Edição LXX (Terça Livre, Revista Esmeril 38, opinião e mais)
REVISTA ESMERIL 38
- A Última Trégua (Vitor Marcolin)
- A língua (Leônidas Pellegrini)
A resposta é óbvia: é o mundo da sujeira. É a sarjeta moral. É o reinado do anticristo sob qualquer aspecto. Uma vez Jesus Cristo disse sobre os próprios seguidores que o espírito estava pronto, mas a carne é fraca. Num passado recente, a cada novo capítulo eu assistia a isso acontecendo de longe.
O Natal durante a I Guerra Mundial
Para a maioria de nós, provavelmente, as notícias advindas de Brasília e a derrota no Qatar achataram a nossa consciência a ponto de quase nos fazer esquecer de que já estamos no tempo do Advento. E para a maioria de nós, infelizmente, este tempo do calendário litúrgico não significa outra coisa senão, nas palavras de Nelson Rodrigues, “um orçamento”. O Natal tornou-se mais um item na lista das despesas que estressam o homem médio em todo mês de dezembro. Mas a vulgaridade com a qual encaramos uma época tão sagrada, no entanto, nem sempre foi a tônica do momento.
Aliás, à luz da História, podemos identificar, com relativa precisão, o momento exato no qual a disposição do nativo ocidental para com a sua religião sofreu um decaimento aparentemente irremediável: foi durante a I Guerra Mundial. A Europa e as regiões sob a sua influência já vinham de um processo de empobrecimento espiritual desde, pelo menos, a Revolução Francesa, quando, como demonstrado por Alexis de Tocqueville, a máquina revolucionária recebeu de bandeja a máquina estatal das mãos do próprio Antigo Regime. No entanto, sob diversos aspectos, a colheita revolucionária entregou os seus frutos mais viçosos durante os anos fatais da guerra para acabar com todas as guerras.
De 1914 a 1918 a humanidade sofreu um abatimento moral e psicológico sem precedentes que foi refletido na sua própria causa: a indiferença e, depois, o desprezo pela religião. E um acontecimento histórico registrado durante a guerra é o exemplo perfeito da mudança do estado de espírito do homem ocidental. Foi durante o Natal de 1914, antes, portanto, do agravamento do conflito, que britânicos e alemães protagonizaram o último suspiro do verdadeiro espírito natalino. Cartas remetidas do front que, de tão surpreendentes para os seus destinatários, foram publicadas nos jornais, deram uma mostra vívida do que estava acontecendo: G. A. Farmer, um soldado da infantaria britânica, numa carta destinada à sua família em Leicester, escreveu:
“FOI REALMENTE UM NATAL DOS MAIS MARAVILHOSOS QUE JÁ PASSEI. OS HOMENS DE AMBOS OS LADOS SE ENCHERAM DO VERDADEIRO SENTIDO DA FESTA E, DE COMUM ACORDO, PARARAM DE LUTAR E ACEITARAM UMA PROPOSTA DIFERENTE E MAIS BRILHANTE DA VIDA, E FICAMOS EM PAZ, TANTO QUANTO ESTÃO VOCÊS NA BOA E VELHA INGLATERRA”.
De fato, alemães e ingleses, em diversos pontos do front ocidental, confraternizaram; trocaram presentes singelos, mas muito significativos – e valiosos – como, por exemplo, tabaco, chocolate, cigarros, biscoitos, charutos, luvas, relógios de bolso… E o palco para as improváveis celebrações foi igualmente improvável: a “terra de ninguém”, o espaço entre as trincheiras que não distavam mais do que poucas dezenas de metros umas das outras, um pedaço de terreno sombrio e desolado. Entre as crateras abertas pelas explosões das bombas e cheias da lama fétida que encobria os corpos em decomposição dos soldados abatidos, soldados inimigos cantavam canções natalinas, trocavam presentes e partilhavam da esperança do fim de toda aquela beligerância.
A mídia que voltara todas as suas atenções para o conflito ficou tão perplexa com a trégua de Natal que enviou para diversos pontos da frente ocidental jornalistas com o único propósito de registrar os fatos.
Os enviados também tinham a intenção de interceptar cartas de soldados ou oficiais – sobretudo da Inglaterra – que pudessem alimentar aquela estranha e paradoxal centelha do entusiasmo que representava o fim de uma era. Em “A Sagração da Primavera”, Modris Eksteins conta que a trégua revelou, “por sua natureza não oficial e espontânea”, a última manifestação pública da consciência ocidental frente às exigências morais da realidade da guerra. Uma geração antes, durante a guerra Franco-Prussiana – ou mesmo no início do século, durante a resistência aos exércitos napoleônicos — o europeu, na companhia cotidiana da morte, dava mostras evidentes daquele extraordinário senso moral que havia sido o verdadeiro mote das relações humanas até o Natal de 1914.
