desastre da combinação do estreito com o raso, formando o sábio ignorante:

“(...)um senhor que se comportará em todas as questões que ignora não como um ignorante, mas com toda arrogância de quem em seu campo especial é um sábio (…) Quem quiser poderá observar a estupidez com que pensam, julgam e atuam hoje na política, na arte, na religião e nos problemas gerais da vida e do mundo os “homens da ciência” e é claro, além deles, médicos, engenheiros, economistas, professores etc.”.

Os homens que realmente desejam evoluir sempre norteiam sua vida por algo superior. E ao alcançá-lo, sabe que só o fez por estar sobre os ombros de gigantes. Olhando à sua volta, descobre que poucos estão presentes no cume. E os que lá chegaram, representam uma minoria excepcional. A humanidade sempre encontrou seus avanços em todas as áreas das ciências e da cultura, nesses pequenos grupos. Eles estão sempre à frente enquanto outros seguem girando a roda do mundo. É a ordem natural das coisas. Quando a lógica se inverte e a massa desejosa resolve conduzir seu próprio rumo, vê-se o abandono dos deveres e a locupletação coletiva dos direitos no limite das possibilidades. Diante de qualquer dificuldade, exige que uma força superior o ajude e, olhando para cima, só encontra a figura do Estado, que assume imediatamente e se encarrega de resolvê-la agigantando-se. É a maior ameaça a civilização:

“…a estatização da vida, o intervencionismo do Estado, a absorção de toda espontaneidade social pelo Estado”.

Em sua luta por uma quantidade máxima de direitos, esse homem esquece que todo direito seu pressupõe um dever de alguém, a fim de garantir que essas obrigações sejam cumpridas. O detentor dos
meios de imposição de deveres e fornecimentos de direitos acaba por possuir um poder maior que a soma dos elementos daquela sociedade e cresce indefinidamente seguindo sua própria vocação. A liberdade passa a ser a moeda com que se compra abrigo. Vendo esse Leviatã agigantar-se, esse homem aspira a fazer parte dele. Começa dele se servindo e termina por servi-lo. Ao optar por servir a um senhor ao invés de um conjunto superior de valores, marcha de volta à caverna, para a tristeza de Platão.

O homem-massa carece simplesmente de moral, que é sempre, por essência, um sentimento de submissão a algo, consciência de serviço e obrigação”.

Ele é desprovido de valores. Acredita que todo homem tem um preço e calcula o próprio. Seu gosto cultural privilegia o banal em detrimento ao artístico.

Com o tempo, esse homem aprendeu que se juntar a seus iguais é conseguir mais. Não importam os meios. Decoram frases de efeitos, gritam por causas ilógicas e atendem ao chamado de “uni-vos”. Tal arranjo é eficiente por algum tempo, mas os enfraquece por despi-los do individualismo necessário para formação de opinião própria divergente da que lhe é imposta. Adere a um coletivo. Inculto e não 
tendo a mínima noção do valor das coisas do passado, esse homem está sempre disposto a apoiar revoluções que aparecem para jogar tudo fora e criar o novo. Desconsidera o que foi esculpido com o formão do trabalho e o martelo da razão. Tolo, pensa que sua unidade rasteira é algo que lhe fortalece. Rui tal qual um arranjo de dominós, que de propriedades idênticas e dispostos muito próximos, caem um após o outro, sem capacidade de reagir individualmente a qualquer movimento contrário em sua direção. Só lhe resta tombar.

O “ilustre desconhecido” filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos, ao falar sobre as origens da decadência grega, toca novamente no cerne da questão:

“Quando a nobreza de Atenas perdeu, e ascendeu a democracia, a luta pelo poder foi imensa. Como a juventude aspirava ao poder, tinha que se preparar, e os meios para isso eram a oratória e a eloquência, que possibilitavam uma argumentação para os debates. Sábios de todas as partes do mundo grego reuniam-se em Atenas, onde encontraram um mercado ávido. A juventude pagava à peso de ouro suas aulas, no intuito de poder dispor de uma argumentação poderosa ante os adversários. A consequência foi a queda da juventude, como decai em todos os momentos de agitação política, perdendo suas ligações com a cultura superior, tornando-se apenas uma massa agitada, que vive de palavras de ordem.

Se o Zé, analisando o seu presente à época, entregou-nos a carteira de identidade do “homem massa”, e o Mário, analisando o passado, entregou-nos sua certidão de nascimento, isso nos leva a outro ponto:

Seria ele uma constante universal que surge sempre na crista dos ciclos culturais?

Seria ele uma anomalia natural?

Serie ele um elemento que poderia ser descrito pela entropia da Segunda Lei da Termodinâmica?

