Edição LXIII (Terça Livre, Revista Esmeril 34, opinião e mais)
REVISTA ESMERIL 34
- A revanche (Leônidas Pellegrini)
- A pata do leão (Leônidas Pellegrini)
(matérias de edições antigas da revista que ainda são atuais)
Dos gregos herdamos
a filosofia, as noções de lógica e as distinções entre física e metafísica. Os
romanos nos emprestaram a sua organização social, o Direito e algumas
estruturas governamentais. E a moral Cristã preencheu estas “formas”, dando a
elas o conteúdo copiado ou deduzido das Escrituras, sob o prisma dos Evangelhos
e das Cartas que O anunciaram.
Na Grécia Antiga
existia um conjunto de iniciativas pedagógicas, culturais e morais, a Paideia,
que visava formar o cidadão honrado, leal e capaz de exercer as suas funções
visando ao bem comum e à elevação pessoal, seja para melhorar sua relação com a
cidade e os seus semelhantes, seja na busca pelo transcendente. Em Roma existiu
algo parecido. Embora mais pragmática, a Humanitas Romana também tinha o
objetivo de ensinar e promover hábitos e comportamentos considerados adequados
à vida em sociedade. Muito além da educação convencional, que era apenas uma
parte do amplo aparato de formação, a Paideia e a Humanitas buscavam inserir,
nos indivíduos e na cultura, os traços de caráter e personalidade encontrados
nos heróis da História e das mitologias. É verdade que bem antes das cidades
gregas e romanas já existia a figura do herói influenciador da sociedade, como
podemos ver na Epopeia de Gilgamesh, o poema épico encontrado na Mesopotâmia, em
escrita cuneiforme, a mais antiga que se conhece. Gregos e romanos, no entanto,
elevaram a posição do herói a um novo patamar ao incluir as narrativas de
Homero e o pensamento de homens como Cícero como norteadores da cultura de toda
sociedade. A aprovação social estava diretamente relacionada à imitação da
coragem, da honestidade intelectual e retidão moral de pessoas como Aquiles e
Heitor, para os gregos, e do soldado exemplar, para os romanos. E até mesmo os
erros e os defeitos dos heróis eram aproveitados como exemplos no aprendizado.
A importância do
herói também pode ser observada com muita clareza nas Escrituras, e de forma
ainda mais impactante, tendo em vista que vários personagens vencem desafios
aparentemente intransponíveis, que só poderiam ser superados com alguma ajuda divina.
No Velho Testamento, por exemplo, Deus escolhe os improváveis Moisés, para
liderar o povo hebreu, e Davi, para vencer Golias.
Substituir os
heróis tem sido algo comum ao longo da História. Personagens e ideias sempre
são trocadas por representantes ou representações de virtudes desejadas por um
determinado zeitgeist[1]. Na Alemanha nazista foi assim, no socialismo foi e é assim.
Todo totalitário precisa recriar o ambiente cultural, para gravar no imaginário
o novo conjunto de ideias, a ideologia. Como não há instrumento imaginativo
mais eficiente do que as narrativas heroicas, a substituição dos personagens
costuma ser uma das iniciativas mais usadas pelos movimentos revolucionários. Exatamente
por esse motivo, o culto à personalidade não é simplesmente uma atitude vaidosa
e megalomaníaca, mas consiste em um elaborado ato político estratégico, com
alcance cultural e psicológico, e por isso mesmo foi e é incentivado por todos
os ditadores, de Hitler, Lênin, Stálin e Mao, a Fidel, Pol Pot e Kim Jong-um.
Infelizmente, as
iniciativas que visam a trocar os heróis e os conceitos de heroísmo não se
restringem às narrativas visíveis e declaradas. Muitos elementos mais complexos
ou mais sutis fazem parte desse conjunto de instrumentos utilizados para moldar
o imaginário, seja para construir novos paradigmas, seja para desconstruir os
anteriores – que devem ser destruídos para possibilitar a sua completa
substituição.
Alexandre Costa
Site: www.escritoralexandrecosta.com.br
Canal: www.youtube.com/c/AlexandreCosta
Autor de
“Introdução à Nova Ordem Mundial”, “Bem-vindo ao Hospício”, “O Brasil e a Nova
Ordem Mundial”, “Fazendo Livros” e “O Novato”.
