Edição LXIX (Terça Livre, Revista Esmeril 38, opinião e mais)
REVISTA ESMERIL 38
- Sette-Câmara ou Sete-Pele? (Bruno Fontana)
- Deus (Leônidas Pellegrini)
De uma insatisfação popular legítima, o país foi levado à uma ação tática politiqueira que conduzia o povo para uma estratégia totalmente alheia ao que se ouvia nas ruas. Sem representatividade, o povo foi aos poucos engolindo as próprias reivindicações para aceitar o que vinha “de cima”, do alto do poder constituído, era o patrão ouvindo o funcionário.
Após o teatral impeachment, o povo continuou a reivindicar as mesmas coisas, elege Bolsonaro e nada mudava o desejo do povo: ver os criminosos atrás das grades. Durante quatro anos, a população estava se “segurando” para que nada atrapalhasse o mantenimento do único representante que queriam no poder executivo. Toleraram tudo para Bolsonaro fosse reeleito. Isso não ocorreu e quem deveria estar na cadeia, teve não apenas a “absolvição” garantida pela Globo e pelo TSE/STF. A coisa piorou e o LADRÃO foi “eleito” pelos mesmos que o consideram “inocente”, ou seja, Globo e STE/STF.
Lá vai o povo às ruas novamente. Dessa vez o pedido podia ser visto na lente dos drones, nas faixas em português e em inglês: SOS FFAA. E o que significa SOS FFAA? Um claro pedido para que Lula, Moraes e demais criminosos fosse presos imediatamente. Não precisa ter décadas de estudo para entender isso. O pedido está claro.
O que fazem os políticos? Pedem uma CPI. O pedido de SOS não estava em grego, tampouco em mandarim. Por que os deputados e senadores não levaram às tribunas o pedido do POVO, o poder CONSTITUINTE? Por que não levam ao Congresso o pedido de uma INTERVENÇÃO MILITAR, prevista no artigo 142 etc?
Pelo simples motivo de ter esses políticos na cabeça o enquadramento feito pelos comunistas: eles já se autosabotam aceitando passivamente que um pedido constitucional feito pelo PODER CONSTITUINTE seria “antidemocrático”.
Coitada da “Nova Direita” – seja lá o que isso signifique! Mal nasceu e já começa a ser apedrejada pela própria Direita. Sei que o propósito da Esmeril do mês é fazer uma defesa do conservadorismo contra as críticas absurdas da Esquerda. Mas sob o risco maior de que, feito a economia soviética, os direitistas se auto-destruam, optarei por estabelecer antes uma resistência ao socialismo interno do que ao externo, antes à Direita esquerdista, por assim dizer, do que à Esquerda propriamente dita. Não sendo minha intenção fazer com que o leitor fique zonzo diante de tamanha confusão espacial e termine o texto sem nem mais saber se é destro ou canhoto, vou desde já nomear o Tinhoso que será assunto de meu texto: seu nome é Pedro Sette-Câmara (ou – quem sabe?! – devêssemos apelida-lo Pedro Sete-Pele).
Escolhi falar de Pedro não só porque ele, a meu ver, é hoje o mais importante crítico da direita olavista e cultural, mas também por ser ele um dos principais responsáveis pela popularização da própria expressão “Nova Direita”.
Se bem analisado, aliás, esse rótulo descreve muito mal o conteúdo. Desde a década de 90, Olavo alerta seus leitores e alunos para o fato de que a guerra cultural jamais deve ser reduzida a uma bandeira política: a sincera busca da verdade só pode encontrar expressão autêntica em consciências individuais, jamais em coletivos abstratos feito “a Direita” ou “a Esquerda”. Mas, apesar da má vontade na classificação de todo um movimento intelectual que se aproxima cada vez mais de mudar para sempre os rumos da cultura nacional, muitas das críticas de Sette-Câmara são justíssimas – inclusive porque carecem de extensão –, como, para citar apenas essas, as que compõem os textos A direita do inferno ao purgatório e As consequências têm ideias.