“Toda ordem tende ao caos”

E o Mário termina chocando-nos com nossa própria impossibilidade:

“…porém fica a pergunta: como conseguem se eles estão errados, deteriorar o que está certo? Essa é a grande desgraça da humanidade: o erro tem mais facilidade de propagar-se do que a verdade. É mais
fácil propagar-se uma infâmia do que uma boa ideia. É mais fácil destruir do que construir. Essa é uma das condições humanas e uma das nossas grandes impossibilidades.”

Agora, precisamos salvá-lo!

O homem?

Não, esse já está perdido. Eu falo do símio. Voltemos à frase que iniciou esse texto:

“Romper a continuidade com o passado, querer começar de novo, é aspirar a descer e plagiar o orangotango.”

Infelizmente, terei que discordar do autor. Creio que ele errou o bicho, pois o símio não faz isso. Quando o Orang, (que na língua Malaka significa “pessoa”) tem contato pela primeira vez com uma banana, creio eu, nunca o veremos comendo a casca enquanto joga o fruto fora. Alguma memória genética o ajudará, ou ele observará os mais antigos de sua espécie. Geralmente sua mãe.

Carl Sagan, em sua obra Cosmos, ensinou-nos que, para sobreviver, os seres vivos fazem coisas inconscientes que já estão escritas nos seus genes. Eles não sabem como, mas digerem o que comem, reproduzem-se, correm, atacam, fogem. Alguns conseguem até prender a respiração. Essa inteligência está no DNA, que possui a função de armazenar e copiar informações. São escritas em um idioma com milhões de anos de idade. O idioma da vida.

Todos os organismos do nosso planeta possuem sua biblioteca particular. Quanto mais livros, mais capazes. Um vírus precisa do equivalente a uma simples página de instruções para se reproduzir e infectar. Uma bactéria já usa 100 páginas de informações. Uma simples ameba possui cerca de 4.000 páginas. O ser humano possui algo em torno de 1.000 livros em cada uma das células do corpo. O nosso corpo inconsciente é muito mais esperto que o nosso corpo consciente. Mas veja, essa enciclopédia é escrita com o lápis do tempo evolutivo. Se algo mudar muito rapidamente, não existe tempo para adaptação. Para isso temos o cérebro.

O cérebro humano desenvolveu-se de dentro para fora. A parte mais antiga, o tronco cerebral, possui as rotinas básicas da vida. Cobrindo esse tronco está o complexo “R” (de réptil), que é o lugar da agressão, do ritual, da territorialidade, do sexo e das hierarquias sociais. À sua volta está a parte límbica, desenvolvida antes do surgimento dos macacos. Lá está a fonte das emoções. Mais acima, na parte superior, está o córtex cerebral, crescendo nos primatas e por milhões de anos. Ali estão a análise crítica, as ideias, as inspirações, a música, a matemática, a arte e a ciência. Aqui é o território de 100 bilhões de neurônios com suas 100 trilhões de conexões. Daria algo como vinte e um milhões de livros. A vocação para aprender foi a chave da nossa evolução. Mas isso não era suficiente, pois mesmo o nosso magnífico cérebro possuía limitações. Chegou um momento em que precisávamos saber mais 
do que a nossa memória poderia guardar. Então nós aprendemos a armazenar informações fora do corpo.

Inventamos a escrita.

Ela foi esculpida na pedra, pintada na seda, bambu, raspada em cera, casca de árvore, couro e até em papel. Até que na China, entre os séculos dois e seis, o papel encontrou a tinta e blocos de madeira esculpidos, permitindo muitas cópias de um mesmo trabalho. Mais de 1.000 anos depois, um alemão de nome Gutenberg inventou algo similar, embora muito superior: A prensa, que permitiu em pouco tempo que o ocidente saltasse de alguns milhares de livros escritos à mão, para milhões de livros impressos. O conhecimento ficou acessível a qualquer um que soubesse ler. Já era possível, e em larga escala, conectar-se com as maiores mentes e os melhores professores de todos os tempos. Fez-se luz.

Os livros impressos ampliaram os repositórios do conhecimento de nossa espécie. A capacidade de aprender com o passado expandiu nosso conhecimento de maneira nunca imaginada. O ser humano não precisava mais começar de novo a cada dia, tal como um animal, que por não ter a mesma capacidade, acaba por fazê-lo indefinidamente. Um jacaré para sobreviver amanhã, terá que fazer as mesmas coisas que ontem e hoje, pois lhe resta apenas o tronco cerebral, o instinto, o nosso complexo “R”.