[1] Espírito do
tempo, em alemão.
[2] O Novo
Príncipe, segundo Antonio Gramsci.
[3] Conceito
expresso no livro Bandidolatria e Democídio: Ensaios sobre Garantismo Penal e a
Criminalidade no Brasil, de Diego Pessi e Leonardo Giardin.
História baseada em um episódio da vida de Santo Antão
O velho Antão rezava numa caverna onde havia sepultado irmãos martirizados, quando escutou umas gargalhadas metálicas. Ia olhar em torno quando sentiu um soco na cara. E depois mais outro. E um chute no estômago. E de repente estava tomando uma surra, levando pancadas que não sabia de onde vinham, mas que partiam de todos os lados.
Continuou apanhando até mesmo depois que caíra desmaiado. A surra só cessou quando um grupo de diáconos entrou na caverna orando e portando suas cruzes. Olharam para o velho e choraram, pensando que estivesse morto. Enquanto levavam seu corpo embora, num silêncio pesaroso, escutaram-no gemer. Deram graças a Deus e apressaram o passo, o mestre precisava de cuidados imediatos. No meio do caminho, no entanto, escutaram um balbucio:
– …de volta!
Pararam. Um deles aproximou o ouvido:
– Me levem… de volta!
Olharam-se espantados. O mestre estava delirando, com certeza. Aprumaram-se e iam continuar viagem, mas um disse:
– E se…
Aí, começou uma discussão. Formaram-se dois grupos: os que queriam levar Antão o mais rápido possível para receber cuidados médicos, e os favoráveis e levá-lo de volta ao lugar amaldiçoado para ver o que acontecia. Enquanto discutiam, o velho anacoreta, miraculosamente curado de todos os ferimentos e sentindo-se revigorado, levantou-se da padiola e, sem que percebessem, deu-lhes a bênção e seguiu seu caminho. Só perceberam que ele não estava mais ali quando já ia longe.
De volta à caverna, na entrada, Antão fez o Sinal da Cruz e chamou:
– Não vou brigar em lugar santo! Vocês que venham aqui pra fora!
Imediatamente saiu lá de dentro uma legião de bestas disformes, horrendas, babando e exibindo presas e garras, e rindo aquela gargalhada metálica. Não perderam tempo e atacaram todos juntos, mas desta vez Antão podia vê-los. E, mais que isso, parecia dotado de uma força extraordinária. Enquanto apanhava, sofrendo lacerações profundas, também atacava. Barrou no ar o golpe de uma das bestas e esmagou-lhe a pata. O bicho correu embora ganindo. Depois quase quebrou a mão rachando com um soco a cabeça de outro monstro, que lhe mordia a canela. E assim continuou a contenda, agora mais justa, com chutes, socos, cotoveladas, cabeçadas, joelhadas de um lado, e mordidas e arranhões do outro.
Dali a pouco, quando restava um só, que o velho lutador sufocava numa gravata, chegaram os diáconos aos berros, atrapalhados. Logo que Antão os avistou, distraiu-se um segundo e a besta que ele segurava, achando uma brecha, sumiu.
Quando os meninos chegaram, acharam-no quase desmaiado, arfando e sorrindo, orando. Seu sangue se espalhava pra todo lado. Então viram surgir uma luz intensa que os cegou por um instante, e depois viram Jesus, em vestes brancas e luminosas, fazer o Sinal da Cruz na testa de seu servo, e ir embora. E deram graças a Deus ao verem o velho mestre totalmente curado das feridas.
Baseado em um episódio da vida de São Leão Magno
Aí, o pobre azedou. Não sorriu mais, nem prestou atenção ao movimento da fila, que ainda durou um bom tempo. Deixou a mão estendida e foi abençoando o povo maquinalmente, perdido em seus pensamentos. A culpa o vexava, o torturava e o consumia, e aquele segundo de fraqueza ia se tornando uma eternidade de remorso.
