Edição LXV (Terça Livre, Revista Esmeril 35, opinião e mais)

  Tempo de Leitura LXV

(Opinião, artigos e cultura para pessoas livres)


Resumo semanal de conteúdo com artigos selecionados, de foco na área cultural (mas não necessariamente apenas), publicados na Revista Esmeril e outras publicações de outras fontes à minha escolha. Nenhum texto aqui pertence a mim (exceto onde menciono), todos são de autoria dos citados abaixo, porém, tudo que eu postar aqui reflete naturalmente a minha opinião pessoal sobre o mundo.


ACOMPANHE
   



REVISTA ESMERIL 35

Choveu, foi? (Leônidas Pellegrini)

Chesterton e o rei Charles III (Vitor Marcolin)







Onde quer ir primeiro?



    

19 de Setembro de 2022
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👆 Com a palavra, Terça Livre!




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MEMÓRIA TERÇA LIVRE
(matérias de edições antigas da revista que ainda são atuais)


Hoje voltaremos no tempo para a edição 34 da Revista Terça Livre, de 03 de Março de 2020.



O novo site do Terça Livre está de volta, e com ele, todos os cursos e todas as edições da Revista Terça Livre desde o seu início. acessem:
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Escolham um plano e tenham acesso a todo o conteúdo.


COMPORTAMENTO


👆 Como o marxismo cultural impôs o sexo livre
(por Priscila Dalcin)

Movimento mudou costumes brasileiros e fez cair por terra a valorização da castidade antes do casamento


Apesar dos conservadores terem a sua visão de mundo formatada a partir do cristianismo e cerca de 80% da população brasileira declarar-se cristã, a desordem da sexualidade tomou conta do povo, das famílias e do país, especialmente na última década e meia. “Obviamente, a mensagem conservadora é diferente dependendo do país, seu povo e sua história. O Brasil é um caso especial; o país é herdeiro da civilização ocidental, do cristianismo e do Estado de Direito”, disse o britânico Roger Scruton, maior filósofo conservador do século XX.


Colonizado por diversas culturas como a italiana, a polonesa, alemã, francesa e portuguesa, além de outras também presentes no país, embora com menor representatividade, o Brasil teria motivos para que o conservadorismo não prevalecesse por conta da falta de unidade entre as culturas. “O conservadorismo é a arte de expandir e fortalecer a aplicação dos princípios morais e humanitários tradicionais”, elucida o filósofo Olavo de Carvalho em seu artigo de 2007, intitulado “Por que não sou liberal”.


Miraculosamente, o país formatou sua cultura a partir de um misto da interação entre todas as culturas presentes no território nacional, provavelmente porque a maioria delas também eram calcadas no cristianismo. Com isso, a cultura brasileira manteve as bases do conservadorismo firmemente fincadas até o meio dos anos de 1950. No entanto, a corrupção de valores e costumes promovida pelo marxismo cultural e pelo movimento do sexo livre nos anos de 1960 fez cair por terra a valorização da castidade antes do casamento, e a consequência se alastrou para diversas esferas sociais: linguagem, relacionamentos, família e política.


Dizem que os conservadores são chatos, mas que, apesar disso, eles têm razão. De fato, é historicamente comprovado que a preservação dos valores morais que norteiam uma sociedade conduzem-na a um caminho próspero. Quando esses valores são corrompidos, da mesma maneira aquela sociedade cai em ruínas. Mas, ao deixar de manter e fortalecer os valores que fundamentam o conservadorismo, o país abriu portas para outras cosmovisões adentrarem o imaginário brasileiro e começarem a moldar os comportamentos, especialmente com a adoção do sexo livre em todos os âmbitos. “É contra a natureza do ser humano praticar o sexo livre, sendo necessária a união de um homem a uma determinada mulher, com a qual ele permaneça não por pouco tempo, mas diuturnamente e mesmo por toda a vida”, explicou o filósofo italiano São Tomás de Aquino, em sua obra mais famosa, a Suma Teológica.


Contaminado pelos hedonismo e permissivismo, o tecido social esgarçou-se. A comunicação adotou a linguagem do sexo livre, impulsionando um comportamento promíscuo em massa, que por sua vez contaminou a célula mater da sociedade: a família. Alcançadas e adulteradas pelo sexo livre, corromperamse com a entrada do divórcio e da elevação do número de adultérios. Da comunicação não restou nada: na linguagem, tanto as palavras quanto as imagens são tomadas de ideias pornográficas; o falar, o andar, o olhar das pessoas foi transmutado, bem como as intenções nas relações.


Apesar dos conservadores comungarem das mesmas ideias no que diz respeito à preservação dos costumes e valores morais em uma sociedade, o livre mercado, a defesa da vida desde o ventre até a morte natural e a defesa pelo armamento do cidadão comum, quando o assunto é a sexualidade, esquecem-se daquilo que fundamenta o conservadorismo – o cristianismo – e mergulham profundamente no liberalismo, onde tudo é permitido desde que – supostamente – não prejudique o outro. Evidentemente que, sob essa perspectiva, o princípio da não-agressão é colocado em prática, uma vez que não há violência física contra outrem. No entanto, quando o desregramento sexual é generalizado, ocorre a violência emocional, bem como a usurpação da identidade de um povo.


Ao usar uma pessoa como um objeto para realizar aventuras sexuais, ou mesmo fazê-lo, ainda que dentro de uma suposta relação estável, mas não comprometida em conformidade com os valores cristãos, ou seja, o sexo fora do sacramento matrimonial, as consequências sociais são terríveis. A perdição inicia-se na perda da pureza do coração, que se reflete na perda da pureza de intenção, que por conseguinte acarreta a perda da pureza das relações. Ou seja, toda a estrutura social se deteriora e o reflexo disso alcança o segmento da sociedade que comanda a vida de todos: a política.


Com isso, sendo as relações destituídas de pureza, famílias não se formam ou não se firmam pelo tempo devido (até que a morte separe os cônjuges), amigos e colegas de trabalho relacionam-se a partir do princípio 
utilitarista, usando o outro até quando não for mais útil aos próprios interesses. Diante desse cenário, é perceptível como a decadência da sociedade comprovadamente inicia-se no desregramento da sexualidade – eis a doença social que o povo brasileiro precisa extirpar imediatamente se quiser ver a sua terra sarada, o seu povo em júbilo e vivendo prosperamente.