A busca da sabedoria atemporal é antes de tudo um exercício de humildade. O homem massa distancia-se da sabedoria de sua espécie e aproxima-se do animal. A memória dos erros, disponível para o ser humano, possui grande valor. Olhar o passado e absorver a sabedoria dos que já trilharam a mesma estrada pela qual você passará é o que nos diferencia. Preservamos, assim, nossa língua, tradições e a própria evolução consciente.

Romper com o passado é tornar o homem um fraco, um simples, um animal. É aspirar a descer e plagiar um
Jacaré, pois o Macaco não faz isso.

De fato, o
Burro quando atenta contra a própria existência, é digno de sarcasmo.

Obrigado Zé, por me fazer compreender o Mário.

Obrigado Gurgel, por me impor o tema.

Obrigado Olavo, por me salvar de repousar miserável no meu túmulo.

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Terça Livre via Locals - 11 de Março de 2023






CENSURA E TIRANIA















👆 Calma! Tem teta para todo mundo

(por Allan dos Santos - 11/03/23)
Terça Livre | Artigo 220 — O comunismo não possui um corpo de doutrinas que são seguidas estritamente. Agir hoje em sentido contrário ao que os comunistas disseram ontem não é tampouco uma contradição na mentalidade deles. Pelo contrário, é a essência do pensamento dessa gente.

Assim diz a diretriz de junho de 1921 do partido comunista em sua primeira linha: “A organização do partido deve se adaptar às condições e aos objetivos de sua atividade.”

É uma estrutura sem princípios, valores, crenças ou raizes. Um movimento de transformação que possui a contradição como parte essencial de suas ações, desde que o objetivo seja alcançado. A fidelidade ao texto só indica uma condição sine qua non: a direção é dada pelo partido. Sempre.

Se ontem eles acusavam a todos os seus adversários de usar a máquina pública, desde que estejam na direção da ação revolucionária, eles poderão nomear qualquer pessoa para qualquer cargo.

A esposa de Marcelo Freixo está na diretoria da Secretaria de Comunicação Social (SECOM) do atual regime desde o começo do corrente ano. Pelo menos 12 esposas dos comunistas foram beneficiadas com o bolsa-cargo desde que Lula assaltou o poder federal com a fraude.

A TV Brasil, emissora pública do governo federal, agora conta com Antonia Pellegrino, esposa de Marcelo Freixo, como diretora de conteúdo. Antônia foi escolhida para o cargo ainda durante o período de transição e, embora a auto-proclamada primeira-dama Janja da Silva tenha manifestado simpatia por ela, a decisão final do teatro estava nas mãos do ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Paulo Pimenta.

Na semana passada, Antonia escalou o ex-jornalista da Globo Marcos Uchôa para integrar sua equipe na TV Brasil. Freixo não foi eleito para o cargo de governador do Rio de Janeiro, mas não ficou de fora. Atualmente dirige a Embratur no regime Lula. O casal não tem motivos para inveja: os dois estão mamando nas tetas do Narco-Estado tupiniquim.

A direita ficou com nojinho de fazer bom uso da EBC, SECOM e TV Brasil. Já os comunistas, não. A direita não precisava acariciar a conta bancária dos políticos, claro, mas fica o questionamento: é realmente vantajoso bater no peito e dizer que o governo anterior economizou quando poderia ter utilizado esses meios de ação e conscientizar a população? A direita polonesa não teve nojinho. Usou e usa todas as estatais de comunicação para falar contra o aborto, desmascarar os globalistas etc. Isso para não falar da BBC do Reino Unido que é uma estatal, assim como a americana NPR.

A direita brasileira faz de tudo para não entrar na lista de ações criticadas pelos comunistas. Só não sabe ainda que no dia seguinte serão os comunistas mesmos que farão exatamente o que estavam acusando a direita de fazer, com uma diferença importante: os comunistas usarão os meios que temiam perder no intuito de disseminar a mentalidade revolucionária. E se a direita usasse mais as ferramentas que estão às mãos ignorando solenemente as críticas comunistas e divulgar sem pudor os bons valores que constroem uma nação? Ah, isso não pode porque senão vai desgastar o governo, diziam.

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REVISTA ESMERIL - Ed. 41, de 16/02/2023 (Uma publicação cultural digital e mensal de Bruna Torlay. Assinar a revista


COLUNAS SEMANAIS

👆 Fraternité
(por Vitor Marcolin - 02/03/2023)

Por que a máxima revolucionária parece tão esquecida? 

Das campanhas publicitárias produzidas ao longo de toda a História talvez nenhuma tenha tido tamanho impacto quanto o lema da Revolução Francesa: LibertéEgalitéFraternité. Mas que não haja confusão: “campanha publicitária” sim, mas de um conjunto de mercadorias impalpáveis, as ideias revolucionárias. E o povo comprou, a granel, aos montes, generosamente; tudo a preço de custo. Aparentemente, no entanto, uma delas passou despercebida, malbarateada: a Fraternidade. Pouco se fala sobre ela, tanto que o lema revolucionário caiu no esquecimento, ofuscado pelo brilho obsceno da Liberdade e da Igualdade.

