Edição LXXVIII (Terça Livre, Revista Esmeril 43, opinião e mais)
REVISTA ESMERIL 43
- A Lama do Dalai (Israel Simões)
- O cético (Leônidas Pellegrini)
Alexandre Costa
Site: www.escritoralexandrecosta.com.br
Canal: www.youtube.com/c/AlexandreCosta
(por Allan dos Santos - 05/04/23)
“Como me perguntaste, João, caríssimo irmão em Cristo, como deves estudar para adquirir o tesouro da ciência, eis os conselhos que te dou a esse respeito.
1. Escolhas entrar no mar pelos regatos, não diretamente, pois é pelo que é fácil que convém chegar ao mais difícil. Este é, portanto, o meu conselho, e uma instrução para ti.
2. Quero que sejas lento para falar e lento para dirigir-te ao parlatório.
3. Guarda a pureza de consciência.
4. Nunca deixes de dedicar-te à oração.
5. Frequenta com amor tua cela, se queres ser introduzido na adega de vinhos.
6. Mostra-te amável com todos.
7. Não te preocupes com as ações dos outros.
8. Não sejas familiar demais com ninguém, pois o excesso de familiaridade engendra o desprezo e dá ocasião para afastar-se do estudo.
9. Não te envolvas de maneira alguma com as palavras e ações dos leigos.
10. Evita sobretudo os passeios inúteis.
11. Não deixes de imitar a conduta dos santos e dos homens de bem.
12. Não consideres de quem ouves as coisas, mas tudo o que se disser de bom, confia-o à tua memória.
13. Tudo que leres e ouvires, põe em prática, para o compreenderes.
14. Esclarece tuas dúvidas.
15. Esforça-te para armazenar tudo que puderes na biblioteca do teu espírito, como quem enche um vaso.
16. Não busques o que está acima de ti.
Se seguires este caminho, enquanto tiveres vida produzirás e multiplicarás folhas e frutos úteis na vinha do Senhor dos Exércitos. Se praticares estes conselhos, poderás alcançar o que desejas. Adeus.”
Fonte: SERTILLANGES, A-D. A vida intelectual — Seu espírito, suas condições, seus métodos, p. 217.
O orientador, no meu caso, era o Professor Carlos Alberto Gonçalves, que considerou aquele projeto de pesquisa sobre a fusão das marcas Fiat e Chrysler um tanto sem graça, pouco inovador. Ele também era coordenador da pós-graduação em neurociências da universidade e, percebendo a minha inclinação para explorar cavernas, aqueles recônditos obscuros da psique humana, passou a dizer que eu tinha um futuro promissor se adentrasse naquele campo de investigação. E me deu um desafio: encontre o insight, a ideia genial, respeitando nossa linha de pesquisa, mas incorporando a nova moda científica de dissecar cérebros. Traga até mim um projeto de neurociências e conversamos…
Poucos dias depois, em uma reunião com uma estagiária de Design incumbida de desenvolver um site para o centro esportivo que eu gerenciava, percebi algo curioso: uma certa agitação em suas mãos. Ela segurava o mouse de uma maneira estranha, dedo indicador frenético, correndo as páginas de internet como um feed de Instagram. Pareceu-me um automatismo, um movimento involuntário de uma jovem digitalizada e ansiosa. Guardei aquela cena na memória, crente que ela poderia indicar o caminho da minha pesquisa.
Na semana seguinte peguei um voo para Curitiba, para apresentar um artigo em um congresso acadêmico. Resolvi folhear algumas revistas e logo a primeira que peguei trazia um grande cérebro na capa. Era uma edição da Exame com o título O Segredo da Mente Produtiva. Ali tive o meu primeiro contato com as práticas de mindfulness, uma técnica de meditação guiada similar à meditação zen budista, devidamente ocidentalizada por um médico americano. Os conceitos de atenção plena, enquanto um esforço por aterrissar a atividade mental no momento presente, eram exatamente o que eu buscava. Aquela menina de dedos instagramados estava inconsciente dos padrões estímulo-resposta que haviam se incorporado no seu comportamento. Se havia um treinamento voltado à tomada de consciência, à metacognição e à observação do corpo, era ali que eu deveria iniciar minha pesquisa exploratória.
Os meses que se seguiram foram de uma incursão pessoal no orientalismo moderno, o que inclui a devoção a uma versão de budismo ecumênica, pop e cheia de adeptos no mundo das celebridades. Frequentei uma casa budista para conhecer de perto o éthos daquela comunidade, incorporando a disposição física e mental dos praticantes na minha rotina diária. Se era para distinguir o valioso do enganoso, deveria provar da coisa inteira, ciente do estado de dúvida e experimentação a ser mantido, mas sem ressalvas.