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REVISTA ESMERIL - Ed. 35, de 29/08/2022 (Uma publicação cultural digital e mensal de Bruna Torlay. Assinar a revista


CONTEÚDO LIBERADO | DOSE DE FÉ | SANTO CONTO

👆 Choveu, foi?
(por Leônidas Pellegrini - 18/09/2022)

Baseado em um episódio da vida de São Charbel Makhlouf 

devastação estendia-se por todo lado. Driblando os destroços espalhados pelo eremitério, os monges gritavam desesperados pelo Irmão querido. Horas antes haviam-no visto entrar na capela, agora um monte de pedras empilhadas, e ninguém o viu sair de lá. Mas não tinham certeza, porque ninguém testemunhara o que veio depois. Quando os primeiros trovões estouraram, até as almas mais serenas haviam se aterrorizado, e todos correram desabalados para suas celas, e rezaram por misericórdia.

Em meio a uma sequência de explosões celestes, a água caiu grossa, violenta, cortante. Lufadas de vento espancaram as paredes. E bem ali, na capela, as pancadas se concentraram com mais força. Primeiro, várias goteiras foram caindo, e então um buraco se abriu em um ponto do teto, dando vazão a uma cascata. Depois, quando a tempestade virou tufão, todo o teto foi arrancado, bancos voaram para longe, paredes desabaram, um raio derrubou uma árvore bem em cima da última estrutura que se mantinha firme. No fim, sobrava ali só entulho: pedras, galhos, folhas, animais mortos, barro, sujeiras variadas.  E o sol brilhando num céu azul e sossegado.

Quando os monges finalmente conseguiram vencer os obstáculos, pulando aqui, escalando ali, escorregando acolá, encontraram-no ajoelhado, alheio a toda a destruição em volta. Estavam, ele e o Santíssimo, intactos em meio às ruínas. Estivera em adoração o tempo todo, em comunhão profunda com o Senhor. Só despertou porque um monge mais afoito quase o esmagou num abraço aliviado:

– Irmão Charbel, estás vivo! Vivo! Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!

– Amém – ele ainda voltava do transe – Mas o que houve?

Não conseguiu acompanhar a narração atropelada do companheiro, e em meio a uma avalanche verborrágica pescou a palavra “chuva”:


– Ah! Choveu, foi?

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Esmeril, coluna semanal de 15 de Setembro



COLUNAS SEMANAIS





👆 Chesterton e o Rei Charles III
(por Vitor Marcolin - 15/09/2022)

O que o escritor inglês diria do novo monarca?

G. K. Chesterton morreu em junho de 1936, portanto durante o curto e malogrado reinado de Eduardo VIII – que abdicou depois de 326 dias no trono a fim de poder se casar com quem lhe apetecesse. O escritor inglês foi uma das últimas vozes na mídia britânica a oferecer resistência à mudança de ideias e costumes que atingiu o século XX com a força destrutiva de uma bomba atômica. Se ele pudesse escrever durante os meses derradeiros de sua vida, provavelmente faria o leitor refletir sobre a problemática de se ter no trono inglês um rei mulherengo – como havia sido o caso de Eduardo VIII. Evidentemente sem nenhuma novidade, visto que reis mulherengos reinaram não só na Inglaterra, mas em toda a Europa cristã. Um rei inglês, inclusive, movido pelo orgulho e pela paixão, decidiu criar uma nova igreja cristã no país simplesmente porque o Papa dissera “não” ao seu pedido injustificado de divórcio. 

Chesterton era dono de um estilo delicioso, o que provavelmente contribuiu para a sua popularidade no âmbito da cultura inglesa à época. Evidentemente a sua virtuose estilística era só metade daquilo que os leitores louvavam no seu trabalho. Com perspicácia, ironia e um senso de humor únicos, Chesterton tecia críticas à implosão da cultura ocidental, daí a sua relevância reconhecida pelo público. Para o leitor inglês as análises do autor de Ortodoxia tinham um sabor especial: elas frequentemente vinham emolduradas pelo panorama político e cultural da Inglaterra. O “príncipe do paradoxo”, como era chamado, foi um escritor sinceramente patriota; provavelmente por isto pôde desenvolver um senso de realidade muito superior ao dos seus pares contemporâneos. 

A decadência moral e espiritual do Ocidente acentuada pela nova conjuntura delineada pelas consequências da I Guerra Mundial era tema frequente nos artigos de Chesterton. Não é difícil conjecturar o que sairia da pena do escritor se lhe fosse dado testemunhar a II Guerra Mundial, o Nazismo, o Comunismo, a coroação de Elizabeth II, a oratória de Churchill, a polarização ideológica entre o Socialismo e o Capitalismo, o Concílio Vaticano II, o estouro da revolução dos costumes, o aparecimento dos Beatles, a veemência de Margaret Thatcher, … os escândalos protagonizados pela família real. Chesterton era mestre em falar sobre os descaminhos do mundo vistos a partir do horizonte da sua querida Inglaterra.  

O sucessor da rainha Elizabeth II, o agora rei Charles III, provavelmente não escaparia da pena irônica de Chesterton, escritor profundamente preocupado com a moral. Charles, seguindo quase uma regra da monarquia, havia sido mulherengo também — talvez não tanto quanto Eduardo VIII, rei contemporâneo à morte do escritor. Ora, Chesterton não era um escritor católico, mas um católico que escrevia; o autor de Ortodoxia sabia perfeitamente que aquilo que descaminhava o povo não era propriamente os pecados do rei, senão os seus pecados públicos. E o príncipe que esperou 70 anos para se tornar rei foi pródigo em escandalizar o povo inglês com os seus pecados evidentes.  

“Sistematicamente”, como alguns tablóides da época afirmavam, o então príncipe Charles traía a princesa de Gales, a tão popular Lady Di. O povo ficou escandalizado. Mas a quebra dos votos matrimoniais praticamente sempre foi uma constante na monarquia europeia, um dos pecados públicos mais comuns na História. Por que o tremendo impacto? Chesterton diria que os ingleses não lamentariam a traição sofrida pela princesa Daiana se ela não tivesse morrido tragicamente; ademais, o escritor diria também que a comoção nacional gerada pela morte de Lady Di impediu que os ingleses percebessem que ela não havia sido somente vítima de traição, senão também traidora. É como se aquele terrível acidente de automóvel que matou a princesa – e o seu amante – a tivesse redimido dos seus pecados e a elevado automaticamente à máxima categoria de santidade.  