Observemos, leitor, em nosso cotidiano, na escola, no trabalho, na faculdade, na mídia, na cultura, na tevê, na internet e… até na Igreja (pois eu já vi), todos gritam, esbravejam a plenos pulmões: “Liberdade!” “Igualdade!”. Mas ninguém milita realmente em prol da Fraternidade. E por quê? Vejamos alguns dos seus sinônimos a fim de encontrarmos uma resposta convincente: irmandade, afinidade, amizade, atração, inclinação, irmanação, vínculo, simpatia, afeto, identidade… amor. Percebe? Os elementos que implicam a Fraternidade demandam consenso. No âmbito social, leitor, as coisas devem ser de tal forma arranjadas de maneira que tudo esteja bom para mim e para você. E por que estaria bom só para você ou só para mim?

A Fraternidade caiu em desuso porque este elemento de reciprocidade inerente à sua realidade não serve às demandas revolucionárias, às necessidades de uma conjuntura na qual as relações sociais sejam determinadas por valores diversos daqueles estabelecidos via transcendente. Não é possível expor, num artigo, a coisa com maior clareza; talvez só numa narrativa ficcional, na qual a realidade não seja explicada, mas mostrada simplesmente. São os vínculos com o transcendente, os vínculos com a religião que dão o substrato das relações sociais genuínas. Você, caro leitor, não pode, genuinamente, jurar que fará o bem, que honrará as autoridades, que não roubará, não cobiçará, não assassinará quem quer que seja perante uma autoridade… estatal. Faltar-te-á, com a licença da mesóclise, convicção, sinceridade.

Um arrogante burocrata estatal, por força de um imperativo ontológico, jamais será autoridade suficiente para julgar a qualidade do amor ao próximo praticado por você, leitor atento. A força para organizar o caos vem da religião, como a História do nascimento e morte das grandes civilizações atesta. Aliás, a etimologia do termo traz em si a síntese de toda explicação: religar. Daí que o restabelecimento dos nossos vínculos com o transcendente seja tão diabolicamente combatido pela narrativa revolucionária. Mas não se iluda, respeitável leitor: Liberdade e Igualdade sem responsabilidade é a antessala do inferno, onde não pode haver nenhum resquício da incômoda Fraternidade. Daí que amar ao próximo como a si mesmo seja a mais reacionária de todas as decisões.

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CONTEÚDO LIBERADO




👆 O sorriso mais feliz do mundo
(por Leônidas Pellegrini - 12/03/2023)

Baseado no martírio de São Loureço de Huesca

Escoltado por soldados, com uma multidão hostil de ambos os lados a insultá-lo e a lhe jogar verduras, ovos podres e pedras, Lourenço seguia tranquilo pelas ruas de Roma. Na verdade, ia mesmo alegre, um leve sorriso podia ser percebido em seu semblante. Não havia maneira mais feliz de terminar a vida neste mundo do que morrendo por fidelidade a Jesus Cristo, e ele sabia disso. Seu olhos, inchados e vermelhos de espancamento, sal e vinagre, não viam soldados nem pagãos furiosos, nada enxergavam além do Céu, já bastante próximo.

Quando chegaram ao local da execução, e ele viu como seria seu martírio – o imperador lhe reservara uma pena exemplar, ser assado em uma grelha gigante feita especialmente para aquela ocisão – seu sorriso alargou-se: “Então, é assim que vão me levar ao Céu? Pelas chamas?”, pensou. “Que seja! Só peço, Senhor, que minha morte venha a ser ocasião de salvação de muitas almas. Entrego agora meu espírito ao Senhor, e peço, sobretudo, por meus algozes. De minha parte, eles estão perdoados.”

Depuseram-no então sobre a grelha, deitado de lado e acorrentado, como uma grande carne de caça, e acenderam a fogueira. A multidão em volta olhava sequiosa. Aqui e ali, cristãos encapuzados rezavam em silêncio por ele. Os soldados, bêbados, gargalhavam. Mas um deles, de repente recuperando a sobriedade, percebeu que o prisioneiro sorria, e à larga. As chamas já começavam a assá-lo, mas o homem parecia não sentir, e apenas sorria. De sua parte, Lourenço de fato nada sentia além se uma alegria intensa, profunda, que ia aumentando conforme ele via, entre a multidão e os soldados, olhares de incredulidade e corações que iam da confusão para a contrição. Suas preces haviam sido atendidas.

