Edição LXXXIV (Terça Livre, Revista Esmeril 46, opinião e mais)
ESSE É O PAÍS QUE EU QUERO! Eu já recomendei O Som da Liberdade, que estréia aqui no Brasil em 21 de Setembro. Agora, chamo a vocês para conferirem este grande filme que desmascara a ação do diabo no mundo, Nefarious. Não perca, existe muita gente na velha mídia carcomida querendo que você não o veja. |
REVISTA ESMERIL 46
- FILOSOFIA INTEGRAL | O Grande Drama da Humanidade (Fabio Blanco)
- No coração de Pedro (Leônidas Pellegrini)
J. Robert Oppenheimer era um entusiasta de políticas de esquerda e foi associado a grupos e atividades que levaram o governo dos EUA a questionar
suas inclinações comunistas durante a década de 1930. Ele era membro do Partido Comunista, foi investigado por suas associações e apoiava “reformas sociais” que mais tarde todos sabiam que eram ideias comunistas. Ele fez doações para muitas causas comunistas. A maior parte de seu trabalho radical socialista consistia em promover eventos para angariar fundos em prol da causa republicana na Guerra Civil Espanhola e outras atividades “antifascistas”. Ele nunca se filiou abertamente ao Partido Comunista dos Estados Unidos (CPUSA), embora tenha doado dinheiro para causas de esquerda por meio de conhecidos que eram membros.
Quando se juntou ao Projeto Manhattan em 1942, Oppenheimer escreveu em seu questionário de segurança pessoal que tinha sido “membro de praticamente todas as organizações com ligações comunistas da Costa Oeste”.
Ele era assinante do “People's World”, um órgão do Partido Comunista, e testemunhou em 1954: “Eu estava associado ao movimento comunista”. De 1937 a 1942, Oppenheimer foi membro em Berkeley de um grupo que ele chamava de “grupo de discussão”, que mais tarde foi identificado por outros membros, como Haakon Chevalier e Gordon Griffiths, como uma unidade secreta do Partido Comunista voltada para o corpo docente de Berkeley, uma das universidades mais famosas dos EUA.
Após muitas investigações o FBI observou que Oppenheimer estava no Comitê Executivo da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), que era considerava uma organização com ligações comunistas. Pouco depois, o FBI incluiu Oppenheimer em seu Índice de Detenção sob Custódia, para possível prisão em caso de emergência nacional.
Por isso que Oppenheimer perdeu a sua cadeira na Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos após a guerra. Mesmo sendo um dos principais cientistas envolvidos no desenvolvimento da bomba atômica durante o Projeto Manhattan, desempenhando um papel fundamental como diretor científico do projeto, liderando uma equipe de cientistas que trabalharam no desenvolvimento da bomba atômica etc.
O comunismo estava na vida de Oppenheimer também e ele desempenhou um papel crucial nas decisões e políticas relacionadas ao uso da energia nuclear, dentro e fora dos EUA.
Ensinaram isso na sua escola quando falavam que os EUA criaram a bomba atômica e são os “vilões” do mundo?
A realidade é gigantesca e inabarcável. Ainda assim, os homens tentaram absorvê-la sozinhos, sem qualquer auxílio exterior. O resultado dessa empreitada arrogante não poderia ter sido outro senão vê-la escapar diante de seus olhos e acabar apartados dela.
A filosofia da decepção, surgida no meio do testemunho da miséria e da violência do século XX, é fruto de uma experiência que deixou clara a fragilidade da humanidade diante das forças imponderáveis da realidade e também sua incapacidade de entendê-la. Essa filosofia, porém, foi apenas o ato final de um monólogo empreendido pelo indivíduo ocidental durante mais de dois milênios.
Esse indivíduo quis, mesmo diante das evidências de sua pequeneza, contar sua própria história e dar sentido para ela sem deixar nada nas mãos de um roteirista maior. Sua narrativa, porém, acabou ficando muito confusa e seu itinerário desorientado. Todavia, em vez de render-se e deixar-se ser dirigido, dobrou a aposta e insistiu em continuar fazendo tudo por si mesmo. O resultado foi mais isolamento e ausência de sentido.