A tentativa de apreender uma escola de pensamento virou uma oportunidade de crescimento pessoal única. Fui notando, naqueles longos exercícios de olhos fechados, as instabilidades, tensões e fraquezas que eu mesmo havia somatizado em meu corpo sem perceber. Hoje sou eu quem ajudo meus pacientes a se livrarem de suas dores e traumas por meio de uma diversidade de recursos terapêuticos, entre os quais a meditação e as práticas de consciência corporal.
Mas nem tudo eram flores de lótus.
As formações teóricas e treinamentos práticos eram conduzidos por moços de cachos ao vento e voz lenta que me causavam certa estranheza. Em nada se pareciam com os homens com quem eu rolava no tatame toda semana, trocando quedas de judô e golpes de jiu-jitsu. As moças, sempre muito educadas, não usavam maquiagem e tinham uma cisma repetitiva com saias estampadas, sandalinhas de Jesus, tranças, miçangas e a bendita palavra gratidão. Eu me esforçava, mas não via sentido em substituir o “obrigada” por aquelas mãozinhas em sinal de oração, sempre acompanhadas de um sussurro: gratidão.
Os chás de flores eram tão insossos quanto os biscoitinhos com gosto de nada. As almofadas eram desconfortáveis, especialmente porque eu frequentava as aulas depois do trabalho, de roupa social. Mesmo que passasse em casa, não fazia parte do meu guarda-roupa aqueles pijamas de linho deteriorado.
Mas o que me incomodava mesmo eram os discursos que intercalavam as práticas meditativas: falavam de salvar baleias, abraçar árvores, boicotar o McDonald’s, cozinhar bifes de ervilhas, perdoar criminosos, abortar crianças, tirar o Lula da cadeia. Especialmente a instrutora de meditação contratada para conduzir a coleta de dados da minha pesquisa era insistente na doutrinação misturada com lições do Buda. Uma mulher cuja meiguice escondia uma personalidade forte e um tanto intolerante.
Filtrada pelos cacoetes da comunicação-não-violenta, a linguagem daqueles seres celestiais jamais seria classificada como “discurso de ódio”. Igualmente os atos eram sempre perdoáveis, pelo menos dentro do grupo, com fortes correntes de fraternidade e defesa mútua. O sujeito que fosse rude e intransigente com alunos questionadores, alguns dos quais oriundos de árvores religiosas distintas (mas como eu, interessados em um aprendizado abnegado), se era membro da patota, na verdade não era rude. Apenas indignado.
Aquele grupo de intelectuais ricos e veganos, com roupas de lavradores da idade média, estavam interessados em uma sabedoria de pouquíssima orientação moral, mas paradoxalmente moralizante.
Portanto em nada me estranhou ver o Dalai Lama sair incólume da polêmica cena em que sujeitou uma criança ao constrangimento de beijar sua boca, chegando a pedir que chupasse sua língua, abraçando-o contra o seu próprio corpo e lhe fazendo cócegas, num gesto tão desprezível que chega a provocar vômito. O líder do budismo tibetano é figura tarimbada nas demonstrações públicas de apreço à espiritualidade por políticos como Obama e artistas como Lady Gaga. Vencedor do Nobel da Paz, ele circula pelo mainstream como o vovozinho do olho puxado de jeito manso e trato cordial. Inofensivo.
Talvez Dalai Lama queira resgatar um costume bastante tolerado e prezado na Grécia antiga, no Império Romano, na China e em culturas africanas: o uso de menores para satisfação sexual. Foi a influência do cristianismo que libertou as crianças deste jugo terrível (contra o qual uma corrente subterrânea de promiscuidade insiste, mais do que nunca, em executar sua vingança).
Os adeptos da Nova Era são como porcos de banho tomado. Juram que são as entidades mais iluminadas e puras do universo, agem como criancinhas no jardim de infância, mas no fim acabam voltando para a lama de uma cultura primitiva erotizada e libertina. Veja os ritos cerimoniais dos estudantes nos campos universitários brasileiros, inspirados nas tradições indígenas e de matriz africana: sempre acabam no consumo de alucinógenos, orgia e bebedeira.
Pois que chupem as línguas e o que mais gostarem uns dos outros, mas não mecham com as crianças. Elas ainda têm o direito a preservar sua integridade física para além das respirações profundas e movimentos de pernas para o ar.