A verdade é que o escritor inglês não perdoaria a ingenuidade dos leitores devotos dos tablóides. Mas não só. Chesterton não hesitaria em ironizar a facilidade com a qual todos os leitores deixam-se impregnar pelos chavões da mídia hoje em dia; como suas opiniões sobre o mundo são transmitidas pela linguagem afetada dos jornais, dos formadores de opinião que frequentemente desprezam o extraordinário da vida comum chestertoniana. G. K. Chesterton foi um dos últimos escritores influentes na mídia inglesa que manteve a consciência de que na comunicação com o leitor comum o jornalista não pode ignorar o fato de que seu leitor é alguém que está permanentemente sob a influência de imperativos maiores do que a mera política editorial. A lei natural, a religião, a moral, os valores cristalizados na ética cotidiana… É um crime desviar o homem comum do seu itinerário que o conduz ao acerto de contas com a Eternidade.  

Mas se Chesterton visse as fotografias do rei Charles paramentado à moda muçulmana, como divulgado nos tablóides da internet, ele poderia dizer, não antes de passar um tempo indeterminado se recuperando do susto, que o Juízo Final chegara finalmente. E se ele soubesse do engajamento do novo rei em causas estranhas à tradição milenar da monarquia diria que agora o inimigo da Inglaterra atravessara as muralhas do reino e acomodara os seus glúteos no mais eminente assento do país. A ponte de Londres caiu sobre todas as cabeças.


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Padre Paulo Ricardo - 17 de Setembro





TESTEMUNHOS

👆Ele passou 16 anos nas prisões comunistas
(por Tertulian Ioan Langa)

Neste testemunho, o Padre Tertulian Ioan Langa narra alguns dos momentos de seus interrogatórios e prisão nos campos de extermínio da Romênia. Saiba como este sacerdote contribuiu, a seu modo, “para a construção do sistema mais humano do mundo”.

O relato a seguir foi publicado pelo jornalista Sandro Magister em 2004. Trata-se do testemunho de um sacerdote idoso da Igreja Greco-Católica da Romênia, que passou 16 anos nas prisões comunistas. Seu nome é Tertulian Ioan Langa, e sua história veio a lume no Vaticano, durante a apresentação do livro Faith and Martyrdom: The Eastern Catholic Churches in Twentieth Century Europe [“Fé e Martírio: As Igrejas Católicas Orientais na Europa do Século XX”, sem tradução portuguesa].

Segundo Magister, o testemunho “é ao mesmo tempo espiritual e muito concreto — parte Soljenítsin, parte martirológio antigo. Desdobra-se entre o mistério da iniquidade — levado até os limites da imaginação — e o mistério da graça, com a ‘divina Providência’ que trabalha pelas mãos inconscientes dos carcereiros”. Para nós, é também uma prova da crueldade do regime socialista, que se repete onde quer que ele seja implantado.

Leiam e reflitam se este não é um mal que precisamos evitar a qualquer custo. 


“Mas o céu acima de nós é maior”

por Tertulian Ioan Langa

Meu nome é Tertulian Langa, e 82 são os anos de minha vida que não tornarei a ver. Destes, 16 foram concedidos às prisões comunistas.

Aos 24 anos, em 1946, eu era um jovem professor assistente na faculdade de filosofia da Universidade de Bucareste. As tropas russas tinham ocupado quase um terço da Romênia e, como era membro da faculdade, fui intimado a me inscrever com urgência no sindicato manipulado pelo Partido Comunista, colocado no poder pelos blindados soviéticos.

Desde então eu conhecia a posição firme do Magistério da Igreja Católica contra o comunismo, definido por ela como intrinsecamente mau. Portanto, não havia lugar em minha consciência para concessões. Renunciei à carreira universitária e refugiei-me no campo como trabalhador agrícola; mas isso não foi suficiente, pois eu era conhecido, já na faculdade, como católico militante e anticomunista. Um dossiê acusatório foi rapidamente improvisado contra mim; e como as acusações se fundavam em fatos ainda não criminalizados pelo Código Penal (relações com bispos e com a nunciatura, apostolado leigo), meu dossiê foi juntado ao dos grandes industriais. Após interrogatórios acompanhados de um tratamento atroz, o procurador declarou com perfeita lógica comunista: “No dossiê do acusado não consta nenhuma prova de sua culpa, mas pedimos ainda assim a pena máxima: 15 anos de trabalhos forçados. Afinal de contas, se ele não fosse culpado, não estaria aqui”. Protestei: “Mas não é possível que vocês me condenem sem que haja nenhuma prova!” E ele: “Não é possível? Eis como é possível: 20 anos de trabalhos forçados por ter protestado contra a justiça do povo”. E esta foi a sentença.

Isso aconteceu antes de a Igreja Greco-Católica da Romênia ser proibida pela lei. Eles tinham como certo que minha prisão e as torturas a mim aplicadas conseguiriam me transformar num instrumento para a futura incriminação de bispos e padres da Igreja Greco-Católica e da nunciatura.

Narrarei apenas alguns dos momentos de meu interrogatório e de minha prisão nos campos de extermínio comunistas.

Fui preso em Blaj, no gabinete do bispo Ioan Suciu, administrador apostólico da sé metropolitana greco-católica da Romênia e futuro mártir. Eu tinha me apresentado a ele, a cabeça de nossa Igreja, para pedir a iluminação da divina Providência, porque meu pai espiritual, o bispo Vladimir Ghika, outro futuro mártir, estava escondido na época. Alguém tinha me oferecido a possibilidade de deixar o país. Como este era um passo importante, não queria tomar a decisão sem determinar se era a vontade de Deus. E a resposta veio: minha prisão. Compreendi que teria de passar a minha vida nas prisões criadas pelo regime comunista, mas permaneci sereno: eu estava seguindo o caminho da divina Providência.