Acabada a sessão, saiu resolvido a penitenciar-se pelo resto do dia. Incapaz de se concentrar em qualquer trabalho que fosse, passou horas em oração, os joelhos no chão duro, sem comer, nem beber, nem ir ao banheiro. Debalde. Se não conseguira se focar no trabalho, tampouco o pôde nas orações. Enquanto isso, demônios em torno dele dançavam e riam alegremente de sua miséria. Veio-lhe então uma ideia extrema, mas necessária. Já caía a noite, e o Pontífice, resoluto, foi atrás de uma machadinha. “Já que a fraqueza veio desta mão”, pensava, “melhor cortar o mal pela raiz. Se teu olho te causa escândalo…”
Antes, consultou uma última vez sua consciência e dirigiu-se a Nosso Senhor: “Amado Pai, perdoai a vil fragilidade que me fez pecar, e este ato que estou prestes a cometer contra mim. Mas, sabei, Pai querido, que é por amor a Vós e Vossa Mãe Santíssima. Maria, Mãe e Rainha, roga por este miserável pecador!” E desceu o corte. De uma vez só, preciso e ligeiro. A dor era insuportável, mas o Santo Padre aguentava, em silêncio, o rosto contraído, as lágrimas escorrendo, mas sempre em silêncio, firme. “Dor muito pior é a que espera no Inferno”, dizia de si para si enquanto via o sangue a esguichar e escorrer, manchando-lhe as roupas e empoçando o chão.
No entanto, de repente, a dor sumiu. Assim mesmo. Do nada. Ele olhou pro pulso sangrento e procurou explicação. Será que era tanta a dor que se anestesiava a si própria? Não teve tempo de continuar as conjecturas, pois uma luz intensa iluminou o quarto, e ali se fez presente Nossa Senhora, com Seu véu branco, Seu manto azul e Seu sorriso agradecido de Mãe orgulhosa:
– Filho amado, tua piedade é admirável, e teu amor, ainda mais! Que as bênçãos do Céu sejam sempre contigo!
Disse isso e sumiu. Quando o Pontífice, que não ousara encarar a Mãe, ergueu os olhos, viu que já era dia. Reparou também que o sangue havia todo sumido, o quarto e as roupas estavam até mais limpos que antes, e um cheiro de rosas inundava o ambiente. E, estupefato, viu que sua mão decepada estava de volta no lugar, intacta. Prostrou-se por terra e orou agradecendo a imerecida piedade divina. Quando se levantou, sentia-se renovado, chorava de alegria, e o antigo sorriso estava de volta.
Muitas crianças gastaram o tempo de isolamento durante a pandemia nas redes sociais. Forçadas a permanecer em isolamento, não lhes restou outra alternativa. Estas estatísticas contam uma parte da história: em 2020, a receita do TikTok quintuplicou e o número de usuários nos EUA dobrou. Hoje, mais de um quarto dos usuários de todo o mundo têm menos de 18 anos, e o número de mulheres supera o de homens. Nos EUA, gasta-se em média mais de uma hora por dia com o TikTok. No geral, o uso de redes sociais cresceu dramaticamente durante o lockdown. Os adultos as utilizaram para permanecer conectados, enquanto os pais que se esforçaram para trabalhar em casa ou manter o emprego deixaram os filhos sob os cuidados da tecnologia.

Hoje vemos os frutos: o isolamento devido à recente pandemia acelerou a já existente tendência de declínio no comportamento e na educação das crianças. Qualquer professor dirá que a nova epidemia é o aumento vertiginoso de condutas inapropriadas e radicalmente desordeiras entre os estudantes, alimentadas em parte pelo amor que eles têm aos vídeos da internet. Estudantes que eram bem comportados na escola começaram a se comportar mal. Conhecem palavras indecorosas que normalmente não ouviriam nem na televisão nem em suas famílias. Sabem um grande número de danças e gestos inapropriados, que todos aprendem mais ou menos ao mesmo tempo. Nas escolas, eles se reúnem para ficar em volta das telas tão logo surja a oportunidade; quando não o fazem, passam o tempo falando sobre o que está acontecendo online.
Naturalmente, esses problemas comportamentais se somam à defasagem de aprendizado, e aos danos mentais infligidos à maioria dos estudantes nos Estados Unidos, como consequência do pânico causado pela Covid-19. Sim, os estudantes estão se comportando mal por causa da imensa tensão mental provocada pela ansiedade e pelo isolamento decorrentes da pandemia; atualmente, a Força-tarefa de Saúde Preventiva dos Estados Unidos tem recomendado exames adicionais para desordens ligadas à ansiedade, inclusive para crianças de oito anos de idade.