Felizmente, no Ocidente, ainda prevalece uma fé que ora de olhos fechados, mas que age de olhos bem abertos. Está no Salmo 121: “É certo que não dormita, nem dorme o guarda de Israel”.
Estejamos vigilantes.
Direitos autorais: BJ Graf (https://www.flickr.com/photos/bjgraf/8975004713)
Baseado em Jo 20, 24 – 30
– O que celebrais, afinal?
– Tomé! – adiantou-se Pedro, entusiasmado – Sê bem-vindo! Junta-te a nós, irmão! O Senhor está vivo e entre nós! Nós O vimos!
– Estás louco? Ou te julgas engraçado com tal blasfêmia, seu…
– Tomé – Maria pousou-lhe mão no ombro – é verdade. Ele tem estado entre nós todos estes dias.
Diante daquele olhar, o Apóstolo desarmou-se, entre aturdido e apiedado. Não se sentia capaz de contrariá-la naquele momento. Pobre mãe! Com certeza havia ali coisa maior, mais maligna. Estariam todos sofrendo de algum delírio? Seriam artes do diabo? Espíritos malignos a confundir os corações de seus amigos? Então, João também interveio:
– Tomé, irmão, todos nós O vimos. Mesmo. Ele ressuscitou dentre os mortos. Lembra-te das Escrituras, que…
– Não! – atalhou o Dídimo – Estais todos loucos! Não acredito! Ele está morto, todos sabemos! Isso nós vimos de fato! Quereis que eu creia? Pois bem! Se eu não O vir aqui, em carne e osso, e se não vir nas Suas mãos a abertura dos cravos, se não meter meu dedo no lugar dos cravos e não meter as minha mão no Seu lado chagado, não crerei!
E naquele momento mesmo, Jesus apareceu entre eles:
– A paz esteja convosco!
E, voltando-se para Tomé, grave, expôs-lhe as Suas feridas e disse:
– Mete aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos, e aproxima também a tua mão e mete-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel!
Então o espírito do Apóstolo, armado, entrincheirado, capitulou. E de olhos marejados e coração disparado, ele caiu de joelhos, aos pés do Cristo e, chorando, bradou:
– Meu Senhor e Meu Deus!
E enquanto o Dídimo ainda chorava, Jesus pousou-lhe a mão da cabeça, apiedado:
– Tu creste, Tomé, porque me viste; bem-aventurados os que crerem sem ter visto.
Todas as terças-feiras, no Conexão KGB, nós mostramos uma nova tirinha do Giorgio. Esse paulistano radicado em Jacareí, com 57 anos de idade e 32 de carreira, tornou-se o cartunista oficial do Olavo. Tudo começou há alguns anos, quando Giorgio procurava explicações para a decadência da cultura brasileira e deparou com um artigo de um certo filósofo que morava na Virgínia. A partir desse primeiro contato, Giorgio descobriu os livros, os cursos, o True Outspeak e o COF. Sua primeira tira, aprovada por Olavo, mostra a “origem” do nome do Curso On-Line de Filosofia:
Olavo riu e aprovou. Reunidos no livro True Outstrips, os quadrinhos retratam o professor nas mais inusitadas situações, sempre com respostas certeiras — seja para seus alunos, seja para seus detratores. A cada tirinha, uma tirada.
Mesmo antes de conhecer Olavo, Giorgio Cappelli já desenvolvia um excelente trabalho como desenhista e roteirista de histórias em quadrinhos. Esse trabalho pode ser conhecido em três publicações, nas quais Giorgio revela todo o seu talento criativo:
Rastreadores da Taça Perdida - O Segredo da Jules Rimet
Nessa história, Giovanni e Vini são dois primos que percorrem o mundo atrás de relíquias e raridades da cultura pop: figurinhas difíceis de achar, filmes fora de catálogo, quadrinhos raros. Quando o milionário pai de Vini anuncia que está falido, Giovanni sugere a Vini que comece a cobrar por esses serviços que faziam por conta própria — e eis que são convocados para encontrar a Jules Rimet, taça do tricampeonato da Seleção Brasileira, supostamente derretida e perdida em 1983. Ação e humor em doses complementares.
O Extracurricular Cucaracha
Quando Ascarel acidentalmente ganha superpoderes, decide se vingar de todos que praticavam bullying com ele. Mas há outro aluno, na mesma escola, que também adquiriu poderes por acidente... e o embate entre ambos não tardará a acontecer. Sátira ao gênero "super-herói adolescente".