O bastão de ferro

Lembro-me da Quinta-feira Santa de 1948. Por duas semanas, todos os dias, eles me batiam com um ferro na sola dos pés, através dos meus sapatos: era como se um raio percorresse minha coluna vertebral e explodisse no meu cérebro, mas eles não me faziam perguntas. Estavam me preparando com o ferro para me tornar mais macio para o interrogatório. Minhas mãos e meus pés estavam atados, eu estava pendurado de cabeça para baixo e meus carcereiros enfiaram na minha boca uma meia que já havia sido usada muitas vezes nos sapatos e nas bocas de outros beneficiários do humanismo socialista. A meia tinha se tornado o redutor de ruído que impedia o som de passar para além do local de interrogatório. Por outro lado, era praticamente impossível emitir um único gemido. Além disso, eu estava bloqueado psicologicamente: já não era capaz de gritar nem de me mexer. Meus torturadores interpretavam esse comportamento como fanatismo da minha parte. E continuavam cada vez mais implacáveis, revezando-se na tortura. Noite após noite, dia após dia. Eles não me perguntavam nada, porque estavam interessados não em respostas, mas no aniquilamento da pessoa, algo que demorava a acontecer. E como o esforço para aniquilar minha vontade e ofuscar minha mente foi prolongado, também a tortura foi indefinidamente prolongada. Os sapatos surrados caíram dos meus pés, pedaço a pedaço.

Naquela noite de Quinta-feira Santa, numa igreja próxima, o ofício litúrgico foi celebrado, acompanhado como que por um pranto de sinos assustados. Estremeci. Jesus deve ter ouvido meu grito sufocado quando (não sei como) eu uivava de dentro daquele inferno: “Jesus! Jesus!” O som do meu grito, que foi capaz de passar pela meia, era incompreensível para os carcereiros. Como era o primeiro som que ouviam de mim, eles disseram que estavam satisfeitos, seguros de terem acabado comigo. Usaram um cobertor para me arrastar até a cela, onde desmaiei. Quando acordei, o inquisidor estava diante de mim com uma resma de papel na mão. “Você tem sido obstinado, bandido, mas só sairá daqui depois de pôr para fora tudo o que estiver escondendo. Aqui tem quinhentas folhas de papel. Escreva sobre todos os detalhes de sua vida: tudo sobre sua mãe, seu pai, suas irmãs, irmãos, sogros, parentes, amigos, conhecidos, bispos, padres, religiosos, políticos, professores, vizinhos e bandidos como você. Só pare quando tiver terminado o relatório”. Mas eu não escrevi nada. Não por uma espécie de fanatismo, mas porque não tinha a força necessária: até minha mente parecia vazia.

A loba

Após quatro dias, o mesmo indivíduo: “Já terminou de escrever?” Vendo que os papéis não tinham sido tocados, ele disse: “Se é assim, tire a roupa! Quero ver você como Adão no paraíso”. Assim eu passei vários dias, dias de pele nua sobre o chão, um conforto típico do humanismo socialista. Outro indivíduo apareceu à porta depois de um tempo: “Vamos ver, o que temos no papel? Nada? Ainda teimoso! Você vai ver que temos outros métodos”. Então ele saiu. E retornou com um enorme cão-lobo, com suas presas ameaçadoras à mostra. “Está vendo ela? É Diana, a cadela heroína que foi baleada por seus bandidos na montanha. Ela ensinará a você o que fazer. Comece a correr!” E eu: “Como assim, correr? Em uma sala de três metros?” Na sala havia também uma lâmpada de 300 watts, brilhante demais para uma sala de três por dois metros, e fixada não no teto, mas na parede, ao nível dos olhos. “Corra!” A loba, rosnando, estava pronta para atacar. Corri por seis ou sete horas, mas só percebi isso perto do amanhecer, ao ver a luz entrando na cela e ao ouvir o movimento no prédio. Às vezes, o homem deixava a loba sair para fazer suas necessidades. A mim, isso não era permitido. Quando comecei a perder o equilíbrio e a parar, a loba vigilante, como que por comando, afundou os dentes em meu ombro, na nuca e em meu braço.

Eu havia corrido sob a mira de seus olhos e presas durante 39 horas, sem interrupção. No final, desmaiei, e a loba saltou sobre mim. Ela mordeu meu pescoço, mas sem me estrangular. Então senti algo quente e cortante na minha testa e nos meus olhos, e entendi que o animal estava urinando no meu rosto. E foi pelas palavras dos meus carrascos que compreendi que tinha corrido por 39 horas. “Podíamos enviar esse para a maratona do Rio! Que resistência a do porco fascista!” Mas quando perceberam que nem a maratona tinha conseguido me convencer a fazer uma declaração sobre os bispos e a nunciatura, ou sobre algum amigo que procuravam, eles pensaram que seria útil passar para outra forma de persuasão: o saco de areia.

O saco de areia

Vladimir Lênin.

No dia seguinte, num escritório, amarraram minhas mãos e meus pés, e me puseram diante de uma mesa sobre a qual havia um pequeno saco. Atrás de mim estava um carcereiro, pálido e mudo. Sentado a uma mesa num canto, estava um homem careca com uma barbicha, claramente tentando se parecer com Lênin. Também estava mudo, mas fez um sinal com a cabeça. Meu algoz compreendeu a ordem. Pegou o saco e golpeou minha cabeça ritmicamente; a cada pancada seguia-se a palavra: “Fale!” Dezenas de vezes, centenas de vezes, não sei, talvez milhares: “Fale!” Mas ninguém me perguntava nada. Só aquela voz cavernosa, monótona, martelava em meu cérebro a ordem para que eu falasse, respondesse a qualquer pergunta apresentada pelo inquisidor à minha consciência. Não foi difícil para mim decifrar a ideia satânica de que queriam dominar a minha vontade. Depois de aproximadamente vinte golpes, comecei a aplicar o princípio moral age contra (“faça o contrário”), dizendo a mim mesmo a cada golpe: “Não falo!” Dezenas de vezes, centenas de vezes. Por meio da autossugestão, inculquei em mim a resposta: “Não falo!”, com o risco de me tornar escravo dessa forma única de me expressar. E foi o que aconteceu: a partir daquele momento, passei a responder automaticamente: “Não falo” a qualquer pergunta que me fosse feita, sobre qualquer assunto. Levei um ano inteiro de esforço mental para me livrar desse reflexo sinistro.