O pecado do Gênesis não foi um ato único, isolado. Ele é repetido constantemente, é uma ação ininterrupta praticada pela humanidade. Os homens, a todo instante, estão tomando o fruto, arrogando sua semelhança com os deuses e reivindicando seu conhecimento do bem e do mal. A atitude do primeiro casal pode ser narrada como um desvio, uma afronta, mas a continuidade dela, em seus herdeiros, passou a ser a própria natureza deles, inescapável, apesar de também estimuladora.
O grande drama da humanidade é a sua luta interior entre a necessidade de responder ao anseio de ser como Deus, ou seja, pensar por si mesma, e o cuidado de não afrontar a divindade nessa sua necessidade de independência ─ uma questão que até hoje não ficou bem resolvida.
Pedro, por aqueles dias, andava confuso, incomodado. Havia bem pouco, quando questionado por Jesus sobre Sua identidade, ousara olhá-Lo bem nos olhos e dissera:
– Tu és o Cristo, o Filho de Deus Vivo!
E, por tal “ousadia”, recebera do Mestre um grande prêmio, uma investidura de que não se via digno, mas que aceitara e assumira, mesmo que ainda não a compreendesse muito bem.
Bem pouco depois, no entanto, crendo-se investido de um papel diferente do que lhe fora designado, cometeu nova ousadia. Diante das palavras de Jesus sobre Seu destino de padecimento, morte e ressurreição, alarmara-se. Naquele momento, tomara para si a responsabilidade de cuidar do Rabi, não permitir que Ele sofresse de morte cruel ou de quaisquer dores que fossem. E seria ele, Pedro, Seu fiel guardião. Chamou-O então à parte e, olhando-O nos olhos novamente, com o coração inflamado falou-lhe:
– Deus não permita, Senhor! Não te sucederá isto!
E, em reposta, veio-lhe a furiosa reprimenda:
– Para trás de mim, Satanás! Tu serves-me de escândalo, pois não tens a sabedoria das coisas de Deus, mas dos homens!
Aquelas palavras atordoaram o pobre Apóstolo, que se pôs a ruminá-las, junto com outros milhares de pensamentos, num turbilhão de silenciosa angústia. E ele ficava a se perguntar do porquê de palavras tão duras contra si. Afinal, não fora ele quem, iluminado pelo Espírito de Deus, reconhecera Seu Filho? Não fora ele investido de “ligar e desligar” Terra e Céu? Não deveria, portanto, protegê-Lo? Não estava a seu encargo e tarefa de zelar por Ele a todo custo, para a vitória do Reino de Deus?
Andava assim matutando quando ouviu Jesus chamá-lo, e aos irmãos João e Tiago:
-Vinde, subi comigo ao alto do Tabor. Vinde, e oremos ao Pai que está nos Céus!
Com dificuldade para acompanhar os passos ligeiros do Mestre, seguiram-No os três. Quando chegaram ao topo, os Apóstolos resfolegavam. Pedro estava feliz, com o coração novamente animado. Ia falar alguma coisa, mas se calou, espantado, ao ver a transformação que naquele momento se dava em Jesus: Seu rosto ficara refulgente como o sol, e suas vestes toraram-se luminosas, de tão brancas que estavam. E eis que apareceram ali Moisés e Elias, e se puseram a falar com Ele.
Cheios do Espírito Santo, os Apóstolos imediatamente reconheceram o Patriarca e o Profeta, e assistiam maravilhados àquela cena. Pedro, especialmente exultante, logo se adiantou:
– Senhor, é bom nós estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias!
E eis que, enquanto ele ainda falava, uma nuvem resplandecente envolveu os três Apóstolos, e de dentro dela saiu uma voz:
– Este é meu filho muito amado, em quem pus toda a minha complacência; ouvi-o.
Aterrorizados, os três caíram por terra, de bruços, e não ousaram erguer-se. Na mente de Pedro, passou de relance todo aquele turbilhão de pensamentos que o andavam atormentando nos últimos dias. E, como o pó ao vento, foram varridos embora. O Apóstolo, ali, começava a compreender seu papel nos planos de Deus. Olhava para si e começava, enfim, a enxergar-se do seu próprio tamanho – nem maior, nem menor. Seu corpo tremia todo, mas seu coração, naquele momento, estava mais seguro.