A Fivela Ardente de Bila
As aventuras de Bila, guerreira da aldeia das Pirulonas, mulheres de dois metros de altura e boas de briga. Bila, que tem apenas um metro e 87, é a mais baixinha. Neste álbum que mistura fantasia estilo Tolkien com comédia pastelão, há três histórias: O Sequestro do Príncipe Poliano, A Princesa e o Lobisomem e O Império Contra Takka. Nesta história, Giorgio atuou em parceria com Enéas Ribeiro Corrêa.
Os álbuns de Giorgio Cappelli podem ser adquiridos com o próprio autor, por preços muito especiais. Se você ficou interessado, entre em contato com o Giorgio pelo seu perfil ou Instagram ou pelo WhatsApp (12 981448298).
Eu já encomendei os meus!
— Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.
(Publicado originalmente no Diário do Comércio, em 04 de Fevereiro de 2015, disponível no site do professor)
Em artigo escrito já há algum tempo, o publicitário Nizan Guanaes observa que às nossas classes altas falta, sobretudo, cultura. Pura verdade, mas por que somente às classes altas? Ao longo da quase totalidade da história humana, o conjunto dos homens mais cultos e sábios raramente coincidiu com o dos mais ricos e socialmente brilhantes.
“Livros e dinheiro são uma mistura perfeita para elegância, savoir faire e bom gosto”, diz Guanaes. É certo. Mas também é certo que elegância, savoir faire e bom gosto não são propriamente a alta cultura: são a vestimenta mundanizada que ela assume quando desce do círculo das inteligências possantes e criadoras para o âmbito mais vasto dos consumidores abonados, da sociedade chique. São cultura de segunda mão.
O que falta no Brasil não são apenas ricos educados. O que falta são intelectuais capazes de educá-los. Um indício claro, entre inumeráveis outros, é que nenhuma universidade brasileira, estatal ou privada, foi jamais incluída na lista de cem melhores universidades mundiais do Times Higher Education World Ranking de Londres. Não há nessa exclusão nenhuma injustiça. Rogério Cezar de Cerqueira Leite explicou o porquê em Produção científica e lixo acadêmico no Brasil.
Foi talvez sentindo obscuramente a gravidade desse estado de coisas que o próprio Guanaes mandou seu filho estudar na Phillips Exeter Academy, de New Hampshire, tida como a melhor escola preparatória americana, na esperança de colocá-lo depois em alguma universidade da Ivy League, como Harvard, Yale, ou Columbia.
Sem deixar de cumprimentar o publicitário pelo seu zelo paterno, observo que suas próprias ações provam antes o meu diagnóstico da situação do que o dele: se cultura faltasse somente aos homens ricos, bastaria enviar seus filhos a alguma universidade local ou fazê-los conviver com intelectuais de peso em São Paulo ou no Rio, e decorrida uma geração o problema estaria resolvido.
Mas aí é que está: faltam universidades que prestem, e os grandes intelectuais morreram todos, sendo substituídos por duas gerações de tagarelas incompetentes, cabos eleitorais e cultores da própria genitália, como documentei abundantemente em O Imbecil Coletivo (1996) e O Mínimo que Você Precisa Saber para Não Ser Um Idiota (2014), além de centenas de artigos, muitos deles neste mesmo Diário do Comércio.
Ricos e até governantes incultos não são, por si, nenhuma tragédia, desde que haja em torno uma classe intelectual séria, capaz de lhes impor certos padrões de julgamento que eles não precisam compreender muito bem, só respeitar.
Foi assim na Europa ao longo de toda a Idade Média e até épocas já bem avançadas dentro da modernidade, quando a casta nobre considerava que a única ocupação digna da sua posição social era a guerra, deixando os estudos para os padres e demais interessados.
O Imperador Carlos Magno só começou a aprender a ler – de má vontade – depois dos trinta anos. Afonso de Albuquerque, sete séculos depois, ainda considerava que saber línguas estrangeiras era coisa para subalternos. A alta cultura não era sinal de posição social elevada, era um ofício especializado. Daí a palavra clerc, “clérigo”, que não designava só os sacerdotes, mas, de modo geral, toda pessoa letrada.
Complementarmente, os homens de estudos eram o que podia haver de mais diferente do grand monde, dos ricos e elegantes. Até bem recentemente, mesmo nos EUA, os intelectuais, sobretudo universitários, primavam por uma vida austera, sem divertimentos nem confortos, a não ser que, por coincidência, viessem eles próprios de alguma família rica.