Vinte e oito centímetros

Por ser alguém desprovido de valor e interesse para os interrogadores, fui transferido para a prisão localizada a oito metros abaixo do terreno pantanoso de Jilava, construída para a defesa da capital, mas que se tornou inutilizável devido à grande infiltração de água. Nada sobrevivia lá exceto o homem, maior tesouro do materialismo histórico. Nas celas de Jilava, os pobres homens eram embalados como sardinhas — não em óleo, mas em seus próprios líquidos, uma mistura de suor, urina e a água que se infiltrava e gotejava incessantemente pelas paredes. O espaço era explorado da forma mais científica possível: uma área de dois metros de comprimento por 28 centímetros de largura para cada pessoa, desde que deitada de lado no chão. Alguns, os mais velhos, se deitavam sobre mesas de madeira, sem lençóis nem cobertores. Seus fêmures, a parte externa dos joelhos e dos tornozelos jaziam ao longo da madeira. Deitávamos sobre as extremidades dos nossos ossos, a fim de ocupar o menor espaço possível. Nossas mãos só podiam repousar sobre o quadril ou o ombro de um vizinho. Não conseguíamos suportar isso por mais de meia hora; assim, a um comando, todos se viravam para o outro lado, porque era impossível fazer isso individualmente. A pilha de corpos disposta dessa forma tinha dois níveis, como nos beliches. Mas abaixo desses havia um terceiro nível, onde os detentos se deitavam sobre o cimento descoberto. No cimento, o vapor condensado da respiração de setenta homens, juntamente com a água que entrava e a urina que saía da latrina, formava uma mistura viscosa na qual os infelizes se molhavam. No centro da cela-túmulo estava instalado um recipiente metálico, com cerca de setenta a oitenta litros de capacidade, para a urina e as fezes de setenta homens. Não tinha tampa, e o cheiro e o líquido saíam dele abundantemente. Para chegar ao local, era necessário passar pelo “filtro”, um controle rigoroso aplicado à pele nua, uma inspeção na qual todo o corpo e todos os seus orifícios eram examinados.

O “filtro”

          Churchill, Roosevelt e Stálin, reunidos para a Conferência de Ialta, em 1945.

Com um bastão de madeira, eles raspavam a área debaixo das nossas línguas e gengivas, na boca, a fim de verificar se nós, os criminosos, tínhamos ali alguma coisa escondida. O mesmo bastão penetrava nossas narinas e orelhas, o ânus e debaixo dos testículos; era sempre o mesmo bastão, rigorosamente o mesmo para todos, como sinal de igualitarismo. As janelas de Jilava foram feitas não para permitir a passagem da luz, mas para obstruí-la, pois todas elas foram completamente seladas por tábuas de madeira presas com pregos. A falta de ar era tal que, para respirar, íamos até a porta por turnos, três de cada vez, de bruços, com a boca contra a abertura por baixo da porta, posição em que contávamos sessenta respirações. Em seguida, os outros reclusos se aproximavam para se recuperar dos desmaios e da falta de oxigênio.

Desta forma, contribuímos à nossa maneira para a construção do sistema mais humano do mundo. Será que Churchill e Roosevelt sabiam essas coisas quando, com uma canetada, na mesa da vergonha em Teerã, estabeleceram que nós, romenos, devíamos ser moídos pelas mandíbulas do Moloc vermelho do Oriente, e ser usados como cordão de segurança para a conveniência deles? E a Santa Sé, podia ter imaginado algo a esse respeito?

Despidos no frio

Após longos anos de profanação da nossa humanidade, fomos transferidos (com cadeias nos pés) de Jilava para a prisão de isolamento máximo chamada Zarka, o pavilhão de terror da prisão de Aiud. O acolhimento seguiu o mesmo ritual sinistro e diabólico da profanação do homem, criado pelo amor de Deus. Eram as mesmas raspagens, as mesmas botas pesadas que se afundavam em nossas costelas, estômagos e rins. Apesar disso, notamos uma diferença: já não estávamos sujeitos ao regime de preservação em urina, suor, condensação e falta de oxigênio, mas estávamos sujeitos a um tratamento intensivo de oxigenação com o corpo nu e exposto ao frio, criminoso após criminoso (ou seja, ministros, generais, professores universitários, cientistas, poetas) — inclusive eu, que não passava de um “não falo” gigante, uma confiança firme e humilde na graça, a qual me faria suportar aquela provação.

Como éramos considerados inimigos do povo, todos tínhamos de desaparecer. Caso contrário, como poderia surgir o tão apregoado “novo homem soviético”? A cela em que fui colocado não continha nada: nenhuma cama, cobertor, lençol, almofada, mesa, cadeira ou tapete — nem sequer uma janela. Havia apenas as barras de ferro, e eu, como todos os outros, estava sozinho na cela. Eu ficava maravilhado comigo, pois estava revestido apenas com minha pele e coberto pelo frio.

Era o final de novembro. O frio se tornava cada vez mais penetrante, como um desagradável companheiro de cela. Após cerca de três dias, arrebentaram a porta e me atiraram calças esfarrapadas, uma camisa de manga curta, roupa íntima, um uniforme listrado e um par de sapatos gastos sem cadarços nem meias. Não havia nada com que cobrir a cabeça. Também me deram uma espécie de latrina, um recipiente miserável de cerca de quatro litros. Vesti-me como um foguete. No quarto dia, contaram a nós, detentos, que estávamos congelando. Em vez de nome, deram-me um número: K-1700, o ano em que a Igreja da Transilvânia se uniu a Roma. No registro público, eu já estava morto. Sobrevivi apenas como um número, uma estatística. Depois veio o caldo, servido com uma concha de 125 gramas: um líquido fino produzido pela fervura de farinha de milho. No almoço nos deram sopa de feijão, na qual eu pude contar oito ou nove grãos cheios. Havia muitas cascas vazias. Para o jantar, deram-nos chá com uma crosta de pão queimado. Após uma semana, substituíram o feijão por um mingau de farelo, no qual contei catorze grãos inteiros. De vez em quando alternavam o feijão com o purê de farelo. Nós vivíamos com menos do que é dado a uma galinha.

Andar ou morrer

O Padre Langa, autor deste relato.

Para sobreviver ao frio, tínhamos de nos movimentar constantemente, a fim de fazer ginástica. Logo que caíamos, prostrados pelo cansaço e pela fome, mergulhávamos no sono, mas num sono muito curto, pois o frio era muito intenso. Uma voz do outro lado da parede me acordou em um dia de um sono como esse: “Sou o professor Tomescu. Quem é você?” Era um ex-ministro da saúde que, tendo ouvido meu nome, continuou: “Já ouvi falar de você. Ouça-me com atenção: fomos trazidos aqui para ser exterminados. Nunca iremos colaborar com eles. Mas quem não andar morre, e assim se torna um colaborador. Diga aos outros: quem para, morre. Caminhem sem parar!” Imerso no silêncio sombrio da morte, o pavilhão ecoava os sons dos nossos sapatos sem ritmo. Éramos animados pela misteriosa vontade de um povo de permanecer na história, e pela vocação da Igreja de permanecer viva. Deixávamos de trabalhar só por volta das 12h30min, durante meia hora, quando o sol escasso se detinha para nós num canto da sala. Aí, aninhado com o sol sobre o meu rosto, eu podia dormir um pouco e ter um raio de esperança. Quando o sol me abandonava, ainda assim eu sentia que não tinha sido abandonado pela graça.