O mártir, então, começou a rir, e depois gargalhar, pois a alegria não cabia mais no silêncio. E conforme ele gargalhava, mais e mais pessoas iam se escandalizando, e o escândalo transformava-se em verdadeira conversão, e ele ria ainda mais. E quando viu que o chefe da guarda ordenava aos soldados que aumentassem o fogo, falou-lhe, enquanto tomava fôlego entre uma gargalhada e outra:

– Ei, chefe, olha só: este lado já está bem chamuscado, vai tostar. Peças aos rapazes que me virem, para que eu asse por igual!

E caiu no riso novamente, sem sentir as labaredas que já o desfiguravam e faziam pingar gordura de seu corpo. E só parou de rir quando, maravilhado, viu seu Anjo da Guarda, que vinha buscá-lo acompanhado de todo um Coro Celeste. Seu corpo já havia sido todo tomado pelas chamas, e era agora um resto de cadáver sendo consumido até os ossos enquanto o cheiro de carne queimada se espalhava causando náuseas em toda parte. Mas, se alguém pudesse vê-lo naquele momento, enquanto ele subia à Glória acompanhado de tantos Anjos, teria testemunhado que aquele era o sorriso mais feliz do mundo.

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Padre Paulo Ricardo - 9 de Março

COMUNISMO

👆A ditadura que proibiu a Páscoa
(por Equipe Christo Nihil Præponere)


Os fiéis católicos estão proibidos de celebrar a Semana Santa nas ruas da Nicarágua. Mas a primeira Páscoa nasceu num contexto bem semelhante: um governante iníquo, ditador, que queria impedir o povo de Deus de adorá-lo publicamente.


Neste ano de 2023, os fiéis católicos estão proibidos de celebrar a Quaresma e a Páscoa nas ruas da Nicarágua

A decisão do líder sandinista Daniel Ortega segue-se a um recente discurso seu, chamando a Igreja Católica de “máfia”, e também à condenação completamente arbitrária de Dom Rolando Álvarez, bispo de Matagalpa, a 26 anos de prisão por suposta “traição à pátria”. 

Tais restrições à liberdade religiosa são uma constante nos regimes comunistas. Basta pensar na China, onde os cristãos ajudados pelo governo são obrigados a trocar as imagens de Cristo em suas casas por outras de Xi Jinping; ou na Coreia do Norte, onde o ditador Kim Jong Un já substituiu uma vez o Natal pela festa da própria avó

Só que, muito antes do comunismo — e da própria religião cristã —, vale lembrar que a festa judaica da Páscoa nasceu justamente neste contexto: de um governante iníquo, ditador, que queria impedir o povo de Deus de adorá-lo publicamente

Assim nasceu a Páscoa

Depois que José, o filho de Israel vendido por seus irmãos, trouxe-os todos para junto de si, no Egito, os judeus fixaram residência no lugar e não pararam de se multiplicar. Vendo que cresciam e os ultrapassavam em número, os egípcios começaram a persegui-los e escravizá-los. Foi então que Deus suscitou Moisés para libertar o seu povo da opressão. E, quando lhe apareceu na sarça ardente, pedindo que fosse falar com o faraó, para deixar os israelitas irem ao deserto, a justificativa que Deus mandou Moisés usar com o rei do Egito foi esta: “O Senhor, Deus dos hebreus, veio ao nosso encontro. Por isso, deixa-nos agora caminhar três dias deserto adentro, a fim de oferecer sacrifícios ao Senhor, nosso Deus” (Ex 3, 18).

         “A primeira festa da Páscoa”, por Huybrecht Beuckelaer.

Veja: ao longo de todo o diálogo de Moisés com Deus, este fala que vai tirar seu povo da servidão, e que o conduzirá a uma terra onde emana leite e mel. Mas o documento “oficial” do pedido ao faraó, por assim dizer, usa como justificativa nada menos que a liberdade de prestar culto a Deus: “Tu lhe dirás: ‘Assim diz o Senhor: Israel é meu filho, meu primogênito. Por isso, eu te ordeno que deixes ir o meu filho para servir-me” (Ex 4, 22-23). 

Moisés e Aarão obedecem à ordem de Deus e dizem isso mesmo ao faraó: “Assim fala o Senhor, Deus de Israel: Deixa ir o meu povo, para que celebre uma festa para mim no deserto” (Ex 5, 1).

Todos conhecemos o resto da história. O faraó não dá ouvidos a Moisés e Deus manda, então, as famosas “dez pragas do Egito”, culminando a última na passagem do anjo exterminador pelas casas dos egípcios, matando-lhes todos os primogênitos; só os lares dos israelitas são preservados: o anjo do Senhor vê nos umbrais de suas portas o sangue do cordeiro e poupa-os da morte

É a primeira Páscoa — e o termo significa isto mesmo: passagem, em referência à praga que chegava às portas dos israelitas, mas passava adiante.