Jesus então olhou para Pedro e sorriu. A rocha ia sendo lapidada, e ganhando firmeza. Aproximou-se dos três discípulos, pôs suas mãos sobre eles e falou-lhe com doçura:
– Levantai-vos, não temais.
Eles ergueram os olhos, e ali estava o Mestre. Moisés e Elias já haviam desaparecido, assim como terminava de sumir o resplendor das vestes e da face do Rabi.
Enquanto desciam, e Jesus prevenia os três para que silenciassem sobre o que haviam ali testemunhado, Pedro chorava de alegria. Seu coração, naquela hora, vibrava como um tambor em festa.
Isso precisa ser denunciado, e pensado com sinceridade por nós. De nossos leitores, esperamos justamente isto: que meditem no assunto em questão, sem se deixar levar pelo mero fluxo de seus afetos ou sentimentos desordenados.
Li nestes dias uma reportagem em que se proclama a consolidação de um novo “modelo de família multiespécie”, no qual as crianças são substituídas por bichos de estimação, particularmente por cães. Na Espanha, o número de cães (9,3 milhões) supera com folga o de jovens com menos de quinze anos (apenas 6,7 milhões). Em alguns lugares (em Madri, por exemplo), o número de cães é três vezes maior que o de crianças. Inevitavelmente, este “modelo de família multiespécie” está favorecendo fenômenos jurídicos e sociais que até pouco tempo atrás pareceriam invenções próprias de uma obra do gênero literário esperpento [i]: os casais que se divorciam estabelecem convênios de “guarda compartilhada” sobre seus cães; os testamentos dão lugar de destaque a eles, além de se organizarem velórios grotescos para dar adeus a eles.
Evelyn Waugh escreveu uma sátira feroz intitulada “O Ente Querido”, cujo protagonista trabalha numa empresa dedicada a oferecer serviços funerários de primeira qualidade para bichos de estimação: sepultamento de canários, embalsamamento de cãezinhos, cremação de gatinhos cujas cinzas são depois jogadas no ar por um teco-teco etc. E nos aniversários de morte dos bichos de estimação os clientes recebem em casa um cartão ridículo, decorado de forma muito festiva, no qual podem ler que seu bicho de estimação está feliz no céu, balançando o rabo.
Menos partidário da sátira que do ataque verbal, Léon Bloy compara as sepulturas de um cemitério de pobres (“toscas, abandonadas por completo, áridas como a cinza”) às de um cemitério de cães que os ricos construíram numa ilha no Rio Sena, para enterrar lá seus bichos de estimação com túmulos de mármore, monumentos suntuosos e epitáfios ridículos. Então, Bloy se pergunta “se a tolice decididamente não é mais odiosa que a própria maldade”; e também se é “resultado de uma idolatria demoníaca ou de uma imbecilidade transcendental”.
Talvez seja o resultado de uma combinação das duas coisas. Determinado a catalogar as diversas expressões do amor humano, C. S. Lewis se dedicou a analisar a natureza do afeto que às vezes nutrimos pelos animais, por meio do qual corrigimos “a atrofia do instinto imposta por nossa inteligência, nossa excessiva autoconsciência, as inumeráveis complicações de nossa situação, a incapacidade de viver no presente”. Mas frequentemente esse afeto encobre outras intenções:
Se você precisa ser necessário, e se sua família, muito apropriadamente, declina precisar de você, um animal de estimação será o substituto óbvio. Você poderá mantê-lo por toda sua vida precisando de você. Você poderá mantê-lo permanentemente infantilizado, reduzi-lo à condição de um inválido permanente, isolá-lo de todo genuíno bem-estar animal e compensar tudo isso ao criar necessidades para incontáveis pequenas indulgências que somente você poderá suprir.