Eu sabia que tinha de sobreviver. Caminhava, repetindo para mim como um refrão, silabando: “Eu não quero morrer! Eu não quero morrer!” E não morri! A cada passo, eu cadenciava na mente uma oração, compunha ladainhas, recitava versículos de salmos.

Por dezessete semanas, continuamos caminhando dessa maneira, para não sucumbir à morte. Qualquer pessoa que perdesse a força ou a vontade de se mover, morria. Dos oitenta homens que entraram em Zarka, só trinta sobreviveram. As barras de ferro, pouco a pouco, foram se vestindo de camadas de gelo, formadas a partir das exalações do nosso sopro vivo, uma deslumbrante vestimenta de passagem para o Céu.

Mas tudo é graça

Muitas vezes acreditei firmemente que tinha chegado ao limite da escuridão. Mas eu ainda tinha uma longa estrada a percorrer. Tendo alcançado, anos mais tarde, o que imaginei que fosse a liberdade, constatei que na realidade aquilo nada mais era do que outra forma de viver na escuridão; que a frieza entre a Igreja Greco-Católica e a hierarquia da sua Igreja irmã Ortodoxa ainda não iria desaparecer; que as nossas igrejas continuavam a ser confiscadas, e o nosso rebanho continuava a diminuir, morto por promessas. Mas Cristo Senhor também só obteve a vitória quando pôde pronunciar, com seu último suspiro: Consummatum est, tudo está consumado.

Não escrevi muito sobre minhas experiências dramáticas. Quem pode acreditar no que parece inacreditável? Quem pode acreditar que a vontade é capaz de superar as leis da natureza? E se eu relatasse os milagres que experimentei? Não seriam considerados mera fantasia? Seria mais difícil para mim suportar essa descrença do que sofrer mais anos de prisão. Mas nem todos os que viram Jesus acreditaram nele: “Desde então, muitos dos seus discípulos se retiraram e já não andavam com ele” (Jo 6, 66).

Nada na vida acontece por acaso. Cada momento que o Senhor nos dá está cheio de graça — a impaciência benevolente de Deus — e da nossa vontade de responder a ela ou recusá-la. Cabe a cada um de nós não reduzir tudo a um relato duro, feroz e inacreditável, e compreender que a aceitação da graça não atrapalha o homem, mas o conduz para além de suas expectativas e poderes. Espero sinceramente que esse testemunho abra uma janela para o Céu. Porque o Céu acima de nós é maior do que a terra debaixo dos nossos pés.

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Terça Livre TV EUA - a partir de 12 de Setembro





ALIENAÇÃO





👆 Estado de alienação geral
(por Allan dos Santos)


O estado de alienação que mantém as pessoas distantes da experiência real somado à incapacidade linguística de expressar o que os sentidos captam têm sido mais cruel e desgraçado que mil STFs.

Quando conseguem reconhecer que a experiência real está distante do que é dito pela artificial elite que domina o país, são incapazes de dizer o que ocorreu sem cair em chavões e clichês, graças ao analfabetismo funcional e vice versa. A existência das duas coisas é tão frequente quanto um tigre dente-de-sabre.

Em geral, ou as pessoas enxergam o erro e são incapazes de predicá-lo, ou possuem alguma tecnicidade linguística e a usam para anestesiar a si e aos demais com a seringa do encarceramento imaginário. É dificílimo encontrar quem saiba se expressar entre os que percebem que algo está errado. O motivo é óbvio: a língua é a articulação material da fala, do pensamento, e sem a prática dos gigante que nos precederam, todo falante e escritor passa a querer inventar a roda. É o atleta que se recusa a aprender com os campeões do passado, ou o artesão que insiste em não querer saber o que já fizeram naquela arte antes dele.

É habitual encontrar alguém que se achava habilitado a fazer um juízo de Heidegger sem ter o mínimo conhecimento dos autores que o antecedem. Isso é o mesmo que analisar um jogo do Real Madrid sem saber quem era Pelé. A imbecilidade aí é tão gritante que seria impossível alertar uma pessoa assim sem chamá-la de louca. Ocorre que muitos bem intencionados são assim: são pessoas boas, mas com os vícios de seus pares.

Olavo sempre ensinava que se aprende mais sobre matemática estudando a história da matemática do que debruçando-se sobre a ciência da matemática em si. Isso é o único remédio para evitar ser um refém de fraudes intelectuais. Fraudes essas que passaram a ser o único modo de pensar nas universidades de hoje em dia, quiçá dos últimos séculos.

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👆 ENSINAMENTOS DE OLAVO DE CARVALHO


Ladeira abaixo
(Publicado originalmente no Diário do Comércio, em 31 de Agosto de 2009, disponível no site do professor)

“Cuán difícil es,

Cuando todo baja,

No bajar también.”

Antonio Machado

Uma classe intelectual bem preparada, culta, mentalmente robusta, é a garantia única de que as opiniões circulantes na sociedade se manterão dentro dos limites do verossímil e do razoável, sem extraviar-se em especulações psicóticas nem cegar-se, com aquela inibição própria das mentes vulgares, para tudo o que escape à sua visão rotineira e banal do mundo.

Aqui nos EUA, malgrado a queda vertiginosa do nível do ensino primário, médio e universitário em comparação com o que havia nos anos 50, ainda existe uma intelectualidade forte, numerosa e ativa, assegurando que, nos debates públicos, nenhum aspecto relevante será de todo ignorado. Mesmo quando a maioria se equivoca, sempre há algumas inteligências mais despertas que chamam a atenção para o que interessa, e sua voz, decorrido algum tempo, não raro acaba por prevalecer.

A rapidez com que os próprios eleitores de Obama perceberam o que havia de desastroso na proposta econômica, nos planos de saúde e na política de imigração do novo presidente mostra que os debates entre estudiosos especializados podem vazar para a população geral e influenciar decisivamente o rumo dos acontecimentos. Hoje, até a mídia obamista mais devota confessa que o profeta ungido da campanha presidencial está desorientado, “com medo até da própria sombra” (sic). É uma grande derrota que as análises sérias infligem aos entusiasmos postiços da retórica publicitária.