“Não só de pão vive o homem”

Também o que se seguiu à instituição da Páscoa tem muito a ver com o que estão vivendo hoje os nicaraguanos.

Após o extermínio dos primogênitos, o povo de Deus finalmente consegue escapar às mãos do faraó. É aí que atravessa a pé enxuto o Mar Vermelho e chega ao deserto. Perambula então quarenta anos, e só mais tarde é que entra na Terra Prometida. Mas por quê? 

“Jesus Tentado”, por Carl Bloch.

Porque precisava aprender, via ardua, que “não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4, 4) — uma frase que Jesus usa contra o tentador no deserto, mas que é de Moisés e se encontra no livro do Deuteronômio, como chave explicativa para todo o sofrimento que o povo de Israel vive em sua “quaresma”: “Ele te humilhou, te fez passar fome, te deu de comer o maná, que nem tu, nem teus pais conheciam, para te mostrar que não só de pão vive o homem, mas de tudo o que sai da boca do Senhor” (Dt 8, 3). 

O contexto dessa lição de Moisés é bem fácil de entender: depois que foi liberto da escravidão, o povo de Israel só sabia reclamar de saudades das cebolas do Egito. Deus lhes fez chover maná e caírem sobre eles codornizes… Ou seja, não os desamparou. Mas eles não gostavam daquele alimento especial e sentiam falta da época em que viviam no Egito — porque, por escravos que fossem, pelo menos eles podiam “encher a barriga” com o que lhes agradava.

Então Deus lhes ensinou o que realmente importa — e o livro da Sabedoria repete de forma poética as palavras do patriarca Moisés:

E assim teus filhos queridos aprenderam, Senhor,
que não é a produção de frutos que alimenta as pessoas,
mas a tua palavra, que sustenta os que creem em ti.
Aquilo que pelo fogo não podia ser consumido,
imediatamente, aquecido por um mínimo raio de sol, se desfazia.
Isto, para que ficasse evidente que é preciso
antecipar-se ao sol para dar-te graças
e, desde o nascer da luz, prestar-te adoração.
Pois a esperança do ingrato se fundirá como a geada do inverno
e se perderá como água que escorre (Sb 16, 26-29).

Barriga cheia ou prato vazio?

À luz do que se está passando na Nicarágua, o que podemos dizer? Que continua a ser esta a grande tentação do homem: viver na escravidão, mas “de barriga cheia”, ou servir a Deus ainda que à custa de um “prato vazio” (representando aqui todo tipo possível de sacrifício). 

Não que não seja possível adorar a Deus e ter comida na mesa, ao mesmo tempo; e a história do Holodomor, na Ucrânia, também mostra que se pode muito bem ficar sem os dois. Mas precisamos entender que existe sempre uma prioridade máxima, e não deve haver nenhuma dúvida de qual seja ela. Pois, se o nosso bem-estar e conforto materiais são mais importantes que Deus, então não só não somos dignos do Céu; tampouco podemos nos chamar homens — pois ignoramos o que há de mais nobre e elevado em nós mesmos, pensando que nosso estômago vem primeiro que nossa alma.

            Semana Santa em Antigua, na Guatemala. Foto de 1981.

Em tantos lugares do mundo, por exemplo, onde a Rússia espalhou os seus erros — como previsto por Nossa Senhora de Fátima —, quantos não se entregaram alegremente aos inimigos de Deus, por vias “democráticas”, seduzidos justamente por promessas baixas de dar carne a toda uma população ou erradicar-lhe a fome? E a que preço se venderam? Ao preço de sua santa fé, de seus valores mais íntimos, de sua liberdade de culto e de consciência. Ao preço de bispos, encarcerados simplesmente por ser católicos, ou de vidas inocentes, ceifadas antes mesmo de virem à luz.

É triste dizê-lo, mas, centenas de anos depois, nós nos esquecemos das lições de Moisés e de Jesus no deserto. Para nós, aparentemente, é só de pão mesmo que vive o homem. 

“Ah — alguém poderá dizer —, mas Jesus alimentou as multidões quando multiplicou os pães e os peixes!” Sim, claro, mas será que era  desse pão, terrestre, passageiro e perecedouro, que Jesus queria que os Apóstolos alimentassem as multidões quando disse a eles: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14, 16)? Ou não falou Ele expressamente, no início do discurso do pão da vida: “Trabalhai não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece para a vida eterna e que o Filho do Homem vos dará” (Jo 6, 27)?