Deste modo, o bicho de estimação se transforma no escoadouro do nosso egoísmo, num simulacro de filho que não se queixa, não nos repreende, não nos admoesta e não nos diz uma terrível verdade de vez em quando. Lewis não chega a designar a forma de depravação que está alojada no fundo desse afeto egoísta pelos animais, embora se atreva a propor que “aqueles que encontram nos animais um alívio para as exigências do companheirismo humano são advertidos a verificar suas reais razões”.
Muito menos contemporizador que C. S. Lewis, Joseph Roth se atreve a apresentar uma reflexão incômoda em “A Cripta dos Capuchinhos”:
Sempre tive a impressão de que os homens que amam os animais direcionam a eles uma parte do amor que deveriam dar aos seres humanos; e me dei conta do quão justa era essa apreciação quando constatei casualmente que os alemães do Terceiro Reich amavam os cães-lobos e os pastores alemães. Pobres ovelhas! — disse a mim mesmo.
Hoje, essa avaliação se torna muito mais nítida e desagradável que na época do Terceiro Reich. Pois nossa geração, que eleva os bichos de estimação à categoria de filhos (filhos que não podem nos interpelar, não podem nos constranger, não podem nos acusar, não podem cuspir em nosso rosto), reconhece que a vida humana deixou de ser inviolável, que nem todos os seres humanos são dignos de proteção, nem em todas as etapas de sua vida. Como nos recorda Chesterton, por trás do ideal de tratar os animais como se fossem humanos esconde-se o desejo secreto de tratar as pessoas como se fossem animais.
É o resultado de uma imbecilidade transcendental, mas também de uma idolatria demoníaca. É o emblema de uma época sem futuro, condenada à lata de lixo da história, que, evidentemente, terá o aspecto elegante daquele cemitério de bichos de estimação que causa indignação em Bloy. Pois a degradação gosta de se expressar por meio da pieguice.
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Umas ditaduras são mais iguais que as outras: Brasil-Mentira IV
(Publicado originalmente no Diário do Comércio, em 27 de Abril de 2009, disponível no site do professor)
O Sr. Dines não é burro, pessoalmente. Já provou isso em escritos excelentes. Ele encontra-se emburrecido e cego pelo apoio dos seus pares, que, quando o que ele diz coincide com os desejos deles, tratam de aceitá-lo imediatamente, reprimindo em si próprios e nos outros a mais elementar exigência analítica. Confirmado retroativamente pelo apoio deles, o Sr. Dines está autorizado a jamais perceber a enormidade do que disse. Ser “formador de opinião”, no Brasil de hoje, é isso. É expressar amores e repulsas com a irracionalidade de um cão que late, reforçado pelos ecos inumeráveis de uma orquestra canina.
A idéia de que não haja comparação possível entre autoritarismos iguala, na base, os campos para prisioneiros japoneses nos Estados Unidos durante a II Guerra e os campos de concentração nazistas. Iguala as medidas defensivas, tomadas por uma nação em perigo, à construção da máquina totalitária que cresce justamente na medida em que as oposições desaparecem e em que se torna necessário inventar mais e mais oposições imaginárias para justificá-la. O Brasil teve, ao longo de vinte anos, aproximadamente dois mil prisioneiros políticos, nenhum deles totalmente isento de ligações diretas ou indiretas com a guerrilha e com a ditadura cubana. Cuba, com uma população doze vezes menor, chegou a ter cem mil ao mesmo tempo – a quase totalidade sem processo legal, e levada ao cárcere por crimes hediondos como fazer uma piada, recusar-se a usar um crachá patriótico ou, nos casos mais graves, possuir uma casa. Se não há nenhuma diferença entre uma coisa e outra, também não há diferença entre matar seis milhões de judeus e dar um discreto pontapé no traseiro do sr. Alberto Dines, ou entre jogar milhões de padres no Gulag, por serem padres, e, como se fez na Grã-Bretanha durante a II Guerra, prender sem processo uns quantos colaboradores do inimigo. Abolir as diferenças equivale a neutralizar o próprio conceito de democracia, que só é democracia, precisamente por basear-se no senso das proporções, que essa abolição impugna.