Os problemas começam a surgir quando Pedro se põe a tratar de questões que nitidamente fogem à alçada de um “apenas professor de literatura, especialista em René Girard”, como ele mesmo se descreve. Por exemplo, em “Ai, só leio clássicos”, outro textículo de Instagram, mostra-se nítida sua incompreensão do real e deplorável estado da educação brasileira. Contra a moda “direitista” atual de revalorizar os clássicos, ele começa por dizer que “não há coisa mais triste que só ler os clássicos”. O argumento é o seguinte: fechar-se à descoberta de novos autores, com o pretexto de ler apenas aquilo que já foi consagrado pelo tempo, é um ato de covardia, é querer encontrar segurança demais num mundo que, por sua própria natureza, não tem nada de seguro: o mundo das aventuras das ideias.
De fato, o verdadeiro homem de estudos precisa ter, pelo menos, alguma dose de ousadia, de ambição, de criatividade. Mas reduzir a atual revalorização dos clássicos a uma “mistificação”, como ele o faz, é no mínimo, não compreender as deficiências concretas dos estudantes brasileiros.
No Brasil, saímos da escola ignorando completamente quem foram homens como Virgílio, Dante e Goethe, ou mesmo Gilberto Freyre e Nelson Rodrigues. É comum que não se tenha noção nem das diferenças básicas entre gêneros literários: poesia, conto, novela, romance etc.
Diante de uma catástrofe educacional feito essa, como incentivar o estudante a deixar os clássicos de lado em nome de um programa de estudos caótico e sem direcionamento? O resultado inevitável seria – como, aliás, já é – uma total perda do senso das proporções, na qual Hamlet e Memórias Póstumas são substituídos por Harry Potter e A culpa é das estrelas.
A função do apego inicial aos clássicos é justamente preparar o neófito para, no futuro, poder encontrar, sozinho, o seu próprio caminho. Triste não é ler só os clássicos, triste é não saber nem por onde começar. A índole conscientemente anti-formativa e anti-didática de um professor que só consegue ter algum público hoje em razão do monstruoso esforço formativo e didático, realizado por outro professor no passado (Olavo), chega a soar risível.
No entanto, o pior das ideias de Sette-Câmara aparece no tratamento de questões de alto teor histórico e filosófico, como aquelas referentes ao problema da “ordem” e da “crise da cultura” no Ocidente. Em texto intitulado Não existe ‘crise da cultura’, Pedro afirma:
“Se você é ocidental, se você dá valor à filosofia grega, à famosa tradição judaico-cristã, não entendo por que fala em crise da cultura. A cultura é uma crise. Sócrates foi condenado por corromper a cidade. […] O sumo sacerdote Caifás rasgou as vestes ao ouvir Cristo falar. Caifás é a ordem. Cristo é a crise. […] A ‘cultura ocidental’ é uma longa e imensa crise.”
Não se preocupe o leitor, tal argumento não passa de um sofisma barato. Como Sette-Câmara não acredita na existência de uma crise da cultura, talvez ele tenha optado por se dedicar à leitura de Michel Foucault (ele mesmo o confessa) em vez de estudar um pouco de lógica aristotélica e, assim, acabou não se dando conta de que suas próprias faculdades intelectuais é que só podem estar em crise com uma argumentação de tão baixo nível. Parece que as várias infecções de Covid realmente lhe afetaram os nervos.
Sócrates e Jesus representaram, de fato, uma ruptura crítica em relação ao establishment cultural da época. Mas a crise gerada por eles de nada valeria se não tivesse sido ocasionada em nome da instauração de um novo e superior padrão de ordem, uma nova cultura.
Na verdade mesmo, não só aos olhos de Sócrates, mas também aos de Platão e Aristóteles, a sociedade helênica é que estava mergulhada em uma crise anômica, porque desprovida de valores transcendentais que lhe servissem de orientação. A filosofia nasce com o propósito de revitalizar a pólis grega a partir da substância de ordem presente na alma dos amantes da sabedoria, que educaram seu espírito de acordo com o paradigma das “leis divinas, não escritas”, a estrutura metafísica da realidade: o Logos divino que depois se fez carne e habitou entre nós.
O homem da Alegoria da Caverna não foge simplesmente depois de descobrir a luminosidade do mundo exterior. A fim de incorporar, na esfera da imanência, o que lhe fora revelado pela fonte da verdade transcendente, ele retorna às sombras da gruta e informa os antigos colegas da descoberta que fizera. Jesus, se não tivesse tido mais ou menos o mesmo propósito, jamais teria deixado, antes de ir embora, a Igreja enquanto seu corpo místico na Terra.