O colorido dos uniformes, a cadência altiva das marchas, a empunhadura confiante dos mosquetes, o ritmo hipnotizante dos tambores, o senso da honra e do cumprimento do dever — ainda que não fossem inabaláveis — deram lugar à frieza da máquina. E o campo de combate, outrora o palco das hábeis orquestrações de generais que preferiam a morte à desonra, e nos quais os civis podiam testemunhar o espetáculo em relativa segurança, agora cedeu lugar ao pântano gélido, fétido e corrosivo, que engole a tudo e a todos, indistintamente.
A partir de janeiro de 1915, com o avançar da guerra e a consolidação do terrível impasse das trincheiras, os soldados das diversas nações de uma civilização capenga finalmente encarnaram o espírito do mundo moderno, daquele mundo cujos primeiros frutos haviam sido colhidos em 1789. Nunca mais haveria trégua de Natal ou quaisquer tipos de respeito à religião, à realidade imaterial. Agora, todo o esforço do sacrifício do homem moderno reduzir-se-ia à pauta bélica e política do seu Estado, guiado por uma mixórdia de ideias niilistas, materialistas, cientificistas e ateístas. Os soldados que trocavam tabaco por chocolate naquela longínqua trégua de Natal de 1914 não podiam imaginar, mas eles foram os protagonistas do último ato de liberdade da História.
Baseado no martírio de São Romão de Antioquia
Vivo, mas não intacto. Foi conduzido sob muita pancada, chegou ao palácio do governo todo escoriado, com um talho aberto na testa, o nariz e costelas quebrados e um dos olhos fechado, muito sangue correndo, mas sem parar de pregar um minuto. Enfureceu o juiz e o governador durante o interrogatório, deixou-os desorientados. O juiz queria logo mandar degolá-lo, mas o governador o deteve, tinha uma ideia melhor para fazer do prisioneiro um exemplo.
Empurraram-no até uma sacada de onde se via nova multidão se formando lá fora, todos clamando por Romão e bendizendo o nome de Cristo, sem se importar com as represálias dos soldados. O governador gritou lá de cima para o povo, pedindo atenção. A um gesto seu, um dos soldados que seguravam Romão abriu-lhe a boca com uma das mãos, e, com a outra, com a habilidade de quem já havia feito aquilo muitas vezes, com um golpe rápido de adaga cortou fora sua língua. O sangue espirrou e escorreu, foi fazendo uma poça ali mesmo no chão enquanto o prisioneiro se curvava de dor.
Aquilo durou alguns segundos. Em seguida, Romão endireitou-se. De sua boca ensanguentada saiu uma pregação ainda mais contundente, e cada uma de suas palavras podiam ser escutadas com nitidez para muito além do palácio, das multidões lá fora, e mesmo dos limites de Antioquia, atingindo em cheio um sem-número de consciências. O soldado que segurava sua língua decepada deixou cair no chão a adaga e escutava petrificado o discurso, tanto que não ouviu a ordem que o governador lhe repetia pela terceira vez. Só despertou do transe quando a cabeça do prisioneiro rolou chão abaixo pelo golpe da espada de um colega. No entanto, continuou com as palavras de Romão ainda por horas em sua mente, e aquele nome, Cristo, não saía de seus pensamentos. Naquela noite mesmo, levando consigo a língua decepada do mártir, que continuava corada e viva, iria se encontrar com outros soldados e oficiais impressionados pela pregação e Romão. Não muito tempo depois, iriam todos eles reencontrar no Céu o bendito pregador.
Eu, Padre Paulo Ricardo, digo cheio de gratidão: Mons. Jonas foi um dos instrumentos que Deus utilizou na minha história de salvação. Se um dia eu chegar ao Céu, certamente Mons. Jonas será parte de meu hino de gratidão e louvor: Misericordias Domini in aeternum cantabo (Sl 88, 2).
Num tempo em que os homens, dentro e fora da Igreja, eram tentados pelo horizontalismo social e mundano, Mons. Jonas Abib, movido pelo Espírito Santo, apontava para a transitoriedade deste mundo e para o Céu.
Filho de Dom Bosco, acreditava na vocação universal à santidade. “Ou santos ou nada mais!” E acolheu a convocação do Papa Paulo VI a usar os meios de comunicação de massa e os próprios jovens como apóstolos da santificação dos próprios jovens (cf. Evangelii nuntiandi).
Destas inspirações nasceu a família Canção Nova.
A vida e a obra de Mons. Jonas Abib fazem parte de um dos capítulos mais entusiasmantes da história da evangelização no Brasil.
Agradeço a Deus por fazer parte desta história. Rezemos pela alma deste grande servo de Deus, Mons. Jonas Abib, na certeza de que ele rezará por nós no Céu.
"Eu desejaria telefonar para cada um dos meus amigos, com votos de Feliz Natal. Mas isso é impossível. Tudo o que posso fazer é deixar aqui registrada a imensa felicidade que a presença de todos eles na minha vida representa para mim e para a minha família. O Apóstolo ensina que amar o próximo já é cumprir a Lei inteira, e por isso mesmo tenho a firme esperança de um dia reencontrar todos os meus amigos no Paraíso. Fiquem com Deus, irmãozinhos."
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