A prova de que proibir toda gradação entre autoritarismos é inviável na teoria e na prática nos é dada pelo próprio Sr. Dines quando, ao referir-se a Fulgêncio Batista, o rotula de “tirano” e, no mesmo parágrafo, falando de Cuba, atenua a linguagem dizendo apenas que “está longe de ser uma democracia”, como se Cuba não tivesse feito outra coisa ao longo destes últimos quarenta anos senão esforçar-se para ser uma democracia. Se isso não é uma gradação, eu sou o Alberto Dines em pessoa.
Graduando mais ainda, ele faz questão de frisar que, se Cuba “ainda” (depois de breves quatro décadas) não se transformou em democracia, isso ocorreu ‘a despeito das magníficas intenções dos rebeldes”. Ora, os militares brasileiros, em 1964, derrubaram o governo que acobertava uma guerrilha financiada por Cuba, e prometeram em lugar dele, o quê? Uma democracia, ora bolas! Uma democracia com eleições plenas em seis meses. Não seriam, essas também, “magníficas intenções”, embora falhadas? Falar em “magníficas intenções”, neste caso, não seria ainda mais legítimo do que no tocante aos guerrilheiros cubanos que instantaneamente implantaram um regime de terror da ilha e não cederam um milímetro até hoje, enquanto os nossos militares acabaram se afastando do poder por obediência à pressão popular? Em vão o Sr. Dines afirma que todas as ditaduras são iguais, pouco importando as intenções. O que ele acaba dizendo, no fim das contas, é que todas são iguais, mas algumas são mais iguais que as outras. Ele jura “abominar as gradações”, mas ele próprio gradua, só que em sentido inverso: odeia o mal menor e ama decididamente o pior dos piores.
Na edição subseqüente do seu Observatório, ele mesmo deu a maior prova disso, ao falar da rebelião chefiada em 1936 por Francisco Franco contra a república pró-comunista espanhola. Ele rotula as forças rebeldes como “ditatoriais” e “fascistas” e o outro lado como “forças legalistas”. Tentando camuflar a escolha, ele apela ao seu usual artifício de fingir equanimidade, nivelando “as violências contra sacerdotes e freiras” e “a participação do clero na repressão fascista”, como se fossem ambas episódios da guerra civil, quando de fato as primeiras antecederam a guerra e foram a causa direta da rebelião franquista. Matanças em tempo de guerra podem ser debitadas na conta da violência geral, mas matanças em tempo de paz, promovidas por forças governistas contra a própria população local, caracterizam não somente uma ditadura, mas uma ditadura totalitária e genocida. É absolutamente imoral chamar de “legalista” ou “democrático” um regime que promoveu a matança sistemática de padres e freiras simplesmente por serem padres e freiras e que incendiou centenas de igrejas católicas nos territórios sob o seu domínio, fechando todas as restantes e tornando virtualmente ilegal a religião majoritária do país. A república espanhola foi obviamente uma ditadura, e entre ela e a ditadura franquista que a sucedeu Alberto Dines, desmentindo seu fingido horror a comparações dessa ordem, não hesita em estabelecer uma gradação de preferências, com o agravante de que, nessa gradação, não se limita a cotejar a extensão de dois males, mas eleva um deles ao estatuto de um bem, ao afirmar que os “libertários do mundo inteiro” – assim ele qualifica os membros das Brigadas Internacionais – lutavam pelos “conceitos de República, democracia e solidariedade”. Ora, as Brigadas Internacionais foram à Espanha obedecendo a uma convocação de Stálin, e, se delas participou a inevitável quota de idiotas úteis que não sabiam estar servindo à ditadura soviética – os depoimentos de John dos Passos e de George Orwell a respeito são bastante significativos –, o fato é que as Brigadas foram sempre um instrumento a serviço do comunismo, e não da liberdade. Chamar comunistas de “libertários” é mais do que mera impropriedade vocabular, é trapaça pura e simples, de vez que o segundo termo designa um movimento político existente, notoriamente hostil ao comunismo e atuante na política até hoje, inclusive no Brasil.