Nada garante, é claro, que os novos valores sejam absorvidos com sucesso na cultura universal. Mas se não houvesse qualquer esperança de que essa absorção de algum modo acontecesse, nem o calvário nem a cicuta teriam valido a pena. Ambos os eventos mudaram a história do mundo para sempre: a imitatio Socratis e a imitatio Christi se tornaram os paradigmas irrevogáveis da ordem da cultura ocidental.
Enfim, decerto em razão dos mesmos defeitos cognitivos já mencionados, ele conclui alhures que “a guerra cultural é para idiotas” e que Jordan Peterson, o “pajé canadense”, se alimenta – contrariamente aos ensinamentos de Cristo – do ódio às multidões que ele mesmo critica por serem odientas. Sette-Câmara soa muito espirituoso em tudo que diz. Só não é espirituoso o suficiente para dar-se conta de que seus escritos jamais teriam alguma significância se não possuíssem quase como única e exclusiva finalidade tirar sarro das multidões olavo-direitistas, por meio de uma guerra cultural. Pensando bem, talvez ele tenha tanta espirituosidade que, com isso, esteja chamando a si mesmo de idiota, e nós é que somos incapazes de reconhecer tamanha humildade intelectual em alguém.
Retomando a sugestão feita no início do texto, os engraçadíssimos apelidos criados por Olavo contra seus desafetos jamais foram escolhidos a esmo. Tudo era muito bem calculado para descrever a essência patética da figura pública em questão: Leandro Espiritual, Márcia Tiburra, Kim Katacoquinho, Tico Senta-cus, Arruinaldo Azevedo etc.
Não será possível manter-se fiel às doutrinas do mestre, sem reproduzir também sua filosofia do humor, seu, tipicamente brasileiro, sarcasmo intelectual. Está na hora, portanto, de criar novos apelidos para novos desafetos. A partir de hoje Pedro Sette-Câmara se muda em Pedro Sete-Pele. Como se vê claramente nos seus textos, o que haveria de mais típico no comportamento do Tinhoso, o príncipe da enganação, do que o propósito de “acusar os outros do que você faz, e chama-los do que você é”?
Baseado no poema homônimo de Casimiro de Abreu
Aquela manhã era uma dessas: céu cor de chumbo, chuva grossa e insistente, duradoura, sem hora para acabar. E a praia, seu parque particular, seu reino. A mãe ali perto, sempre atenta e solícita para participar das brincadeiras se ele a chamasse. Naquele dia ele brincou sozinho, desafiando as ondas que chegavam ali na areia, investindo contra elas como se fossem inimigos, depois jogava a espuma branca para o alto. Quando cansou, sentou e ficou observando o mar um longo tempo, fixando-se ora na espuma que vinha lamber a areia, ora na imensidão de água que se estendia para o horizonte, o céu carregado, os raios que tanto o encantavam, lá em alto-mar. A mãe sentou-se ao seu lado, afagou-lhe os cachos molhados. Então, ele perguntou:
– Mãe! Tem coisa maior que o mar?
– Tem sim, filho…
Sem dar tempo de ela continuar, o pequeno disparou:
– E mais poderoso que o vento?
– Te…
– E mais bonito que a chuva? Que os raios? Tem?
– Tem…
– O que é, mãe? O que é? Me mostra?
– Mas vocês já conhece…
– Já???
A mãe sorriu enquanto ainda acarinhava os cachinhos, os dedos deslizando por entre os anéis. O menino insistia, inquieto, ansioso. O que era maior que o mar? Mais forte e poderoso que o vento? Mais bonito que a chuva e os raios? O quê? Então, ela tomou o olhou bem nos olhos, e falou com simplicidade:
– É Deus.
Mas isso é evidentemente falso. Muitas pessoas não só podem corresponder a esse tipo de música e de arte, como já as amam, ou consideram-nas intrigantes e convincentes quando a elas expostas — é algo “autêntico”. Elas amam o som do latim e do canto gregoriano, o visual das catedrais góticas, os vitrais e as nobres esculturas. Repare na contínua popularidade das gravações de música medieval ou renascentista, ou dos livros de arte repletos de fotografias das grandes igrejas, retábulos e tapeçarias do passado. Tais coisas são perenemente atrativas a todo o mundo, do iletrado à pessoa com educação superior. Basta prestar atenção nas expressões de espanto e maravilhamento de tantas pessoas que visitam as catedrais góticas na Europa. A beleza majestosa ainda expressa de modo poderoso o que é divino, eterno, imortal e espiritual. Trata-se de catequese sensível, de mistagogia experimental. Nós, seres humanos, precisamos disso.