O que está acontecendo na Nicarágua neste ano de 2023 — e que tem acontecido em todos os regimes anticristãos das últimas décadas — deve soar mais uma vez o alerta para nós todos: Não só de pão vive o homemOs porcos têm suas lavagens e os urubus, suas carniças. Mas eles não têm Semana Santa. Os bichos não saem às ruas em procissão para cantar hosanas ao filho de Davi, nem para bater matracas de luto pela morte do Filho de Deus. A fé é própria do homem, muito mais que o alimento para o estômago (cf. 1Cor 6, 13).

E se não é para isto que existimos — para crer no Deus verdadeiro e louvá-lo com nossa vida; se não nos importamos em ter tolhida nossa liberdade mais fundamental — a de prestar culto a Ele —, então é porque já descemos há muito tempo ao nível dos animais; e pior: nem nos incomodamos com isso.

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👆 OLAVO DE CARVALHO

A Igreja humilhada (I)
(Publicado originalmente no Diário do Comércio, em 24 de Julho de 2015, disponível no site do professor)

Os cérebros iluminados da mídia nacional e internacional enxergaram aí toda sorte de intenções ecumênicas e diplomáticas, mas não creio que esse simples detalhe de um discurso papal possa ser compreendido sem um recuo histórico de muitos séculos.

“Nós falamos com palavras, mas Deus fala com palavras e coisas”, dizia Sto. Tomás de Aquino. Na época dele, e de fato desde o começo do cristianismo, isso era uma obviedade de domínio público.

Muito antes de ditar aos profetas as palavras da Bíblia, Deus havia criado o universo, sendo inconcebível que não deixasse aí as marcas da sua Inteligência, do Logos divino que contém em si a chave de todas as coisas, fatos e conhecimentos.

Nada mais lógico, portanto – assim pensavam os santos e místicos — , do que buscar nas formas e aparências do universo físico os sinais da intenção divina que tudo havia criado.

O próprio texto da Bíblia está tão repleto de referências a animais, plantas, minerais, partes do corpo humano, acidentes geográficos, fenômenos astrais e climáticos, etc., que sem algum conhecimento da natureza física sua leitura se torna completamente opaca. Não havia e não há como fugir desta constatação elementar: o universo era a primeira das Revelações.

Essa intuição não havia escapado aos povos pagãos da Antiguidade, cujas culturas se erguem inteiramente em cima de prodigiosos esforços para apreender alguma mensagem divina por trás dos fenômenos da natureza terrestre e celeste e fazer da sociedade inteira um modelo cósmico em miniatura (a bibliografia sobre isso é tão abundante que não vou nem começar a citá-la).

Apesar da imensa variedade das linguagens simbólicas que se desenvolveram nas mais diversas épocas e lugares, elas todas obedecem a um conjunto de princípios que permitem estabelecer correspondências entre as concepções cosmológicas e antropológicas dessas civilizações.

Essas concepções foram absorvidas e apenas ligeiramente remodeladas pela Europa cristã para tornar-se veículos de uma cosmovisão bíblica.

A principal modificação foi um senso mais apurado da índole dialética do simbolismo natural, onde os fatos da natureza física já não apareciam como expressões diretas da presença divina, como no antigo culto dos astros, mas como indícios analógicos que ao mesmo tempo revelavam e ocultavam essa presença (expliquei um pouco disso no meu livro A Dialética Simbólica, São Paulo, É-Realizações, 2007).

A cosmologia medieval incorporava o velho mapa planetário ptolemaico, com a Terra no centro e as várias esferas planetárias – correspondentes a distintas dimensões da existência – afastando-se até o último céu, morada de Deus. Que esse mapa não devesse ser interpretado como um simples retrato material do mundo celeste, prova-o o fato de que ele era compensado dialeticamente por uma concepção oposta, na qual Deus estava no centro e a Terra na extrema periferia.

A tensão entre as duas esferas condensava de uma maneira abrangente os paradoxos da existência humana num ambiente natural que era ao mesmo tempo um templo e uma prisão. A visão medieval do céu não era uma cosmografia, mas uma cosmologia – uma ciência integral do significado da existência do homem no cosmos.

A eclosão do debate heliocentrismo versus geocentrismo baixou o nível da imaginação pública para um confronto entre duas concepções puramente materiais, rompendo a tensão dialética entre as duas esferas e rebaixando a cosmologia ao estado de mera cosmografia.

Os progressos extraordinários desta última serviram para mascarar o fato de que a modernidade assim inaugurada ficou totalmente desprovida de uma cosmologia simbólica, não havendo até hoje nenhum meio de articular a visão material-científica do universo com os conhecimentos de ordem espiritual: essas duas dimensões pairam uma sobre a outra sem jamais interpenetrar-se, como água e óleo num copo, de tempos em tempos ressurgindo, sob formas variadas, o “conflito entre ciência e religião”, ou “entre razão e fé”, o qual, nesses termos, só pode ser apaziguado mediante arranjos convencionais de fronteiras, tão artificiais e instáveis quanto qualquer tratado diplomático.