Mas não foi a Covid-19 que ensinou às crianças transgressões criativas, pegadinhas, palavras obscenas e gestos inadequados. Foram as redes sociais. Talvez você tenha ouvido falar do trend dos devious ou diabolical licks, no TikTok, que atingiu o auge no outono de 2021. Estudantes do ensino fundamental e médio postavam vídeos nos quais apareciam roubando ou vandalizando propriedades escolares. Essas ações redundaram em inúmeras detenções e milhares de imitadores nos EUA e em outros países. Foi uma epidemia que se espalhou rapidamente. O vídeo original foi postado em 1.º de setembro e removido no dia 13 do mesmo mês. Todos os vídeos que perpetuavam o trend foram banidos pelo TikTok dois dias depois. Naquelas duas semanas, a hashtag devious teve mais de 200 milhões de visualizações.
[N.T.: Mais recentemente, também foi notícia o chamado “desafio do apagão” — blackout challenge, em inglês — que vitimou fatalmente uma menina de nove anos nos Estados Unidos e causou dano cerebral irreversível no menino Archie Battersbee, na Inglaterra.] [i]
Nós permitimos que isso acontecesse; tornamo-nos complacentes com os perigos da internet. A história do TikTok tem se repetido em outras plataformas de rede social por quase duas décadas. Mas nós ficamos acostumados aos alertas antigos e familiares. Por isso deixamos de lhes dar atenção.

O TikTok foi lançado em 2016 pela empresa chinesa ByteDance. Alguns anos depois, quando a popularidade da rede social cresceu rapidamente nos EUA, o governo de Donald Trump tentou bani-la, usando como justificativa a preocupação com riscos de segurança. Porém, pouco tempo depois a proibição foi revertida por Joe Biden, o novo presidente. Apenas alguns meses antes, no entanto, o TikTok havia pagado uma grande quantia de dinheiro para estabelecer um acordo numa ação popular relativa à transferência de dados pessoais a servidores chineses. Em todo caso, as políticas de privacidade e dados do TikTok de fato não são consideradas piores que as de outras redes sociais.
Na verdade, o TikTok tem os problemas usuais de qualquer aplicativo de rede social. Predadores que atuam online utilizam essa rede social para atrair crianças, e muitas vezes conteúdos obscenos conseguem escapar dos mecanismos de controle. Os desenvolvedores do aplicativo tomaram as providências básicas quanto à “proteção de crianças”: os pais podem usar o “modo restrito” para limitar conteúdo adulto e podem parear suas contas com as de seus filhos. Mas isso não impede que as crianças vejam vídeos com palavrões, letras com temas sexuais, conteúdo relacionado a drogas, roupas imodestas e danças obscenas. Além disso, as crianças só precisam saber um pouco de tecnologia para contornar as restrições; muitas sabem como evitar configurações de privacidade criando as próprias contas e fornecendo aniversários falsos. Assim elas podem acessar vídeos com conteúdo “adulto” e postar vídeos imediatamente, sem necessidade de revisão ou edição, expondo-se aos predadores.
Estes são alguns dos outros males documentados no TikTok: potencial dependência; discurso de ódio dos mais variados tipos; intimidação virtual [cyberbullying] (inclusive divulgação de informações para transformar alguém em alvo [doxing]); vídeos ao vivo de suicídios; desenvolvimento de desordens neurológicas; e menores de idade que postam vídeos de si mesmas com conteúdo sexualizante. Os valores da plataforma também são progressistas; por exemplo, ela proíbe vídeos que promovem terapia de conversão.
Novamente, isso não acontece apenas no TikTok. O uso de redes sociais em geral faz mal para a saúde mental. É particularmente prejudicial para a saúde mental e física das meninas. Desde o início dos lockdowns temos visto um número crescente de hospitalizações resultantes de desordens alimentares entre mulheres jovens, apesar do decréscimo geral das hospitalizações de jovens durante a pandemia. A pressão dos pares e as redes sociais aumentaram dramaticamente o número de crianças levadas a clínicas especializadas em transição de gênero sem consulta prévia a um psicólogo, algo que deixou inquieto inclusive um conhecido psicólogo transgênero. Ademais, o formato do TikTok é particularmente ruim: expor qualquer pessoa a uma tela o tempo todo prejudica a saúde mental, ao passo que ver vídeos curtos consecutivamente pode reduzir a capacidade de concentração.