Já no Brasil o estado de alienação dos “formadores de opinião”, sua absoluta incapacidade (ou recusa?) de apreender a hierarquia objetiva dos fatos e fatores, sua total escravidão mental a estereótipos surrados de oratória estudantil, sua autocastração sacrificial em ritos de bom-mocismo patético fazem das discussões públicas um permanente exercício de fuga à realidade, um jogo de esconde-esconde onde todos são otários, a começar pelos que pretendem ser os maiores vigaristas.

Como é possível, por exemplo, que a ocultação da existência do Foro de São Paulo pela totalidade da mídia nacional, uma vez revelada, não tenha se tornado objeto de exame, de debates, nem mesmo por parte daqueles que posam de observadores e analistas profissionais, se não acadêmicos, da indústria midiática? Como é possível que fenômeno tão inusitado e de tão descomunal importância histórica – preparação indispensável à ascensão e permanência do PT na presidência da República – não suscite, nessas criaturas sempre dispostas a opinar sobre tudo o que diz respeito ao jornalismo, senão o impulso de virar os olhos para o outro lado, de fingir que não viram nada, de encobrir com uma segunda camada de camuflagens a mais vasta operação-camuflagem já havida na história da mídia nacional?

O pacto mafioso de lealdade corporativa – menos a uma classe profissional do que ao seu compromisso esquerdista já velho de três gerações – explica, é claro, muita coisa. A maior parte dos que poderiam analisar o fenômeno não deseja fazê-lo porque isso exporia a um vexame colossal – se não a alguns processos judiciais – quase todos os diretores de jornais, chefes de redação, comentaristas políticos, etc. O cuidado com que os pretensos estudiosos de mídia contornam essa hipótese constrangedora é tamanho, tão meticulosa a escrupulosidade com que evitam magoar colegas de ofício e companheiros de ideologia, que o direito do público à informação veraz simplesmente desaparece do seu horizonte de consciência. Eles tornam-se, assim, ainda mais criminosos que os autores do delito inicial. Promovem a ocultação da ocultação, o acobertamento do acobertamento, a desinformátzia da desinformátzia.

Essa epidemia de sem-vergonhice midiática, porém, jamais seria possível se, acima da classe jornalística, existisse uma intelectualidade, acadêmica ou não, capaz de sobrepor o desejo de compreensão dos fatos aos miúdos interesses, temores, preconceitos e safadezas de uma máfia profissional desprezível.

Infelizmente, essa intelectualidade inexiste no Brasil. A total destruição da cultura superior, a instrumentalização das instituições de cultura como órgãos de promoção de nulidades politicamente convenientes –, foi a condição prévia sem a qual a ética dos fiscais da ética alheia não poderia jamais ter descido tão baixo.

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👆OPINIÃO DO AUTOR

Muito além da política
(por Ricardo Pagliaro Thomaz)
18 de Setembro de 2022

Em Outubro, a batalha política está mais uma vez prestes a ser travada. O cidadão mais esclarecido e com o bom senso funcionando a pleno vapor sabe muito bem que esta não se trata apenas de mais uma eleição. É a batalha de vida ou morte que vai definir o futuro do nosso país pelos próximos anos. Isso tudo entre as pessoas de bom senso é ponto pacificado, não há o que discutir.

 

Uma outra batalha, no entanto, precisa ser travada com mais seriedade. A batalha política tem sim sua importância, é um terreno que é complicado perder, mas há um outro terreno onde temos muito mais a ganhar a longo prazo: a cultura e a educação.

 

Veja por exemplo o que acontece no Brasil COMUNISTA que nós temos hoje, quando uma doida varrida inventa de querer invadir igrejas para indoutrinar crianças. Ou quando um “padre” HEREGE e sem vergonha acometido da doença ideológica inventa de querer gastar dinheiro público com um filme para desfigurar a história de uma santa, promovendo um DESSERVIÇO para a Igreja Católica.

 

Vejam o que acontece quando o maior veículo de comunicação da América Latina, a Rede Globo, acometida por uma abstinência de recursos financeiros, resolve jogar os conceitos do bom jornalismo NO LIXO para ficar apenas fazendo militância política. Vejam o que acontece quando um jornalista CONSERVADOR resolve falar a verdade porque a honra demanda que não sejamos frouxos frente as adversidades, e acaba tendo que ir para os Estados Unidos para não ser preso no seu próprio país por causa de “crimes” que não existem.

 

Não precisamos ir muito longe, eu mesmo vejo essa realidade todos os dias numa escola municipal em que leciono perto de Ribeirão Preto. O que não falta nela são histórias de alunos cujas famílias estão estraçalhadas, destruídas. Filhos e filhas que deveriam estar em um ambiente que favorecesse o ensino se encontram em meio a anarquia generalizada EM AMBIENTE ESCOLAR, desfavorecendo que o seu intelecto absorva de forma profunda conceitos que poderão ser úteis para suas vidas, pelo menos de minha parte como professor de Inglês. No ambiente escolar, o ensino é totalmente desfavorecido pela inconstância moral dos alunos, problemas familiares envolvendo pais, filhos, dificuldades, vícios, e muito mais. Não há como não olhar para essa realidade e ver que o sistema de ensino já se esfacelou há muito tempo, e o que pessoas como eu tentam fazer por lá é basicamente enxugar gelo. As pessoas estão SEM CHÃO, sem FOCO, sem REFERÊNCIAS, perdidas no espaço e no tempo.

 

Sobre essa realidade, há algo sendo feito já há uns dois anos; o instituto Regina Caeli fundou uma escola em Jaú, escola voltada 100% para o ensino Católico. Trata-se de um projeto maravilhoso, que já conta com mais de 100 alunos, e que pretende se tornar um modelo de escola para o Brasil no futuro. Fiquei sabendo sobre ele através de um vídeo do pregador Anderson Reis, e fiquei impressionado com a coragem e a determinação dos envolvidos no projeto. Eles estão até oferecendo um curso online para ensinar as pessoas a montarem sua própria escola Católica em sua cidade, contribuindo para a salvação de várias crianças e famílias que poderão contar com um ensino de qualidade, voltado para a moral e a fé Católica, que mais do que preparar as crianças para a vida, visa prepará-las para o Reino de Deus. Oraporra, você olha para isso, e se pergunta: onde estão os bons administradores dispostos a fazer isso na sua cidade?