Para piorar as coisas, Dines nivela dois fenômenos radicalmente diferentes: a participação soviética ao lado dos republicanos e a ajuda nazifascista às tropas de Franco. É notório que o general rebelde obteve ajuda técnica e militar da Itália e da Alemanha, mas sem nada ceder a esses incômodos fornecedores (os únicos de que dispunha), defendendo a soberania do seu país com obstinada teimosia, timbrando em manter a neutralidade espanhola durante a II Guerra contra todas as pressões de Hitler e Mussolini e ainda concedendo abrigo a judeus foragidos, no mínimo como agradecimento à comunidade judaica de Valencia que ajudara a financiar sua rebelião. Em contrapartida, o governo dito “republicano” colocou-se sob as ordens de Stalin da maneira mais servil, chegando a ser controlado diretamente pelos russos nas etapas finais da guerra e a transferir para Moscou, sob a grotesca desculpa de “segurança”, todas as reservas estatais de ouro espanhol, um óbvio crime de alta traição que os russos festejaram com risos de escárnio, sabendo que os espanhóis jamais veriam aquele tesouro de volta, como de fato não viram.
O Sr. Dines não é burro, pessoalmente. Já provou isso em escritos excelentes. Ele encontra-se emburrecido e cego pelo apoio dos seus pares, que, quando o que ele diz coincide com os desejos deles, tratam de aceitá-lo imediatamente, reprimindo em si próprios e nos outros a mais elementar exigência analítica. Confirmado retroativamente pelo apoio deles, o Sr. Dines está autorizado a jamais perceber a enormidade do que disse. Ser “formador de opinião”, no Brasil de hoje, é isso. É expressar amores e repulsas com a irracionalidade de um cão que late, reforçado pelos ecos inumeráveis de uma orquestra canina.
A idéia de que não haja comparação possível entre autoritarismos iguala, na base, os campos para prisioneiros japoneses nos Estados Unidos durante a II Guerra e os campos de concentração nazistas. Iguala as medidas defensivas, tomadas por uma nação em perigo, à construção da máquina totalitária que cresce justamente na medida em que as oposições desaparecem e em que se torna necessário inventar mais e mais oposições imaginárias para justificá-la. O Brasil teve, ao longo de vinte anos, aproximadamente dois mil prisioneiros políticos, nenhum deles totalmente isento de ligações diretas ou indiretas com a guerrilha e com a ditadura cubana. Cuba, com uma população doze vezes menor, chegou a ter cem mil ao mesmo tempo – a quase totalidade sem processo legal, e levada ao cárcere por crimes hediondos como fazer uma piada, recusar-se a usar um crachá patriótico ou, nos casos mais graves, possuir uma casa. Se não há nenhuma diferença entre uma coisa e outra, também não há diferença entre matar seis milhões de judeus e dar um discreto pontapé no traseiro do sr. Alberto Dines, ou entre jogar milhões de padres no Gulag, por serem padres, e, como se fez na Grã-Bretanha durante a II Guerra, prender sem processo uns quantos colaboradores do inimigo. Abolir as diferenças equivale a neutralizar o próprio conceito de democracia, que só é democracia, precisamente por basear-se no senso das proporções, que essa abolição impugna.
A prova de que proibir toda gradação entre autoritarismos é inviável na teoria e na prática nos é dada pelo próprio Sr. Dines quando, ao referir-se a Fulgêncio Batista, o rotula de “tirano” e, no mesmo parágrafo, falando de Cuba, atenua a linguagem dizendo apenas que “está longe de ser uma democracia”, como se Cuba não tivesse feito outra coisa ao longo destes últimos quarenta anos senão esforçar-se para ser uma democracia. Se isso não é uma gradação, eu sou o Alberto Dines em pessoa.