O que era tensão dialética tornou-se um dualismo estático, como numa guerra de posições entre exércitos imobilizados cada um na sua trincheira. Talvez o traço mais característico da modernidade seja precisamente a coexistência enervante entre uma ciência sem espiritualidade e uma espiritualidade sem base natural.

Para piorar ainda mais as coisas, a ruptura entre as duas dimensões não se deu só no domínio da cosmologia, mas também na metafísica e na gnoseologia, onde René Descartes, rompendo com a antiga visão aristotélico-escolástica do ser humano como síntese indissolúvel de corpo e alma, ergueu um muro de separação entre matéria e espírito, fazendo deles substâncias heterogêneas e incomunicáveis.

Malgrado as inúmeras contestações e correções que sofreu, o dualismo cartesiano acabou por deitar raízes tão fundas na mentalidade ocidental, que suas conseqüências nefastas ainda se fazem sentir até mesmo no domínio das ciências físicas (v. Wolfgang Smith, O Enigma Quântico, trad. Raphael de Paola, Campinas, Vide, 2011).

Na esfera cultural, isso resultava em dividir o universo inteiro da experiência em duas categorias: os objetos reais, isto é, materiais e mensuráveis, conhecidos pela ciência física, e os puramente pensados, para não dizer imaginários – leis, instituições, valores, obras de arte, o mundo propriamente humano.

Dos primeiros, só o que se podia saber eram as suas propriedades mensuráveis, sendo proibido querer descobrir neles algum significado ou intenção. Os segundos eram repletos de significado, mas só existiam como pensamentos, como “construções culturais” sem nenhum fundamento na realidade.

Por mais obviamente danosa à cosmovisão cristã que fossem essas ideias, elas foram rapidamente assimiladas pela intelectualidade católica. Durante todo o século XVIII o cartesianismo foi a doutrina dominante nos seminários da França. As chamadas “heresias modernistas” ainda não haviam surgido, mas a hegemonia intelectual cristã estava perdida. Rendeu-se praticamente sem luta.

Começava uma era na qual uma alma cristã não teria alternativa exceto amoldar-se à mentalidade moderna ou esbravejar em vão contra o que não podia vencer – as duas atitudes que até hoje caracterizam respectivamente os “modernistas” e os “tradicionalistas”.

A pá de cal foi lançada por Immanuel Kant, quando cavou um abismo intransponível entre “conhecimento” e “fé”, enfatizando a autoridade universal do primeiro e trancafiando a segunda no recinto fechado das meras preferências e fantasias particulares – uma doutrina que se tornou a base não só do positivismo científico ainda imperante nas universidades em geral, mas também de todo o “Estado laico” moderno, onde não há diferença legal entre crer em Deus, em duendes, em extraterrestres, nas virtudes espirituais das drogas alucinógenas ou na bondade de Satanás.

[Continuo a narrativa no próximo artigo.]

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👆 HUMOR

E nas True Outstrips de hoje:

- A conclusão das Fábulas Escabrosas, trazendo a moda recente dos filmes de super-heróis, com suas continuações e spin-ups infinitos! 😂;

- Aí o Et Bilu-bilu retorna e ficamos sabendo a razão de sua ausência: ele estava fazendo o COF! 👌

- E como sempre, o espelho-espelho-meu fala a verdade, deixando dessa vez um milico encabulado... essa geração Nutela de milico, viu!

- E aí a gente acaba descobrindo que todo mundo do BSM já fez KAGGADinha na vida! 😂

- E na saideira, a gente descobre a tática infalível e imbroxável de pegar canhotos na hipocrisia, hehehe!

Se nada acontecer comigo, a gente se vê de novo em 15 dias!
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- Ah, e quem puder, colabore com as True Outstrips! É você que as mantém funcionando sem dinheiro de Rouanet, Secom, e cia limitada!



(12+1/03/2023)




E não se esqueçam! VEM AÍ...


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LEITURA RECOMENDADA

Estamos na metade da Quaresma. Ainda dá tempo de você comprar a recomendação de hoje, ler (é curtinho, apenas 44 páginas) e meditar bastante sobre um dos maiores e mais importantes mistérios do Cristianismo, a Paixão de Nosso Senhor Jesus, e ainda melhor, saido da pena de quem viveu esse mistério NA PELE: São Padre Pio de Pietrelcina. Bom resto de Quaresma para todos vocês, e que todos nós possamos nos livrar um pouco mais do homem velho este ano. Amém!

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