 

Sobre o que podemos fazer no âmbito da produção cultural, há dois projetos que me são caros e dignos de notada menção: um é o trabalho cultural no âmbito da nona arte feito por editoras como a Opção C e a Super Prumo e que já geraram trabalhos excelentes de autores como Giorgio Cappelli (True Outstrips) e Luciano Cunha (Destro) e o trabalho da Brasil Paralelo no âmbito da sétima arte ao qual vou me deter por alguns parágrafos.

 

“Todos os instrumentos de que o indivíduo vai dispor para lutar pela sua vida, para fazer a sua vida, ele recebe de um negócio chamado CULTURA. Que é cultura? É o conjunto dos bens intelectuais acumulados. Se isso não é passado pra ele, ele não sabe onde está, ele está perdido no espaço e no tempo.”

(Olavo de Carvalho)

 

Recentemente, a Brasil Paralelo relançou seu EXCELENTE documentário “Brasil - A Última Cruzada”, inclusive com conteúdo extra. Minha primeira pergunta é: onde estão as pessoas de alma nobre dispostas a divulgar esse material e fazê-lo chegar em mais casas brasileiras?

 

Minha segunda pergunta fica por conta da AÇÃO INTELECTUAL: onde estão outros empresários, escritores, artistas e cineastas dispostos a fazer um projeto como esse de igual grandiosidade? A Brasil Paralelo é ESSENCIAL e IMPORTANTÍSSIMA para o resgate da nossa cultura tão combalida, e GRAÇAS A DEUS que ela existe! Mas onde estão as outras pessoas dispostas a fazer algo semelhante? A Brasil Paralelo é um diamante raro em meio a um lamaçal de ignomínias que são geradas pela velha mídia, à exemplo do filme do “padre” que mencionei aqui. Vou mais longe: a Brasil Paralelo é justamente a antítese da velha mídia, e está aqui para substituí-la em um futuro próximo. Mas a Brasil Paralelo é uma só e ela está sendo monitorada e caçada pelos lobos do sistema de forma intensa e implacável.

 

Não passa pelas cabeças das pessoas que pode acontecer com ela (DEUS não permita) o mesmo que aconteceu com o Terça Livre no âmbito do jornalismo? Era para hoje o Terça Livre estar caminhando palmo a palmo com veículos jornalísticos como a Brasil Sem Medo, por exemplo. Graças a Deus que existe a Brasil Sem Medo, e graças a Deus que egressos do Terça Livre resolveram, SEM MEDO, fundar o Expressão Brasil. Mas quem vai fazer coro com a Brasil Paralelo, ou segurar as pontas se a mesma passar pelas dificuldades que o Terça Livre passou? A Lumine se limita a ser um serviço de streaming, e é um ÓTIMO serviço, recomendo. Mas a Lumine se limita a isso, ao passo que a Brasil Paralelo vai pelo caminho das múltiplas mídias, escrita, falada, cinematográfica, e até mesmo jornalística até um certo ponto.

 

Na volta do Terça Livre, que está acontecendo aos poucos, eu tive o prazer de acompanhar o novo curso gratuito Soberania Política, ministrado pelo jornalista Allan dos Santos no Rumble, no Gettr e em outras plataformas. Ele é enfático em dizer que o Brasil, muito embora esteja acordando, ainda possui um “ranço” que precisa ser superado: o prazer pelo estudo e pela busca do CONHECIMENTO. Não preciso dizer mais nada, e não preciso mencionar também que concordo 100%. O Brasil realmente tem essa deficiência. Uma vez superada essa barreira, a própria determinação natural do brasileiro vai fazer o restante, e então teremos um exército de Brasis Paralelos ao longo de todo território nacional.

 

A batalha política será definitivamente vencida pela maioria cristã e conservadora no Brasil quando o brasileiro finalmente entender que precisa superar essa deficiência. E então o Comunismo e toda ideologia nefasta e assassina que assola a nação serão realmente varridos do país.

 

“Nada está na realidade política de um país, que não esteja primeiro na sua Literatura.”

(Hugo von Hofmannsthal)

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👆 HUMOR

E nas True Outstrips de hoje:

- Olavo Van Helsing de volta a cena com ents e um tipo de zumbi mais chato que o fantasma da Marielle;

- pra completar, um humorista sem humor dando uma de "maluquinho" e um mestre sem papas na língua tem uma franca conversa!

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- Ah, e quem puder, colabore com as True Outstrips! É você que as mantém funcionando sem dinheiro de Rouanet, Secom, e cia limitada!



(19/09/2022)
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👆 LEITURA E FILMES RECOMENDADOS

Pessoalmente eu sou contra termos um "patrono" da educação brasileira, porque acredito que as pessoas devem ser livres para escolherem o método de educação que querem usar com seus filhos, ao invés de ficarem presos a um velho barbudo e senil que nem método de educação possui. Mas se as pessoas insistirem em continuar a terem um patrono da educação, então que ao menos tenham um que seja decente. O professor Pierluigi Piazzi tem sido bastante negligenciado pelas pessoas, e afirmo aqui com todas as letras que ele seria a melhor escolha que poderíamos ter para ocupar o posto. Digo e continuarei dizendo isso para qualquer pessoa, e este livro é a maior prova que poderão ter da qualidade deste saudoso mestre.

"O prof. Pierluigi Piazzi, recém-falecido, lutou como um leão contra o socioconstrutivismo, que destruiu a inteligência das crianças brasileiras. Que Deus pague a dívida que o país nunca lhe pagou."
(Olavo de Carvalho via Facebook, em 23/03/2015)

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Além disso, quero recomendar desta vez dois excelentes filmes que podem ser encontrados no acervo da Lumine.tv recentemente: tratam-se da minissérie A Grande Vocação, de 2022, que acabou de sair no serviço de streaming, estrelando ninguém menos que o nosso queridíssimo Padre Paulo Ricardo, e o filme O Processo, adaptação de 1962 do livro de Franz Kafka, dirigida por Orson Welles. A história, quem já leu o livro já sabe: Allan dos Sant.... ops, hehehe, ato falho!... Josef K. descobre ter sido acusado de um crime cuja acusação ele desconhece totalmente. Importante nos lembrarmos que não foi somente 1984 que virou realidade no novo mundo. Assistam esses filmes e tenham frutuosas reflexões!

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