Tudo mudou nos anos 80, com o advento dos yuppies. Um yuppie é um jovem com diploma de universidade prestigiosa, um emprego regiamente pago em alguma cidade grande, um círculo de amigos importantes que se reúnem em clubes chiquérrimos e uma cabeça repleta de regras de polidez politicamente corretas, um conjunto formidável de não-me-toques que facilitam a aceitação social na mesma medida em que dificultam o pensamento. Foi aí que formação cultural começou a significar elegância, bom gosto e refinamento em vez de conhecimento e seriedade intelectual.
Esse foi um dos danos maiores produzidos pela desastrosa administração Jimmy Carter. Até os anos 70 os EUA ainda tinham a melhor educação do mundo, toda ela fruto da iniciativa autônoma da sociedade. A intervenção estatal, associada ao império do esquerdismo chique e ao açambarcamento de toda atividade cultural pela burocracia universitária, iniciou o processo de degradação intelectual documentado por Russell Jacoby em The Last Intellectuals: American Culture in the Age of Academe e por Allan Bloom em The Closing of the American Mind, ambos de 1987.
No Brasil, a palavra “Harvard” ainda pode significar altíssima cultura, mas nos EUA ela evoca antes a pessoa de Barack Hussein Obama, que chegou a diretor da Harvard Law Review sem ter ultrapassado o nível das redações ginasianas e depois fez fama de autor com dois livros escritos inteiramente por Bill Ayers, um terrorista doublé de talentoso artista da palavra.
Nada mais expressivo do vazio intelectual de Harvard do que o sucesso de John Rawls, o qual, segundo a boutade de Eric Voegelin, escreveu uma Teoria da Justiça sem notar que se tratava de uma teoria da injustiça.
O que hoje resta da antiga pujança intelectual americana refugia-se em grupos autônomos, como o círculo de discípulos do próprio Eric Voegelin, as redações de New Criterion e Commentary, meia dúzia de editoras high brow ou o time seleto de scholars que compõem a equipe de Academic Questions, uma revista acadêmica dedicada ao estudo… da decadência acadêmica.
Em comparação com o que temos no Brasil, é muito, é uma abundância invejável, mas, para o antigo padrão americano, é quase miséria. Os EUA só continuam sendo o paraíso dos estudos superiores no sentido yuppie do termo. Não por coincidência, Guanaes cita como protótipo de pessoa culta a riquíssima, chiquíssima e politicamente corretíssima Ariana Huffington, fundadora do Huffington Post, um front de antijornalismo obamista empenhado em manter acesa a chama do “Yes We Can” contra todos os fatos, contra toda evidência e contra todo o descrédito geral.
Não quero me meter na vida da família Guanaes, mas mandar um filho estudar nos EUA – digo nas grandes universidades, e não nos círculos dos happy few – é um meio de defendê-lo contra a debacle cultural brasileira? Sim, se o que você quer para ele é uma carreira de yuppie e uma alta cultura constituída de “elegância, savoir faire e bom gosto”. Não, se você quer fazer dele um estudioso sério, capaz de compreender o Brasil e ajudar o país a sair do atoleiro.
Digo isso, também, por outro motivo. Cultura não é só aquisição de conhecimento, é a formação de uma personalidade ao mesmo tempo arraigada na realidade histórico-social concreta e capaz de transcendê-la intelectualmente.
Essa formação só é possível se ela começa pela absorção da cultura local na língua local e se prossegue nesse caminho até abarcar essa cultura como um todo e, então sim, tiver necessidade de ampliar o seu horizonte pelo contato mais aprofundado com outras culturas.
Se um jovem ignorante da sua cultura nacional é transplantado para o ambiente acadêmico de outro país, é melhor que ele fique por lá mesmo, pois, se voltar, dificilmente chegará a compreender o lugar de onde saiu.
O Brasil está repleto de diplomados de universidades estrangeiras, cujos palpites sobre a situação nacional superlotam as colunas de jornais com amostras de incompreensão que raiam a alienação psicótica. O projeto “Ciência Sem Fronteiras” está se encarregando de produzir mais alguns com dinheiro público.
Pode-se retrucar que, nas presentes condições, a aquisição da cultura brasileira se tornou inviável porque o jovem interessado não encontra guiamento nem na universidade, nem fora dela. Não tenho resposta pronta para isso, mas desde quando a dificuldade de resolver um problema torna desnecessário resolvê-lo?
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