Em março, um grupo de procuradores gerais do Estado deram início a uma investigação para descobrir se e como o TikTok prejudica as crianças. Talvez em alguns anos chegarão à mesma conclusão de qualquer pessoa com bom senso: o TikTok afoga a alma num oceano de maldade para cada gota de bem que gera.
A internet de hoje não é a mesma de quando nós adultos éramos crianças; tem muito mais maldade (embora também haja mais bondade), e vídeos obscenos são divulgados diretamente para as nossas crianças. O mal na internet já não fica à espera de ser descoberto; ele jorra de forma agressiva.

Pais e professores precisam enxergar que estamos numa guerra. A internet não é um campo aberto com alguns buracos; é um campo totalmente minado. O livre acesso à internet põe em risco a saúde emocional e espiritual das nossas crianças, pois elas pisarão em minas para onde quer que se voltem. Nossos filhos precisam sair do TikTok — e o acesso deles à internet deve ser rigorosamente monitorado — agora. Não podemos mais dar-lhes acesso sem restrições a computadores (particularmente nos quartos!), a smartphones com dados ilimitados e a tablets sem monitoramento.
É fácil ignorar ou minimizar os males do acesso livre à internet, ao TikTok ou a outra rede social. É fácil apresentar desculpas, dada a onipresença da internet. “Meu filho precisa de um smartphone para entrar em contato comigo”. “Meu filho precisa de algo para se manter ocupado enquanto eu estou ocupado”. “Eu uso a internet como incentivo”. “Tenho aplicativos educativos no celular”. “Eles precisam aprender a navegar na internet por conta própria”. “Não tenho tempo para vigiar tudo o que estão fazendo”. “A internet não é tão ruim assim, a maior parte do conteúdo não faz mal”. “Meus filhos precisam de alguma privacidade, pois estão crescendo”.
Porém, não existe nenhuma boa razão ou justificativa que nos permita dar aos nossos filhos a liberdade para buscarem a sua própria destruição. As desculpas acima são somente isto: desculpas para que não realizemos o trabalho árduo de ensinar e criar os filhos. Além disso, nós mesmos temos tantas coisas para dar a eles: particularmente, nosso tempo e nossa atenção. Podemos dar a eles brinquedos, livros, artigos de arte, diários e bicicletas. Podemos dar tarefas e ensinar habilidades úteis para a vida adulta. Podemos encorajá-los a nutrir boas amizades, ter conversas edificantes e dar conselhos instrutivos a eles. Podemos ensiná-los a ter confiança em nós e a conversar conosco. Podemos ensinar-lhes que são amados e queridos sem que precisem imitar a vida fantasiosa e virtual de outra pessoa. Podemos ensinar a eles que somos feitos para o Céu, não para fantasias virtuais. Podemos ensinar que o mundo está contra eles e quer machucá-los, mas que nós somos por eles — e Deus é por nós.
Nossos filhos clamam por alimento emocional e espiritual. Deveríamos dar a eles escorpiões ou cobras sob a forma de redes sociais e acesso irrestrito à internet? Não! O TikTok é muito mais perigoso do que a Covid-19, e não tenho dúvida de que sua taxa de mortalidade já é muito superior à de qualquer pandemia. Almas estão em jogo! Ainda que encontremos no TikTok algum raro vídeo que valha a pena — mesmo que seja um vídeo com conteúdo católico! —, existem entretenimentos muito mais seguros e edificantes, sem falar em alegrias muito superiores pelas quais esperar. Nossos filhos jamais saberão disso se não os educarmos de forma diferente.
Se o que tanto desejo demora para chegar, que são meus filhos e minha esposa, há algo que não preciso esperar e já está aqui comigo: um HOMEM-DEUS que sofreu também o exílio quando pequenino, protegido por JOSÉ e no colinho de sua mãe MARIA. O REI dos reis também esteve exilado e fugindo de tiranos que queriam tirar-LHE a vida inocente.