Graduando mais ainda, ele faz questão de frisar que, se Cuba “ainda” (depois de breves quatro décadas) não se transformou em democracia, isso ocorreu ‘a despeito das magníficas intenções dos rebeldes”. Ora, os militares brasileiros, em 1964, derrubaram o governo que acobertava uma guerrilha financiada por Cuba, e prometeram em lugar dele, o quê? Uma democracia, ora bolas! Uma democracia com eleições plenas em seis meses. Não seriam, essas também, “magníficas intenções”, embora falhadas? Falar em “magníficas intenções”, neste caso, não seria ainda mais legítimo do que no tocante aos guerrilheiros cubanos que instantaneamente implantaram um regime de terror da ilha e não cederam um milímetro até hoje, enquanto os nossos militares acabaram se afastando do poder por obediência à pressão popular? Em vão o Sr. Dines afirma que todas as ditaduras são iguais, pouco importando as intenções. O que ele acaba dizendo, no fim das contas, é que todas são iguais, mas algumas são mais iguais que as outras. Ele jura “abominar as gradações”, mas ele próprio gradua, só que em sentido inverso: odeia o mal menor e ama decididamente o pior dos piores.
Na edição subseqüente do seu Observatório, ele mesmo deu a maior prova disso, ao falar da rebelião chefiada em 1936 por Francisco Franco contra a república pró-comunista espanhola. Ele rotula as forças rebeldes como “ditatoriais” e “fascistas” e o outro lado como “forças legalistas”. Tentando camuflar a escolha, ele apela ao seu usual artifício de fingir equanimidade, nivelando “as violências contra sacerdotes e freiras” e “a participação do clero na repressão fascista”, como se fossem ambas episódios da guerra civil, quando de fato as primeiras antecederam a guerra e foram a causa direta da rebelião franquista. Matanças em tempo de guerra podem ser debitadas na conta da violência geral, mas matanças em tempo de paz, promovidas por forças governistas contra a própria população local, caracterizam não somente uma ditadura, mas uma ditadura totalitária e genocida. É absolutamente imoral chamar de “legalista” ou “democrático” um regime que promoveu a matança sistemática de padres e freiras simplesmente por serem padres e freiras e que incendiou centenas de igrejas católicas nos territórios sob o seu domínio, fechando todas as restantes e tornando virtualmente ilegal a religião majoritária do país. A república espanhola foi obviamente uma ditadura, e entre ela e a ditadura franquista que a sucedeu Alberto Dines, desmentindo seu fingido horror a comparações dessa ordem, não hesita em estabelecer uma gradação de preferências, com o agravante de que, nessa gradação, não se limita a cotejar a extensão de dois males, mas eleva um deles ao estatuto de um bem, ao afirmar que os “libertários do mundo inteiro” – assim ele qualifica os membros das Brigadas Internacionais – lutavam pelos “conceitos de República, democracia e solidariedade”. Ora, as Brigadas Internacionais foram à Espanha obedecendo a uma convocação de Stálin, e, se delas participou a inevitável quota de idiotas úteis que não sabiam estar servindo à ditadura soviética – os depoimentos de John dos Passos e de George Orwell a respeito são bastante significativos –, o fato é que as Brigadas foram sempre um instrumento a serviço do comunismo, e não da liberdade. Chamar comunistas de “libertários” é mais do que mera impropriedade vocabular, é trapaça pura e simples, de vez que o segundo termo designa um movimento político existente, notoriamente hostil ao comunismo e atuante na política até hoje, inclusive no Brasil.
Para piorar as coisas, Dines nivela dois fenômenos radicalmente diferentes: a participação soviética ao lado dos republicanos e a ajuda nazifascista às tropas de Franco. É notório que o general rebelde obteve ajuda técnica e militar da Itália e da Alemanha, mas sem nada ceder a esses incômodos fornecedores (os únicos de que dispunha), defendendo a soberania do seu país com obstinada teimosia, timbrando em manter a neutralidade espanhola durante a II Guerra contra todas as pressões de Hitler e Mussolini e ainda concedendo abrigo a judeus foragidos, no mínimo como agradecimento à comunidade judaica de Valencia que ajudara a financiar sua rebelião. Em contrapartida, o governo dito “republicano” colocou-se sob as ordens de Stalin da maneira mais servil, chegando a ser controlado diretamente pelos russos nas etapas finais da guerra e a transferir para Moscou, sob a grotesca desculpa de “segurança”, todas as reservas estatais de ouro espanhol, um óbvio crime de alta traição que os russos festejaram com risos de escárnio, sabendo que os espanhóis jamais veriam aquele tesouro de volta, como de fato não viram.
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