O propósito da boa liturgia e da boa música é treinar os sentidos, habituar as pessoas à beleza, conduzi-las a uma forma mais elevada de vida, pensamento e sentimento. Quando nascemos, somos pessoas simplórias que podem aprender a se contentar com muito menos do que nossa dignidade humana merece e é capaz. As antigas obras-primas são dons de Deus para a cultura cristã e deveriam ser a norma usada para medir todas as outras contribuições. Na verdade, seria exatamente um retrocesso permitir que as preferências da cultura popular, e seu desvio em direção à pseudoarte comercializada em massa, ditassem o que os católicos mais devem estimar.
Chamamos de “grandes” as obras-primas da arte porque seus valores transcendem o tempo; até a língua latina é atemporal, um bem comum a todas as nações e que não pertence a ninguém. A qual nação pertence a Missa Papae Marcelli, de Palestrina? A qual período está limitado o Requiem, de Mozart? A que classe social estão restritas as fugas do Magnificat, de Pachelbel? A que ocasião especial estão limitados os próprios gregorianos? Perguntas tolas, todas elas! A grande música sacra e todas as grandes obras de arte pertencem a todos. São uma herança e uma bênção para todos os membros do Corpo Místico de Cristo, a alegria de todas as almas onde quer que a Igreja Católica construa suas igrejas e consagre seus altares. Quem poderia dizer que as obras de Johann Sebastian Bach — como a Missa em Si menor — são “antiquadas” e não conseguem mais tocar os corações das pessoas? As obras de Bach tocam o coração da forma mais profunda possível.
O estudante sério, como se sabe, é uma espécie da qual presumo haver salvado da extinção alguns dos poucos exemplares que ainda restam no Brasil, e até fomentado a geração de uns quantos em proveta, longe daquela raça temível de predadores que são os pedagogos e os burocratas do Ministério da Educação.
Um daqueles raros sobreviventes envia-me uma pergunta das mais interessantes, merecedora de resposta em jornal. Quer ele saber se o artista, o poeta, o escritor infectado de mentalidade revolucionária está irremediavelmente perdido para a criação artística ou pode, pelo gênio pessoal, transcender nela a mecanicidade grosseira do pensamento revolucionário.
Se aceitamos a definição croceana da arte como “expressão de impressões” – e até hoje não vi motivo para rejeitá-la –, a resposta à pergunta torna-se auto-evidente. A mentalidade revolucionária é essencialmente a inversão do sentido do tempo, a arrogância psicótica de interpretar o presente e o passado à luz das virtudes imaginárias de um futuro hipotético. O futuro enquanto tal não pode ser objeto de impressão, só de conjeturação imaginativa ou de construção mental. Uso estes dois termos para designar atividades diametralmente opostas: a primeira consiste em ampliar simbolicamente as impressões do presente e jogá-las num futuro imaginário, como fizeram George Orwell e Aldous Huxley em “1984” e no “Admirável Mundo Novo” respectivamente. A segunda inventa o futuro e remolda à luz dele as impressões do presente. É esta a única via aberta à “arte revolucionária”. Mas é certo que essa arte já não é mais arte e sim mero revestimento estético de uma construção conceptual. Cabe aí a distinção que Saul Bellow fazia entre os “intelectuais” e os “escritores”, estes incumbindo-se do ofício propriamente artístico de transmitir as “impressões autênticas”, aqueles tratando de deformá-las segundo uma construção hipotética.
A mentalidade revolucionária é intrinsecamente hostil à criação artística, porque volta as costas às “impressões autênticas”, reconstruindo o mundo segundo os cânones de uma “segunda realidade” artificial e artificiosa. O termo “segunda realidade” é de Robert Musil, e quem o leu sabe do gigantesco esforço que esse escritor dispendeu para restaurar a arte do romance numa atmosfera cultural em que as idéias e ideologias pareciam ter sepultado esse gênero sob a grossa placa de chumbo das construções conceptuais.
Isso não quer dizer, no entanto, que todo artista politicamente comprometido com uma causa revolucionária permaneça escravo dela no exercício do seu mister criativo. A história das artes no século XX – e especialmente da literatura – é uma galeria de consciências dilaceradas entre a fidelidade ao futuro hipotético oferecido pelas ideologias e a realidade presente das “impressões autênticas”.
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