Se me falta esposa e filhos, não me falta a família de Nazaré, que em uma realidade distinta dessa que vivo, estão UNIDOS e sabem a dor do exílio.
Essa foto abaixo tirei hoje depois de ficar ao lado de Nosso Senhor na parte da tarde enquanto meditava o que preciso fazer. Ainda não tenho horizontes, mas como dizia Santa Teresinha, por trás das nuvens o sol continua a brilhar.
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Nada pode estar tão distante de alguma outra coisa como o intercâmbio intelectual genuíno está do debate político-partidário e ideológico tal como se trava na nossa mídia e nas nossas instituições universitárias.
Não é exagero dizer que, fora de uns círculos privados muito pequenos, quase microscópicos, o intercâmbio intelectual desapareceu deste país. Desapareceu a tal ponto que o debate político tomou o seu lugar e acredita piamente ser ele.Grosso modo, a diferença consiste no seguinte: o intercâmbio intelectual pressupõe a efetiva interpenetração das consciências, a participação comum dos interlocutores num mesmo conjunto de experiências cognitivas.
O debate político (no sentido acima) compõe-se apenas da adesão ou repulsa superficiais a “teses” ou “opiniões” estereotipadas, no mais das vezes apenas inventadas e projetivas, às quais pareça bonito, no momento, lançar flores ou pedradas.
No intercâmbio intelectual, a compreensão e o enriquecimento mútuos são muito mais importantes do que a concordância ou discordância, que em geral acabam sendo quase sempre parciais e condicionais.
No debate político, concordar ou discordar é tudo, com o agravante de que a adesão ou repulsa não é nunca puramente intelectual, mas se multiplica pela exaltação ou condenação morais, que, dirigidas aos alvos convenientes, valem também, por extensão ou por inversão, como descarada “captatio benevolentiae” para fazer do opinador um modelo de virtudes, a personificação suprema da democracia, do patriotismo, do progresso, do socialismo, dos sentimentos cristãos ou de qualquer outro valor que se imagine compartilhado pela audiência.
Não é preciso dizer que, no debate político brasileiro, o compartilhamento de experiências cognitivas é não apenas desnecessário, mas inconveniente.
Compreender as idéias, as intenções profundas ou, mais ainda, a alma do interlocutor pode paralisar o impulso de deformar, caricaturar e falsificar, que, em tão nobre atividade humana, é a essência e a meta do que se pretende.
Numa sociedade normal, há os dois tipos de debates, mas permanecem em terrenos distintos, e a presença vizinha do intercâmbio intelectual, que é de conhecimento público tanto quanto o debate político, funciona como um freio aos arrebatamentos erísticos e demagógicos deste último.
Desaparecendo o intercâmbio intelectual, o debate político, sem parâmetros regulatórios exceto o Código Penal, os interesses empresariais e partidários em jogo e os padrões de gosto de uma platéia volúvel e ignorante, se encontra livre para impor-se como modelo de todas as discussões possíveis e até recobrir-se da aura de “atividade intelectual” aos olhos de quem nunca teve – nem viu — atividade intelectual nenhuma.
Não deixa de ser sintomático que, nessa atmosfera, as regras de polidez mais vulgares, grosseiras e pueris – mesmo elas constantemente violadas pelos seus propugnadores – se transfigurem no símbolo convencional, no sucedâneo mais aceitável de elevação intelectual e moral.
Foi assim que tipos como os srs. Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino, Marco Antonio Villa, Caio Blinder e outros tantos vieram a parecer intelectuais, quando até mesmo no exercício do mero jornalismo são tão claramente deficientes, sem comparação possível com os seus antecessores de três ou quatro décadas atrás.
Para quem cresceu lendo os artigos de Julio de Mesquita Filho, Nicolas Boer, Gustavo Corção, Paulo Francis, Otto Maria Carpeaux, Álvaro Lins, Arnaldo Pedroso d’Horta e muitos outros do mesmo calibre –todos eles intelectuais de pleno direito exercendo “ad hoc” as funções de jornalistas –, ler o que se publica hoje sob o nome de “comentário político” é ver diariamente a devastação cultural brasileira encarnada com plena fidelidade aos traços simiescos que a definem.
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